Nos últimos anos, em especial durante a pandemia da covid-19, o assunto saúde mental ganhou força ao redor do mundo. Depressão, ansiedade e solidão foram tópicos centrais nesse período, abordados das mais diversas maneiras dentro do ecossistema virtual. No entanto, outros temas correlacionados sofreram com os excessos de desinformações e os perigos do auto-diagnóstico. Entre eles o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), que enfrenta desafios e dificuldades nacionalmente.
Sediado no Rio de Janeiro no fim de junho, o Congress on Brain, Behavior and Emotion, abordou experiências de imersão na área da neurociências, inovação, cultura e prática clínica. Presente no evento,Fabricia Signorelli Galeti, psiquiatra do Ambulatório de TDAH de Adultos da Universidade Federal de São Paulo(Unifesp), destacou a importância de trazer informações de qualidade para a sociedade, buscando a identificação correta e adequada de transtornos mentais.
Para a especialista, temas relacionados à saúde mental estão sendo cada vez mais abordados, tanto por parte de profissionais, que trazem informações sobre diferentes transtornos psiquiátricos, quanto por pessoas que, por meio de suas redes, mencionam diferentes condições, como TDAH, transtorno do espectro autista (TEA), depressão e transtorno bipolar.Por um lado é bom, pois muitos encontraram o diagnóstico correto do TDAH. O grande problema são as notícias divulgadas sem embasamento científico.
“Muitas dessas informações que chegam até a população são fornecidas por pessoas que não são especialistas na área. Muitos acabam se identificando com as descrições do TDAH que assistem em um vídeo, por exemplo”, completou. Paulo Mattos, médico psiquiatra, pesquisador e professor do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, alerta que o diagnóstico precisa ser feito por especialista, para que o tratamento não seja prejudicado. “Os sintomas de desatenção são inespecíficos, isto é, são comuns a vários transtornos diferentes, desde TDAH até ansiedade e depressão.”
“Antes, eu passava uma hora no consultório para convencer a mãe de que o filho dela tinha TDAH. Agora, levo o mesmo tempo para convencê-la de que ele não tem”, acrescentou Paulo. Como vários dos sintomas são inespecíficos, é comum que alguém assista a um vídeo na internet e se “reconheça” em vários deles.
Panorama nacional
De acordo com o Ministério da Saúde, a prevalência de TDAH é estimada em 7,6% em crianças e adolescentes com idade entre 6 e 17 anos, 5,2% nos indivíduos entre 18 e 44 anos e 6,1% em maiores de 44 anos. Cerca de 11 milhões de brasileiros são afetados pelo transtorno, conforme dados divulgados em 2022.
No mundo
Segundo a Associação Brasileira do Deficit de Atenção — ABDA, o número de casos de TDAH variam entre 5% e 8% em nível mundial.
Sintomas
O transtorno é caracterizado, principalmente, por desatenção, inquietude e impulsividade. Eles começam na infância, mas podem aparecer com maior evidência na adolescência, no ensino médio ou no trabalho, à medida que as demandas da vida começam a crescer.
Identificação
Apesar das características principais, o TDAH apresenta, ainda, 18 itens que ajudam no diagnóstico do transtorno, sendo nove relacionados à atenção e o restante voltado à impulsividade e à hiperatividade.
Ajuda correta
Na busca pela avaliação adequada, a família ou o paciente deve procurar um profissional especializado em psiquiatria, neurologia ou neuropediatria. Ambos farão uma longa anamnese, que é basicamente uma entrevista com o paciente.
O que diz a lei
Em dezembro de 2021, o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei nº 14.254/21, que obriga o poder público a disponibilizar acompanhamento integral para educandos com dislexia ou transtorno do deficit de atenção com hiperatividade (TDAH) ou outro transtorno de aprendizagem.
Conscientização
Com o intuito de levar informações sobre o transtorno, 13 de julho foi instituído como o Dia Mundial do TDAH, proposto em 2012 pelo professor Russell Barkley, referência internacional sobre o tema.
Palavra do especialista
Qual a importância do diagnóstico precoce?
O TDAH pode trazer prejuízos sociais ao longo da vida. A impulsividade pode tornar o comportamento das crianças e dos adultos inapropriados nas relações sociais, bem como a desatenção atrapalha a percepção de situações sociais. Ao longo da vida, o TDAH não tratado cursa com impacto negativo na autoestima, sensação de impotência e fracassos recorrentes. A impulsividade, que leva a comportamentos de risco em todas as faixas etárias, está associada a maiores taxas de diferentes tipos de acidentes. Na adolescência e na vida adulta, comportamentos sexuais de risco, gravidez indesejada, maior risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis, maior risco de uso abusivo de bebida alcoólica e outros tipos de substâncias ilícitas. Estudos mostram maior dificuldade em gerenciar a vida financeira, maiores taxas de desemprego, e na idade escolar, maiores taxas de fracasso e abandono escolar. Todos esses impactos podem ocorrer ao longo da vida da pessoa com TDAH que não recebe o diagnóstico precoce.
Quais as formas adequadas de tratamento?
O tratamento de TDAH vai depender da idade do diagnóstico e dos prejuízos que a pessoa apresenta em decorrência do transtorno. De acordo com importantes diretrizes internacionais de tratamento do TDAH, em crianças muito pequenas (menores de 5 anos), as evidências mostraram um benefício clinicamente importante com programa de treinamento de pais, sendo recomendado como tratamento de primeira linha. O tratamento farmacológico para TDAH pode ajudar na melhora dos sintomas do transtorno quando usado corretamente. Para crianças maiores de 6 anos ou adolescentes, o tratamento com medicação deve ser iniciado se os sintomas de TDAH ainda estiverem causando prejuízo significativo e persistente na vida delas após as modificações ambientais e intervenções comportamentais terem sido implementadas, nesses casos o uso de medicação irá trazer benefícios expressivos na funcionalidade dessas pessoas. No Brasil existem dois grupos de medicações disponíveis para o tratamento do TDAH: estimulante e não estimulante (atomoxetina). Ambos os grupos de medicações podem ajudar com os sintomas do TDAH, aumentando os níveis de dopamina e noradrenalina no cérebro. Esses neurotransmissores são responsáveis por regular a atenção, o foco e a impulsividade, que estão prejudicados em pessoas com TDAH.
E quais são os desafios futuros do TDAH com todo esse cenário?
Os desafios são vários. Primeiramente, quando falamos de “excesso de diagnóstico”, estamos nos referindo a uma pequena parcela da população brasileira, com um melhor padrão socioeconômico e que tem acesso a procurar uma avaliação médica em serviço privado. Infelizmente, a grande maioria da população brasileira ainda se encontra sem acesso a qualquer tipo de avaliação diagnóstica. Outro desafio é ter acesso ao tratamento. De modo geral, para o TDAH (medicação e intervenção psicoterápica), tendem a ser tratamentos caros e, atualmente, o Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS) não disponibiliza o tratamento medicamentoso para nenhuma faixa etária, o que prejudica muito o tratamento adequado de TDAH. Outro grande desafio é conseguir que as informações de qualidade, baseada em evidências científicas, cheguem até a população.
Fabricia Signorelli Galeti é psiquiatra do Ambulatório de TDAH de Adultos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e colaboradora do Programa de Atenção à Primeira Infância da Unifesp
*O repórter viajou ao Rio de Janeiro a convite dos organizadores do evento
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