SAÚDE

5 respostas para dúvidas sobre vício alimentar

Psiquiatra explica sobre o consumo excessivo de comidas atrelado à sensação de prazer extremo

A dependência por comida é um fenômeno complexo e multifacetado que se caracteriza pelo consumo excessivo de alimentos, frequentemente associados a uma sensação de prazer extremo. Essa condição geralmente envolve alimentos altamente palatáveis, ou seja, aqueles que são particularmente atraentes ao paladar, muitas vezes ultraprocessados e ricos em gordura ou açúcar.

O consumo tende a ocorrer em quantidades que excedem significativamente as necessidades energéticas do corpo, levantando uma série de questões sobre seus impactos na saúde e os mecanismos subjacentes a esse comportamento.

“O vício em comida se desenvolve porque nosso cérebro aprende a associar certos alimentos com prazer”, explica a psiquiatra Dra. Clara Lapa, preceptora da Residência Médica em Psiquiatria do Hospital Psiquiátrico São Pedro e professora da especialização em Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

Segundo ela, esse comportamento tende a se tornar quase que incontrolável. “Com o tempo, esse condicionamento se torna tão forte que apenas ver, cheirar ou até mesmo lembrar do alimento pode desencadear um desejo incontrolável de comer, mesmo sem a presença de fome. Esses circuitos de recompensa são impulsionados pela dopamina, que, por não ter ação eficiente, pode levar a um comportamento impulsivo e descontrolado”, afirma.

Dependência por comida

Embora ainda pouco falada, a dependência por comida está muito presente na vida dos brasileiros. Tati Baldoni, de 47 anos, conta que passou a vida sentindo não ter controle quando a vontade de comer doces aparecia. Após chegar a 79 quilos, tendo 1,59m de altura, ela decidiu buscar ajuda médica e, recentemente, passou a entender e a tratar sua dependência por comida.

“Desde pequena sou viciada em comida, principalmente doces. Peguei o hábito do meu pai. Eu gosto demais de comer, seja por fome, por ansiedade ou por impulso. Eu era aquele tipo de pessoa que, se eu soubesse que tinha um pudim na geladeira, eu não conseguia deixar ele na geladeira, precisava comer até acabar. Eu cresci sendo assim”, conta.

Segundo Tati Baldoni, hoje ela consegue controlar mais o seu vício alimentar. “[…] Agora eu sei o que é ter um desejo normal, como qualquer outra pessoa tem por comida. Comer um pedaço de bolo ou um chocolate e me sentir satisfeita”, afirma. 

Dúvidas sobre o vício alimentar

O vício alimentar se manifesta inicialmente com o desejo intenso por comida, e pode estar associado à realização de dietas muito restritivas, nas quais o indivíduo se apega ao pensamento que antecipa o consumo do alimento desejado. Abaixo, a Dra. Clara Lapa desmistifica os principais questionamentos sobre o assunto. Confira!

1. O vício em comida é igual ao vício em entorpecentes?

A ingestão repetida de alimentos específicos promove um ciclo de liberação excessiva de dopamina no cérebro, assim como acontece nos receptores opioides quando há consumo de alguma substância entorpecente, então o cérebro registra a sensação e “estimula” o indivíduo a repetir o comportamento. A falta de controle sobre a ingestão do alimento e a manifestação de sintomas de abstinência também podem coincidir com critérios que caracterizam o vício.

O vício em comida ocorre especialmente em pessoas geneticamente suscetíveis (Imagem: Keronn art | Shutterstock)

2. Qualquer pessoa pode se viciar em comida?

O vício só se estabelece em pessoas geneticamente suscetíveis. Pessoas com obesidade que têm comportamentos de descontrole alimentar e consumo excessivo de alimentos têm maior tendência ao vício em comida.

3. Vício em comida é a mesma coisa que compulsão alimentar?

Não. A compulsão alimentar é um transtorno no qual a pessoa come grandes quantidades de alimentos em pouco tempo, e normalmente se sente culpada após o ato. Já no vício em comida, há a fissura, também chamada de craving, em que a pessoa sente uma vontade repentina e incontrolável de comer um alimento específico, como um doce ou fritura; além de sintomas de abstinência ao suspender o consumo do alimento. Ambas as condições têm critérios específicos que precisam ser preenchidos e avaliados por um médico para recebimento do diagnóstico.

4. Que tipos de alimento tendem a ser mais viciantes?

Comidas ricas em sal, açúcar ou gordura e alimentos ultraprocessados em geral tendem a ser mais viciantes. Os níveis de dopamina liberados ao consumi-las são semelhantes aos de substâncias como álcool e nicotina.

5. Existe tratamento para o vício em comida?

Sim. O ato de comer em excesso, sem necessidade de reposição de energia, favorece o ganho de peso e pode levar à obesidade, que aumenta o risco de comorbidades como diabetes, insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral, problemas no fígado, entre outras. Por isso, o tratamento do vício em comida deve ser multifatorial e de longo prazo, com abordagem clínica, atividades físicas, psicoterapia e acompanhamento nutricional.

Ao identificar o comportamento alimentar alterado, é importante buscar ajuda médica, preferencialmente com um médico endocrinologista ou psiquiatra – muitas vezes, os dois atuam juntos. A partir daí, o time médico faz uma avaliação do caso e do histórico do paciente para recomendar a melhor abordagem de tratamento, que será focada no controle dos sintomas com mudanças de hábitos e tratamento terapêutico, se necessário.

Atualmente, existem opções terapêuticas que apresentam melhores desfechos no tratamento do craving (fissura), da fome emocional e do vício alimentar associados à obesidade ou sobrepeso, além de agir no controle da fome fisiológica.

Por Nathália de Angelis

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