A milhares de quilômetros de distância, mas parte importante da vida de várias pessoas. Em pleno 2024, é impossível não conhecer um amante da cultura asiática em território brasileiro. Do outro lado do planeta, eles são conhecidos pela capacidade de encantar. As músicas que enlouquecem a nova geração e as novelas, conhecidas como doramas, que fazem qualquer um se apaixonar. Vários são os motivos, mas engana-se quem pensa que essa história começou agora.
Um continente que chegou com tudo para espalhar o melhor de suas peculiaridades por todo o planeta, sobretudo, no Brasil. No entanto, essa ascensão meteórica teve os primeiros passos dados no século passado. Luiz Felipe Gonçalves de Carvalho, sociólogo e filósofo, explica que a cultura pop asiática chegou no final dos anos 1990 e início da década de 2000 com os populares e queridos animes.
"São animações provindas dos mangás, quadrinhos asiáticos, principalmente japoneses. Os animes têm uma mescla de signos ocidentais (como a própria animação) com símbolos culturais orientais. Dragon Ball Z, por exemplo, um anime muito famoso, traz histórias baseadas nas artes marciais japonesas", lembra o especialista. Durante a infância, é normal que muitos se recordem de personagens como Saint Seiya, Goku e, um pouco depois, o carismático Naruto Uzumaki.
Afinal, esses e tantos outros heróis para várias crianças foram fundamentais na proliferação
da cultura asiática no Brasil, em especial porque algumas produções eram transmitidas na televisão aberta. Após esse período de adaptação e primeiro contato, a internet veio para estabelecer, de vez, essa paixão. "A história se intensifica com a popularização do YouTube, que abriu caminho para o clipe musical fenômeno Gangnam Style, do artista Psy", destaca Luiz Felipe.
De acordo com o sociólogo, o vídeo foi o primeiro a atingir a marca de 1 bilhão de visualizações na plataforma em 2012. O registro marca, também, o início de uma febre mundial: o K-Pop. "As redes sociais, talvez, sejam o principal fator que explica a popularização em terras brasileiras. Elas permitem uma pulverização dos centros culturais mundiais. Isso possibilita que fontes culturais antes marginais tenham meios de popularização", detalha.
Shows e experiências
A primeira experiência de Carmem Torres, 20 anos, com a cultura coreana aconteceu em 2015, quando escutou músicas feitas pelo grupo Bangtan Boys, conhecidos como BTS. A impressão que ficou não lhe causou interesse em continuar explorando esse novo universo. Mas, em 2018, tudo mudou. Foi quando conheceu a banda BLACKPINK que os olhos da publicitária se voltaram, completamente, para o K-pop.
"Sempre fui muito ligada ao pop, então fiquei encantada com a produção musical e visual dos videoclipes, além das histórias dos artistas. Estava passando por uma fase difícil e precisava de alguma coisa pra me animar, então o K-pop me ajudou bastante", acrescenta Carmem. Na pandemia, ela chegou a iniciar um curso de coreano e até aprendeu algumas frases básicas do dia a dia. Começou, ainda, a praticar dança e fazer covers, entrando em aulas de street dance coreano, no 3° ano do ensino médio.
Bem mais que canções e grupos musicais, a jovem investiu tempo de qualidade em outras virtudes relacionadas ao universo coreano. "Gosto bastante de assistir aos programas de variedades da Coreia, eles são divertidos, mas também ensinam muita coisa da cultura, como os costumes e as tradições. Isso me ajuda bastante a entender as diferenças entre brasileiros e coreanos. Eles (coreanos) têm uma ligação muito forte e respeitosa com o país deles, por tudo que aconteceu
na história, e acho isso muito importante e legal de se estudar. Além da dedicação que possuem em absolutamente tudo da vida, desde o começo até o final", completa Carmem.
A gastronomia, claro, também é uma das peculiaridades que ela mais gosta do país. Muito fã de pimenta, as comidas sul-coreanas fazem bem o seu tipo. Adora topokki, um nhoque coreano feito de bolo de arroz cozido e um molho superapimentado, frango frito coreano e bibimbap (um arroz misturado com legumes e carne). Em Brasília, ela ressalta que é um pouco difícil achar comida coreana. Entretanto, tem um carinho enorme pelo Soban, na 111 Sul, onde consegue se deliciar com os pratos típicos.
"Também tem o Yum-Yum na quadra 101 do Sudoeste, onde são servidos as famosas comidas de rua da Coreia. Nos eventos asiáticos, como o K-Festival e o Festival do Japão, também têm algumas opções de comida de rua coreana, como cachorro-quente no palito. Eu sempre estou por esses eventos experimentando tudo", conta a publicitária.
Tanto amor, porém, ainda não foi suficiente para fazer com que Carmem conhecesse o país. Mas, conta que está juntando as finanças necessárias para tornar esse sonho possível. "Essa vontade de conhecer cada ponto turístico da Coreia do Sul, como a Seoul Tower e o Rio Han, vem desde 2020, quando comecei a estudar coreano. Estou juntando dinheiro para que esse sonho se torne realidade o mais rápido possível. Por enquanto, só acompanho influenciadores brasileiros que vivem na Coreia para ver o dia a dia e algumas dicas de como se manter seguro por lá", finaliza.
Febre mundial
O pop coreano surgiu da influência da presença americana na guerra da Coreia, segundo o sociólogo Luiz Felipe Gonçalves de Carvalho. "Os EUA sempre foram interessados em aumentar sua influência na Coreia do Norte e região. Na Guerra Fria, a tensão na região era pela presença do comunismo. Com o fim da USSR, a Coreia do Norte sempre se mostrou desobediente às questões nucleares. Hoje, a tensão é ainda maior com um reavivamento das tensões bipolares da Guerra Fria e tensões militares de fato sob influência russa e chinesa."
Com isso, o K-Pop se tornou uma ponte para outros lugares, já que é palatável ao Ocidente e ao Brasil pela mistura de linguagens já consumidas a nível nacional. Os animes, que já eram febre entre os jovens, se misturaram com a estética pop dos Boy Bands americanos aliados à cultura coreana, só que mais conservadora. Com a música já sedutora por conter a estética pop, os artistas são vendidos como bons e boas meninas em contraste com os roqueiros alternativos dos anos 1990.
De acordo com Luiz Felipe, a importância comercial do K-Pop cresce cada vez mais. "Só em 2022, ele cresceu 36% no Brasil em termos de streaming em plataformas de música. Vale reconhecer que o aumento dessa influência mundial expressa o aumento da influência comercial asiática como um todo no mundo. Esses fenômenos, comércio e cultura, sempre andaram juntos quando o assunto é aumento da hegemonia na geopolítica mundial."
Família no estilo
Mais que uma história de caráter oriental, uma jornada sobre amor e compromisso. Irenice Tominaga, 40 anos, conheceu o marido, Bruno Tominaga, 42, no primeiro ano do ensino médio, em 1999, época em que começaram a namorar. “Foram meus primeiros contatos com a cultura asiática. Meu sogro é filho de japoneses, mas nascido no Brasil. Ele era muito gentil, mas sempre sério. Lembro que a primeira refeição japonesa em família foi ozoni, a sopa da sorte, primeira refeição que deve ser feita no ano novo”, relembra a bancária.
De início, achou o prato estranho e teve bastante dificuldade para comer. “Quase morri para engolir aquelas algas sem passar vergonha”, conta aos risos. Em 2005, os dois se casaram, apenas no civil, já que a ideia era fazer a cerimônia no Japão. No entanto, por erros de documentação, desistiram da ideia. A partir do casamento, a comida oriental se tornou a culinária predileta de Irenice. Aprendendo, também, a cozinhar para a família em casa. Do fruto desse amor, nasceram duas meninas, Ana Clara Simplicio Tominaga, 14, e a caçula, Sophia Simplicio Tominaga, 12.
“Gosto da cultura japonesa, e meu esposo sempre foi nerd, gosta de animes, como Cavaleiros do Zodíaco, e séries do Jiraya e Jaspion, o que me aproximou cada vez mais. Os festivais de cultura japonesa promovidos em Brasília sempre nos trazem um pouco mais. Minhas filhas adoram os tambores japoneses, o matsuri dance, o Bon odori e nós vamos sempre juntos”, completa. Foi assim que a família, por completa, se aproximou do cosplay — uma atividade que consiste na caracterização de personagens de animes, desenhos e filmes. Fantasias essas que ganharam força graças a eventos realizados no Japão.
Com isso, a família começou a participar de vários festivais no Distrito Federal. “O Bruno ficou conhecido em Brasília fazendo o personagem Wong, da Marvel. Deu tão certo que ele já foi premiado várias vezes. Agora, está fazendo também o Dokusai, vilão de Jiraya, como um bom fã do universo Tokusatsu. Eu também faço cosplay às vezes, mas prefiro produzir os trajes, tirar fotos e ficar de staff, carregando as sacolas”, ressalta Irenice.
Segundo Bruno, o que lhe fez gostar e até disputar concursos, é poder interpretar diversos personagens, divulgar as fantasias e interagir com o público em geral. “No meu caso, esse universo me fez conhecer diversos atores, dubladores e cantores que fizeram a minha infância. A emoção de apertar na mão de quem você só via pela TV, de um artista que é do outro lado do planeta, isso não tem como descrever”, destaca o contador.
O hobby virou algo de família. As duas filhas adoram esse universo, não somente das fantasias, mas, também, da moda coreana. Sobrou até para Ionice Bezerra Simplicio, 62, mãe de Irenice, que adora se vestir de a Freira, personagem do filme de terror. Juntos, eles arrasam em festivais, espalhando a cultura geek e oriental por Brasília. “Cosplay é cultura asiática, independentemente do personagem”, acrescenta a bancária.
Universo coreano
Clara Medeiros, 25 anos, é estudante de direito e teve seu primeiro contato com a cultura asiática por meio da culinária japonesa e dos animes exibidos na televisão aberta. A jovem conta que, até então, seu conhecimento sobre o assunto era superficial, mas tudo mudou em 2020, quando se encantou pelo grupo BLACKPINK. “Foi aí que comecei a pesquisar mais sobre o mundo do K-pop, a seguir influencers de outros países, como Coreia do Sul, China e Vietnã, a assistir aos doramas e, ainda, a acompanhar a moda desses lugares”, lembra.
Para Clara, as particularidades de cada país, a valorização da cultura e a criatividade dos produtos culturais produzidos são o que há de mais fascinante nesse universo. “Gosto de como países asiáticos possuem culturas milenares, sempre lembrando do passado, mas também olhando para o futuro”, afirma. “A Ásia é onde estão nascendo as principais tendências de moda e entretenimento, como a onda coreana, chamada de Hallyu”, continua.
Dentro dessa grande febre, os grupos de K-pop BLACKPINK, AESPA, IVE, Twice e BTS são os favoritos da estudante. Além disso, ela conta que, desde que conheceu os doramas, não consegue parar de assisti-los. “Comecei por curiosidade, vendo Apostando Alto, da Netflix, e me emocionei já no primeiro episódio. A partir daí, fui assistindo outros k-dramas e c-dramas, as novelas e séries chinesas”, narra.
Com o crescimento dessa paixão, o mundo da moda e da beleza asiática chamou a atenção de Clara. “Eu me interessei muito pelas maquiagens por acompanhar o mundo do K-pop e dos idols, que usam diversas makes especiais dependendo da música ou da apresentação”, explica.
Nas redes sociais, as influencers do TikTok chinês despertaram o apreço da estudante pelo douyin, estilo de maquiagem criado na Ásia que busca entregar um aspecto mais natural e romântico. “Comecei a me inspirar de maneira adaptada aos nossos traços ocidentais, sempre com cuidado e respeito”, assegura. O estilo de roupas usadas por esses ídolos do K-pop e influenciadores chineses também impacta a estudante, que costuma selecionar peças parecidas para compor o próprio guarda-roupa.
Clara é, ainda, apaixonada pela rica culinária oriental e faz questão de consumir seus pratos preferidos em Brasília. “Minhas comidas favoritas são o sushi do MaYuu, em Águas Claras, e um prato chamado Katsu Kare Don, do restaurante Donburi, na Asa Sul, onde a comida é tradicionalmente japonesa e aquece o coração”, conta. “O meu lugar favorito para comer o famoso cachorro quente coreano é o Yum-Yum, do Sudoeste”, completa.
De olho nas tendências
Entre os grupos de k-pop que mais fazem sucesso atualmente, está o girlgroup NewJeans. Com menos de dois anos de existência, o quinteto já conta com grandes hits como Super Shy, OMG e Ditto — popularizados no TikTok. Com referências nostálgicas à moda e à arte das décadas de 1990 e 2000, o conceito do NewJeans já atraiu fãs de faixas etárias variadas. Ultrapassando limites territoriais, a fama do grupo há muito tempo se expandiu para o ocidente, sendo os números grandiosos nas plataformas de streaming, como o Spotify — uma das principais provas do sucesso comercial.
No mundo dos k-dramas, estreou na sexta-feira da semana passada, o aguardado Hierarchy, que promete muitas emoções. A história se passa em um colégio de elite na Coreia do Sul, o Jooshin High School, onde um grupo de alunos ricaços dominam os corredores. A trama gira em torno da chegada de Kang Ha, uma estudante bolsista que descobre segredos sombrios que ameaçam abalar a hierarquia do lugar. A produção possui sete episódios de, em média, 65 minutos de duração cada, já disponíveis na Netflix.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte