Turismo

Conheça os encantos da Serra da Mantiqueira

Terras mineiras guardam uma variedade de municípios encantadores e famosos pela beleza natural e pela produção de alta qualidade de especiarias como queijos, azeites e cachaças

Trem da Serra da Mantiqueira, em Passa Quatro (MG)
 -  (crédito: ABPF)
Trem da Serra da Mantiqueira, em Passa Quatro (MG) - (crédito: ABPF)

A cerca de 1,1 mil quilômetros de distância de Brasília, uma região de terras altas atrai visitantes que procuram por opções variadas de turismo de experiência, gastronômico e de natureza. A cadeia de montanhas da parte mineira da Serra da Mantiqueira, que se estende ainda pelos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, vem se fidelizando como destino ideal para um público diversos, que vai desde casais que buscam passeios românticos em áreas de frio, passando pelos aventureiros que gostam de explorar a natureza, até famílias interessadas em experimentar a gastronomia típica de um estado reconhecido pela mesa farta.

No inverno, chega-se a fazer menos de 0ºC nos picos mais elevados da região, que engloba 25 municípios mineiros. O aeroporto mais perto é o de Varginha (MG). Partindo de Brasília, há diversas opções de ônibus interestaduais, mas o melhor modo de conhecer a região é de carro, por dar a oportunidade de descobrir municípios encantadores, como Aiuruoca. Mesmo tendo um vasto território, o local abriga uma população pequena, de cerca de 6 mil habitantes, que vivem predominantemente em áreas rurais.

Emoldurado pelo Pico do Papagaio, o município é marcado por cachoeiras e montanhas, e se apresenta para o público como "a terra do queijo prato, do azeite e da cachaça". Também é famoso por abrigar festas típicas durante todo o ano. Um dos destaques é o carnaval antecipado, o mais antigo do Brasil.

"A festa começou depois de uma briga da Igreja Católica com a população. O padre proibiu o carnaval, e o povo, entristecido, pediu para ser comemorado depois da data. O padre negou por causa do início da quaresma, e então decidiu-se fazer a festa uma semana antes. Começamos em 1938 e somos reconhecidos como o primeiro carnaval antecipado do país", diz o secretário municipal de Turismo, Gilberto Furriel.

Mas para quem não é baladeiro, uma opção é a Semana Santa de Aiuruoca, comemorada desde 1717 e tombada como Patrimônio Cultural e Imaterial. A celebração segue com os rituais tradicionais da Igreja Católica, como as missas celebradas inteiramente em latim e música barroca apresentada pela centenária Orquestra e Coral de Aiuruoca.

A sede de Aiuruoca está localizada a 989 metros de altitude, aos pés do Pico do Papagaio, montanha símbolo da cidade. O nome do município vem da união de duas palavras do tupi-guarani: ajuru oca, de uma espécie chamada papagaio-de-peito-roxo. A ave já esteve quase extinta, mas voltou à fauna do município graças ao trabalho de conservação feito na fazenda Campo do Meio.

O economista paulista Nélio Weiss comprou a fazenda em 1993, com o objetivo de tornar o local um refúgio para fins de semana longe da agitação de São Paulo. No entanto, a área estava bastante degradada, principalmente pelas constantes queimadas na região. Nélio começou um trabalho de reflorestamento, que em menos de três décadas resultou em mais de 40 hectares de Mata Atlântica reflorestados do zero.

Atualmente, a área da fazenda chega a 140 hectares, dos quais 18 estão ocupados por oliveiras que produzem um azeite de alta qualidade e com baixa acidez, o Olibi. Mas desde que conheceu a região, algo incomodava Nélio: Aiuruoca não ter mais o animal que lhe nomeou. "O papagaio-do-peito-roxo já não era visto na cidade havia mais de uma década, e meu sonho era um dia poder reintroduzi-lo na natureza."

Com esse sonho, ele procurou o Ibama e fechou um acordo para um projeto de reintrodução de aves na natureza e um mantenedouro científico. Desde 2007, o instituto envia para o local aves que foram retiradas do mercado de contrabando, e lá elas passam por um processo de reabilitação antes de voltar para a natureza. Desde então, eles reintroduziram mais de 4 mil aves. Mas o maior orgulho de Nélio é ter conseguido soltar 28 papagaios-de-peito-roxo de volta no município. "Eles já são vistos na cidade e tiveram filhotes, dando origem a uma nova geração", diz. A Fazenda Campo do Meio oferece visitas guiadas por R$ 40.

Além das aves e festas, Aiuruoca também é famosa pelas belas cachoeiras — são um total de 80, sendo 42 delas indicadas para banho. A mais famosa é a Cachoeira dos Garcia. Localizada a mais de 1,7 mil metros de altitude, a cachoeira tem 30 metros de queda livre e águas cristalinas e bem geladas — como a maioria das cachoeiras da Mantiqueira.

Depois do mergulho e da trilha, os visitantes podem conhecer o Restaurante dos Garcia, comandado pelo casal Ilacir. Pela altitude, os clientes vão aproveitar um friozinho que combina com as surpreendentes lasanhas feitas no local. Para quem gosta de peixes, há diversas opções de pratos com truta, um peixe típico e muito comum em toda região da Mantiqueira

Não deixe de conferir

  • Bar e restaurante Velho Oeste Minas, em Aiuruoca (MG)
    Bar e restaurante Velho Oeste Minas, em Aiuruoca (MG) Pedro Grigori/CB/D.A Press
  • Bar e restaurante Velho Oeste Minas,  em Aiuruoca (MG)
    Bar e restaurante Velho Oeste Minas, em Aiuruoca (MG) Pedro Grigori/CB/D.A Press

Um destaque de Aiuruoca é um empreendimento que soma boa comida com experiências inusitadas: o Velho Oeste Minas, um bar e restaurante que adota a temática "saloon do faroeste". Localizado no meio das montanhas, o local é comandado pela família Lazzarini. Ao chegar ao local, você será recepcionado por um xerife, vestido a caráter, com uma espingarda na mão, que vai questionar o que você busca por aquelas redondezas — é o começo de uma experiência que parece ter saído de um filme de bang-bang.

A entrada é por uma porta típica de saloon. Lá dentro, os bancos do bar são celas de cavalo e as mesas ficam ao lado de um janelão com uma bela vista do alto da serra. Entre as bebidas, uma das mais famosas é a cachaça artesanal — servida em um chifre de boi.

O cardápio de refeições é enxuto, mas muito bem definido. Além das opções típicas com truta, o destaque fica para o arroz carreteiro. Na parte de bebidas, uma indicação é a vasta gama de cervejas locais, com opções feitas com erva-cidreira e frutas vermelhas.

O empreendimento é comandado por quatro membros da família Lazzarini. André, o pai, é o xerife e recebe o público junto da esposa, Liliana, que encarna o papel da mocinha indígena. A equipe é completada pelos irmãos Taj e Mahal — registrados com o nome de uma das sete maravilhas do Mundo Moderno. Mahal é o barman, enquanto Taj é a chef de cozinha.

Para aproveitar o passeio ao máximo, uma dica é entrar na fantasia de faroeste e se imaginar em outra época. E não se assuste se, do nada, um meliante mascarado chegar ao local, já que os proprietários fazem encenações de filmes de bang-bang, e os clientes interessados podem se oferecer para serem escalados.

Os queijos de Minas

Se Minas Gerais é conhecida como a terra do queijo, o município de Alagoa pode ser considerado o epicentro de uma produção focada em iguarias de altíssima qualidade. Localizado no ponto mais elevado das Terras Altas da Mantiqueira, em uma altitude média de 1,1 mil metros, mas com picos de até 2,3 mil metros, a terra abriga apenas 2,7 mil habitantes e mais de 7,5 mil vacas.

A fama da cidade como um point queijeiro é recente. Tudo começou em 2009, com Osvaldo Martins. Para ajudar um produtor local de queijo que enfrentava dificuldades financeiras, Osvaldinho, como é conhecido, abriu uma empresa e começou a oferecer um serviço, até então, inédito: a venda de queijos pela internet.

Assim começou a Queijo D'Alagoa, que nos dois primeiros meses de funcionamento vendeu apenas três peças. No entanto, com clientes satisfeitos e muito marketing boca a boca, a fama do queijo disparou e hoje as encomendas são enviadas para todos os cantos do país — e até para fora.

  • Osvaldinho, proprietário da Queijo D’Alagoa, em Alagoa (MG)
    Osvaldinho, proprietário da Queijo D’Alagoa, em Alagoa (MG) Pedro Grigori/CB/D.A Press
  • Osvaldinho, proprietário da Queijo DAlagoa,  em Alagoa (MG)
    Osvaldinho, proprietário da Queijo DAlagoa, em Alagoa (MG) Fotos: Pedro Grigori/CB/D.A Press

Hoje, Osvaldinho vende queijos de 138 produtores do município, que fazem o produto com a mesma técnica e entregam três toneladas por dia — mais de um quilo por habitante de Alagoa. Carismático, Osvaldinho tornou-se um influencer queijeiro com quase 100 mil seguidores no Instagram. "As vendas estão tão grandes que somos responsáveis por manter uma agência do Correio aberta na cidade."

O sucesso veio pela qualidade dos queijos, que já levaram mais de 50 prêmios nacionais e internacionais. Entre as honrarias, a medalha de ouro no Mundial do Queijo de Araxá, em 2019, e dois prêmios no Mondial du Fromage na França, com prata em 2019 e bronze em 2017.

 
 
 
View this post on Instagram
 
 
 

A post shared by Queijo D’Alagoa-MG ® | Queijos (@queijodalagoamg)

O sabor único do queijo vem da elevada altitude e dos aspectos climáticos da região, o chamado "terroir". A última etapa da produção é o período de maturação, que pode ir de uma semana, nos queijos mais frescos, para mais de dois anos, nas versões nobres. "Alagoa é a terra mais alta da Mantiqueira. Nosso clima chega a fazer -8ºC, e durante todo ano o ar fica arejado. Por isso, o queijo matura ao ar livre, e esse é um dos nossos diferenciais", explica.

Osvaldinho mostra a história da cidade na Rota do Queijo e do Azeite, criada por ele em 2016. Com valor de R$ 180 por pessoa, o passeio começa por volta das 10h na Fazenda Cauré, produtora de azeite, faz parada para almoço no restaurante de Dona Inês, no centro da cidade, e continua no ponto mais alto de Alagoa, na fazenda 2M, um dos produtores do queijo artesanal vendido por Osvaldinho.

A rota termina com uma degustação de queijo — que deve ser experimentado do mais fresco para o mais maturado —, harmonizados com outras delícias da região, como goiabada, geleia de jabuticaba e mel.

Pérola da Serra, em Itanhandu (MG)
Pérola da Serra, em Itanhandu (MG) (foto: Pedro Grigori/CB/D.A Press)

Uma pérola na Mantiqueira

No meio de uma região famosa pelo queijo e com uma população de vacas maior que de seres humanos, uma fazenda em Itanhandu resolveu inovar e embarcar em um desafio: começar uma criação de búfalos na Mantiqueira. O casal Carlos Alberto e Adriana Carvalhos são responsáveis pela fazenda e criaram a marca Pérola da Serra em cima de lágrimas e suor. "Todo mundo chamava a gente de louco", adianta Carlos, que é médico veterinário.

Itanhandu é uma região famosa pelas vacas holandesas e o avô de Carlos era o maior produtor do município. O neto não quis seguir os passos da família e em junho de 2014 recebeu as primeiras búfalas, vindas da Itália e da Índia. A produção começou em 2015, mas enfrentou uma série de dificuldades para deslanchar.

“Quando começaram a dar leite, vimos que aquilo só se chamava leite no nome, porque não dava para fazer queijo. Tentávamos fazer, mas na hora do processo de filar a massa, ela partia, não dava certo”, conta Carlos. Em uma região de queijeiros, a família Carvalhos Cunha começou a receber amigos e vizinhos para tentar fazer o queijo dar certo, mas nada funcionava. O negócio só deslanchou quando o filho do casal, o veterinário Pedro Cunha, partiu para fazer cursos com especialistas italianos, país tradicional pela produção de queijo de búfala.

“Em 2019, fomos premiados no mundial do queijo de Araxá com a nossa burrata. No discurso, fiz questão de falar das noites mal dormidas, lágrimas derramadas e do arrocho financeiro até dar certo”, conta Carlos.

A fazenda recebe visitantes para um passeio guiado para conhecer a produção e os animais — e os visitantes podem até mesmo dar mamadeira para os filhotes. A maior surpresa do roteiro é descobrir o quanto os búfalos são animais serenos. “Nós falamos que as búfalas são um cachorro que dá lucro”, brinca Carlos. Atualmente, são 200 búfalas na fazenda, e cada nova geração recebe nomes com uma mesma inicial. Atualmente, as novas filhotes são da geração M, então há bezerras com nomes como Maiara, Maraísa e Madonna.

Os visitantes podem até mesmo montar em um búfalo, e ao final do passeio encaram um banquete com gostosuras feitas com o leite dos animais. Um destaque é o doce de leite de búfala, que é menos calórico do que o de vaca, além de ter um sabor mais suave: dá vontade de comer o pote todo de uma vez. Após conhecer as delícias feitas com leite de búfala, o visitante tem a oportunidade de comprar os produtos da fazenda, e é muito difícil sair de lá sem levar ao menos uma sacolinha cheia de delícias.

Uma viagem ao passado

Do lado mineiro da divisa do estado com São Paulo fica a cidade de Passa Quatro, com uma população de pouco mais de 15 mil pessoas. O município é cortado pela Estrada de Ferro Minas e Rio, que atualmente conta com apenas um trecho de 10km da antiga ferrovia em funcionamento para um passeio turístico. O roteiro tem início no centro da cidade e segue até a Estação Coronel Fulgêncio, ao lado do Tûnel da Mantiqueira, último ponto antes da divisa com São Paulo.

O passeio de ida e volta na Maria Fumaça custa R$ 90 a meia entrada e é vendido na Estação de Passa Quatro, ponto de partida do passeio. O trem, com dois vagões, conserva o estilo dos ferroviários do século passado, incluindo os apitos, a fumaça e o som característico dos trilhos, que parecem nos transportar para décadas atrás. A viagem é animada por músicos locais — atualmente, o show é comandado por um cantor cover de Roberto Carlos.

O trem faz uma parada na Estação do Manacá, onde os passageiros podem descer para comprar lembrancinhas turísticas, e segue à Estação Coronel Fulgêncio. Ao desembarcar, os visitantes fazem uma curta caminhada até o Túnel da Mantiqueira, que guarda memórias importantes da história brasileira.

O túnel começou a ser perfurado em 1881, e foi inaugurado três anos depois, pela Família Real e pelo imperador Dom Pedro II. Na época, o trecho fazia parte do caminho da antiga estrada real. Décadas depois, o local foi palco de um dos confrontos mais sangrentos da Revolução Constitucionalista de 1932, também conhecida como “Guerra do Café com Leite”.

Na época, o estado de São Paulo se levantou contra o presidente Getúlio Vargas e defendeu a criação de uma nova Constituição para o Brasil. Um dos embates principais da guerra ocorreu em Passa Quatro, quando os paulistas tentaram invadir o território e entraram em confronto com os mineiros dentro do Túnel da Mantiqueira.

“São Paulo descobriu que Getúlio Vargas estaria na divisa e armou um ataque, mas os mineiros já estavam aqui dentro do túnel há muito tempo. Os soldados entraram em confronto lá dentro, e aqui Minas conseguiu virar a revolução a favor de Getúlio”, conta Ana Cristina, guia do IGR das Terras Altas da Mantiqueira.

A guerra e a cidade de Passa Quatro contaram com um personagem que décadas depois construiria a nova capital federal do país. Um jovem médico chamado Juscelino Kubitschek, que atendia os feridos nos hospitais de campanha. Durante o confronto, ele conheceu Benedito Valadres, chefe de polícia de um dos destacamentos militares de Minas, e que anos depois assumiu a interventoria do estado e nomeou Kubitschek como prefeito de Belo Horizonte.

Todo passeio tem duração de 2 horas. Nos trajetos, o trem passa no meio da cidade e a população acena animada para os turistas que passam por lá, como se fossem visitantes vindos de outra época.

*O repórter viajou a convite do Governo de Minas Gerais e da Associação dos Municípios do Circuito das Águas (AMAG)

 


Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 16/06/2024 07:00 / atualizado em 21/06/2024 21:39
x