Os benefícios da amamentação são conhecidos há anos, e ainda continuam alvo de pesquisas. Estudo publicado pela Universidade de Harvard e pelo Hospital Infantil de Boston, há uma década, aponta que bebês amamentados por mais tempo apresentam, ao longo da infância, melhores resultados cognitivos. Outra pesquisa, feita no Brasil e conduzida pela Universidade de Pelotas (RS), mostrou que recém-nascidos amamentados apresentaram um acréscimo no QI.
O estudo brasileiro acompanhou 3,5 mil recém-nascidos durante mais de três décadas e demonstrou que uma criança amamentada por pelo menos um ano obteve, aos 30 anos, quatro pontos a mais de QI e acréscimo de R$ 349 na renda média.
Marta Rocha, médica neonatologista do Hospital Santa Lúcia e diretora da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS), comenta que a pesquisa, iniciada em 1982, é inédita no mundo todo. Foi a primeira a avaliar o impacto do aleitamento materno na renda. Esses benefícios de maiores níveis e de inteligências e melhores rendas são explicados pela presença de ácidos graxos saturados de cadeia longa no leite materno. Eles se mostram essenciais para o desenvolvimento do cérebro.
Existem inúmeros outros estudos que avaliam os diversos benefícios da amamentação para bebês, mães e para a sociedade como um todo. Chamado de ouro líquido, ele é essencial para o nosso desenvolvimento. Dentro de todos os benefícios para a saúde, surge uma prática de saúde usada em bebês prematuros e que precisam de atendimento médico especial ao nascer, é a chamada colostroterapia.
O colostro
- A enfermeira e coordenadora da Unidade Materno Infantil e do Banco de Leite do Hospital Santa Lúcia, Sheila Figueiredo Almeida, explica que o colostro é a primeira fase do leite materno. O início da sua produção acontece ainda na gestação e se perdura até a apojadura, conhecida como a descida do leite, que é quando haverá a transição para o leite maduro.
- Uma das principais características do colostro é que, produzido em pequenas quantidades, é amarelado e viscoso.
A terapia colostral
- Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, a terapia colostral ou colostroterapia é a utilização do colostro com fins diferentes do nutricional. É usada especialmente em recém-nascidos de muito baixo peso e funciona como uma espécie de suplemento imunológico.
- Marta Rocha, médica neonatologista do Hospital Santa Lúcia e diretora da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS), explica que nas unidades neonatais, a oferta do colostro é uma imunoterapia.
- Antes reservada aos bebês abaixo de 32 semanas, por estarem em situação de maior vulnerabilidade, hoje ela é ofertada a todos os bebês que são encaminhados para a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), mesmo que tenham nascido a termo. “Através dessas gotinhas de colostro — afinal o bebê mama apenas alguns mililitros —, conseguimos oferecer fatores imunológicos muito importantes para a saúde deles”, detalha.
Propriedades nutricionais
- O colostro é rico em proteínas protetoras que agem principalmente contra infecções, além de ter sódio, potássio, cloro, vitaminas lipossolúveis, indispensáveis para bebês prematuros, mais suscetíveis a infecções pela imaturidade imunológica. “É considerado a primeira vacina do bebê, por possuir anticorpos que são passados da mãe para o filho”, comenta Sheila.
- O colostro também tem grande concentração de substâncias como imunoglobulina e lactoferrina, além de vitamina A, E, C, B12, ácido fólico e biotina.
Os benefícios
- O Ministério da Saúde elenca melhora no ganho de peso, diminuição de colonização por bactérias, aumento da absorção de fatores imunes, ação prebiótica e anti-inflamatória, estimulação do crescimento e reconstituição intestinal.
- Bebês que têm acesso ao leite materno apresentam menos chances de desenvolver enterocolite necrosante, condição comum em prematuros extremos, têm menos infecções e costumam ter o tempo de internação diminuído.
- Marta acrescenta ainda os benefícios para a mãe. Ao extrair o leite, a mulher libera ocitocina, considerado o hormônio da felicidade. A ordenha feita dentro da UTIN garante ainda que a mãe esteja próxima do bebê, diminuindo os riscos de episódios depressivos. “A presença da mãe dentro da unidade é fundamental. Ela deve poder tocar o bebê, sentir seu cheiro. Isso aumenta o vínculo entre mãe e filho, favorece a amamentação e oferece conforto aos dois. Já é comprovado que essa presença ajuda na recuperação”, acrescenta Marta.
A oferta
- Os bebês que nascem antes de 34 semanas ainda não podem ser levados ao seio para mamar, pois o reflexo de sucção e deglutição ainda não está bem desenvolvido. Mesmo que consiga fazer a sucção, o risco de aspiração é maior, sendo um risco. Outro ponto considerado é o gasto calórico envolvido na mamada — essa é a atividade de maior intensidade feita pelo recém-nascido e, muitas vezes, o volume consumido não é o bastante para compensar o gasto calórico, o que pode causar perda de peso.
- Existem também os que têm alguma condição de saúde que não permita a alimentação via oral. Nesses casos, a nutrição costuma ser oferecida por meio de sondas nasogástricas. Aos que podem, também existe a opção da seringa e do copinho.
- “Mesmo para os que ainda não podem ser amamentados, há muitos benefícios. De acordo com o Ministério da Saúde, somente o contato do colostro com a mucosa do bebê já é capaz de proporcionar a colonização de bactérias saudáveis, que irão protegê-lo”, comenta Sheila.
- Para garantir que o colostro mantenha o máximo de suas propriedades, Marta afirma que o ideal é que a ordenha do leite seja feita pela mãe à beira do leito do bebê. Quando não for possível, ela retira no banco de leite, e ele é congelado e reaquecido na hora da dieta.
- “O melhor é sempre o leite cru, ofertado assim que é ordenhado. Caso não seja possível, fazemos a opção pasteurizada, na qual ele é congelado e reaquecido. Cada mãe produz um leite personalizado para seu bebê”, explica.
- Quando a mãe, por algum motivo, não estiver produzindo o colostro ou não puder fazer a ordenha, pode — e deve — usar o leite doado nos postos de coleta. Em último caso, é introduzida a fórmula.
- Segundo a médica, o colostro costuma durar sete dias, mas mães de prematuros podem continuar produzindo o leite mais robusto durante mais tempo. “O corpo da mãe compreende que o bebê veio antes e pode continuar produzindo o colostro por até 30 dias enquanto ele funciona como um imunomodelador”, completa.
Saiba Mais
PALAVRA DO ESPECIALISTA
Quanto tempo o leite costuma demorar para descer após o parto? Existe diferença no parto prematuro?
Normalmente, o leite desce do terceiro ao quinto dia após o parto. A prematuridade não costuma ser um problema, uma vez que, ao entrar de trabalho parto, mesmo que antes, o corpo entende que o bebê nasceu. O que pode ser um problema é a cesárea eletiva, sem o início natural do trabalho de parto. Nesses casos, o corpo pode demorar um pouco a entender que está na hora de começar a produzir.
O que pode ser feito para estimular a produção de leite?
No caso dos bebês que estão na UTIN, que nasceram prematuros, normalmente em cesáreas de emergência, já começamos os estímulos na mãe imediatamente. Iniciamos com massagem nos seios, momento nos quais os pais podem ajudar. A ordenha também é feita assim que a mãe é liberada pelo médico. Mesmo quando a produção é reduzida, a mãe não deve desanimar, cada gota é preciosa. Também é muito importante avaliar a saúde mental dessa mãe, garantir que ela esteja bem para produzir o leite. A ansiedade, a depressão, o medo, o estresse, tudo isso pode inibir a produção, e esses sentimentos são comuns em mães que têm bebês em uma UTIN.
Shirley da Silva Maciel é enfermeira especialista em aleitamento materno e enfermeira do posto de coleta do Hospital Santa Helena
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