Comportamento

Momento sagrado: tempo de oração e reflexão

Seja no cristianismo, com a Quaresma, seja no Islamismo, com o Ramadã, os primeiros meses do ano são marcados por intensas atividades nas duas religiões

Durante os primeiros meses do ano, algumas religiões realizam celebrações especiais. Na religião cristã, a Quaresma é seguida por milhões de fiéis ao redor do mundo. Já na islâmica, as práticas do Ramadã são celebradas por cerca de um bilhão de muçulmanos. Em ambos os casos, a fé e a devoção estão presentes, mostrando a força das práticas na rotina dos indivíduos e as transformações geradas.

"A ideia de privação da carne para fortalecer o espírito é comum em muitas religiosidades, de diferentes culturas, do islamismo, que estabelece o Ramadã, ao candomblé", explica o professor e historiador André Moura. De acordo com ele, a carne representa o que é terreno, incluindo pecados e tentações, enquanto a ideia de alimentar o espírito com reflexões e orações faz alusão a uma conexão mais próxima com o sagrado. "Cabe ressaltar que, em outras vertentes do cristianismo, diferentes tipos de jejum estão conciliados com a prática religiosa", completa.

Neste ano, a Quaresma começou em 14 de fevereiro, na quarta-feira de cinzas, e durou até 24 de março, no Domingo de Ramos. Os 40 dias são definidos a partir do fim do carnaval, variando a cada ano. Já o Ramadã, este ano, ocorre de 10 de março a 9 de abril — a data varia conforme a mudança da lua.

Quaresma

No calendário cristão, a Quaresma é um período muito importante para os fiéis, sendo comum a prática de jejuns, orações e doações. "O período da Quaresma no catolicismo é uma referência ao momento da narrativa bíblica em que Jesus Cristo fica em jejum, no deserto, durante 40 dias, passando por provações e tentações", explica André Moura. "Essas privações a que os fiéis podem se submeter é também uma forma empática de se aproximar do sofrimento de Cristo", completa.

Promessas e abstinências praticadas por alguns nesse período são fruto dessa tradição. Esse é o caso da Luana Modesto, 49. A professora da rede pública cortou o glúten e a carne da alimentação durante esses 40 dias e, na última semana, também o açúcar. "Como sempre faço nesse período, estou cuidando também do meu pensamento, das minhas palavras e ações", explica.

"Para mim, não é uma coisa tão religiosa, é mais para me religar a mim mesma e trabalhar internamente", afirma. Durante a Quaresma deste ano, Luana também está meditando todos os dias. "Quando medito pela manhã, eu fico um pouco mais alerta, durante o dia, para as coisas que eu me propus a fazer", finaliza Luana.

Olivia Snow/ Unsplash - Quaresma cristã

Ramadã

No período do Ramadã, que se refere ao nono mês do ano islâmico, regido pelo caléndario lunar, as práticas religiosas e de reflexão são intesificadas. "É um período importante na medida em que há prática redobrada de orações, no sentido de aproximação com o criador e, ao mesmo tempo, a multiplicação de caridades", explica Ali Zoghbi, vice-presidente da Fambras (Federação das Associações Muçulmanas do Brasil). Além disso, esse momento é de muita aproximação entre a família e a comunidade, que se juntam durante as refeições ou para fazer orações.

Muito conhecido, o jejum do Ramadã é praticado pelos adeptos da religião. "Neste mês, Deus determinou aos muçulmanos que jejuassem da aurora até o pôr do sol, abstendo-se da ingestão de qualquer tipo de alimento e líquidos, e de relações com cônjuge", explica o historiador, cientista social e especialista na teologia islâmica Sheikh Jihad Hammadeh.

Segundo ele, esse período é de elevação física e espiritual. "Eu sempre procuro fazer as orações diárias e o jejum da melhor forma possível." A rotina de Jihad, durante esse período, é carregada de práticas e reflexões. "Acordo cedo para me alimentar e beber água, me preparando para o jejum. Depois, vou trabalhar e, no final do dia, quebro o jejum com a minha família", detalha.

Segundo Ali Zoghbi, nesse período, com as práticas de jejum, é possível sensibilizar o lado da compaixão e exercitar a paciência. Ele explica, porém, que apenas os muçulmanos com boas condições de saúde seguem o Ramadã. "A preservação da vida e da integridade física se opõe a qualquer liturgia dentro do islã", explica Ali. Então, grávidas, enfermos, crianças e todas as outras pessoas que não conseguirem praticar podem substituir por um prato de comida.

O estudante Bruno Venturelli, 21 anos, é adepto do islamismo e segue as práticas do Ramadã. "A minha história com o islã se iniciou junto com os meus estudos das ciências humanas e sociais. O processo de reversão veio em outubro de 2022", conta. Segundo Bruno, esta época é a mais importante para a comunidade islâmica. "É um período de renovação de 'iman', fé em árabe, e um momento de aproximação com Deus", completa.

Durante o Ramadã, Bruno faz as cinco orações tradicionais. "A rotina religiosa é a mesma, com cinco orações: Fajr, Dhuhr, Asr, Maghrib e Isha'a", explica. Elas são feitas ao nascer do sol, no meio dia, no meio da tarde, durante o pôr do sol e à noite. Além disso, o jovem faz estudos e leituras do Quran, o Alcorão.

Neste ano, as práticas e reflexões da maioria das comunidades muçulmanas estão voltadas para as guerras pelo mundo e pela solidariedade aos atingidos. "Eu vejo, neste mês, a importância da oração por aqueles que enfrentam dificuldades na vida, como nossos irmãos palestinos em Gaza", completa Bruno. As orações também são direcionadas a outros conflitos.

Divulgação/Fambras - O período do Ramadã une e fortalece a comunidade de muçulmanos.

Desinformação

Dentro da religião muçulmana, existem ainda muitos mitos e inverdades. Segundo o vice-presidente da Fambras, Ali Zoghbi, há uma desinformação absoluta, e o conhecimento é uma ferramenta crucial para mudar a situação. "Depois de alguns acontecimentos políticos, muitas pessoas colocam o rótulo de terrorismo, mesmo que não tenha sentido esse elo", ressalta Ali. "Isso é incompatível com o que a religião prega", completa. Assim, o Fambrass atua levando conhecimento, por meio de cursos, e quebrando estereótipos relacionados ao islã.

O influenciador digital Sheikh Jihad Hammadeh também cita que a falta de leitura e de fontes confiáveis  afetam essa situação. "Acabam, muitas vezes, criando uma imagem deturpada da religião, do mês e do jejum. As pessoas não ficam sabendo qual é o real intuito", explica.

 *Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

Mais Lidas

Aaron Burden/ Unsplash - A bíblia sagrada
Divulgação/Fambras - O período do Ramadã une e fortalece a comunidade de muçulmanos.
Olivia Snow/ Unsplash - Quaresma cristã