Lesões físicas, abandono, desnutrição, condições de higiene precárias. Todos esses são exemplos de maus-tratos contra os animais. Mais comuns do que se imagina, essas ações são consideradas crimes, podendo resultar em dois a cinco anos de prisão e pagamento de multa. É pensando nisso que, neste mês, ocorre o Abril Laranja, campanha dedicada à conscientização e ao combate à crueldade animal. “A crueldade envolve o tratamento implacável ou desumano de animais, sejam eles de estimação, de carga, de fazenda ou mesmo selvagens”, explica a médica veterinária Monique Rodrigues, CEO e fundadora da franquia Clinicão.
Os traumas decorrentes de maus-tratos podem ter efeitos importantes no comportamento dos animais. “Assim como acontece com os humanos, os animais também podem sofrer emocionalmente e demonstrar mudanças no comportamento pós-trauma”, afirma Monique. “Alguns exemplos que podemos apontar são o medo intenso e a ansiedade, comportamentos mais agressivos ou defensivos, isolamento social, problemas na saúde mental e/ou física e comportamentos destrutivos e autodestrutivos, como arrancar ou mastigar os próprios pelos, lamber-se excessivamente e, em casos graves, ferir-se deliberadamente”, enumera a veterinária. De acordo com ela, outro exemplo notório é a falta de confiança na relação com os humanos.
Mônica Torres, 45, é tutora de dois gatinhos resgatados de situação de abandono, Lisa e Bart, de 7 anos. Ela conta que adotou os dois no Clube do Gato, uma ONG que atua na proteção de bichanos abandonados no DF. “Como já haviam sido resgatados pelo Clube, eles vieram mais tranquilos. No entanto, até hoje, eles têm pânico de carro, principalmente a Lisa. Acho que se lembram quando foram colocados em um veículo e abandonados”, narra. “É nítido quando temos que levá-los ao veterinário, ela se desespera no carro. Infelizmente é um trauma que não conseguimos tratar, então não costumamos sair com eles de carro.”
Saúde física
Além dos traumas emocionais, os maus-tratos podem deixar uma série de consequências físicas aos bichinhos. “Eles costumam sofrer lesões variadas, como ferimentos, fraturas e contusões”, descreve Monique. Quando se fala de casos de falta de cuidados, como alimentação insuficiente ou inadequada, é comum que os animais tenham quadros de desnutrição e magreza extrema, ficando mais debilitados.
Os danos psicológicos também podem acarretar problemas físicos. “Com o estresse prolongado causado por maus-tratos, há chance de afetar o sistema imunológico, tornando-os mais suscetíveis a doenças e infecções”, alerta a veterinária. “Em casos mais extremos, negligência, falta de cuidados médicos e exposição a condições inadequadas podem levar, inclusive, à morte”, conclui.
Recuperação e tratamento
Animais resgatados de situações de maus-tratos requerem cuidados especiais para a recuperação e o bem-estar. “Atendimentos médicos veterinários são fundamentais para uma análise da saúde geral, tratamento de ferimentos, infecções, doenças e administração de medicamentos, conforme a necessidade”, orienta Monique. Segundo a médica, em casos de recuperações físicas, exercícios, fisioterapia e fortalecimento muscular são essenciais para a reabilitação da saúde e da mobilidade.
“Outro fator importante é a presença de ambientes adequados e limpos, o que inclui camas macias e áreas de descanso. Não é aconselhável mantê-los em correntes e em locais restritos, já que precisam de espaço para se movimentarem e explorarem o local”, alerta. Para a veterinária, quando se fala de problemas de socialização e perda de confiança, a paciência, o amor e a interação positiva são aspectos fundamentais para proporcionar mais segurança para os animaizinhos. “Também é válido ressaltar que cada animal é único, e que o tratamento deve ser adequado e adaptado às suas necessidades específicas”, assegura.
Reconstruindo a vida
Adotar um animal com histórico de maus-tratos é uma grande responsabilidade. Para fazer isso da melhor forma possível, é essencial que os adotantes ou cuidadores sejam educados sobre as necessidades específicas do animal resgatado. “Isso inclui cuidados médicos constantes, alimentação adequada, atenção emocional, amor e paciência”, detalha Monique. “Por isso, antes de adotar, deve-se analisar vários fatores, como estilo de vida, tempo disponível, além de condições financeiras, ambiente e espaço a ser proporcionado”, continua.
Embora seja um processo complexo e muitas vezes demorado, há inúmeros casos de sucesso em que animais resgatados de situações de maus-tratos conseguiram se recuperar completamente e ter nova oportunidade de viver uma vida feliz e normal. A vira-lata Cacau é um desses exemplos. Seu tutor, Leonardo Minardi, 30 anos, é bacharel em direito e conta que a sua história com a cadelinha começou em outubro de 2022, quando a encontrou em uma feira de adoção. “De acordo com a responsável pelo evento, eles tinham acabado de encontrá-la, abandonada e machucada pela região”, relata. Leonardo conta que se prontificou a adotar e a levar a pequena ao veterinário, onde foi dado início às consultas e ao tratamento.
Saiba Mais
“Quando adotamos a Cacau, nós fizemos o processo de vermifugação, além de darmos todas as vacinas necessárias para raiva e demais doenças. Também usamos uma pomada medicinal recomendada pelo veterinário, que foi aplicada em áreas com machucados, lesões e cortes”, lembra.
Leonardo narra que, no início, a cachorrinha era bastante tímida. “Ela ficava meio escondida nos lugares, não brincava e corria muito. A gente desconfia da crueldade não só pelas marcas que ela tinha, mas também por esse perfil mais quieto”, afirma. Com o tempo e o cuidado, Cacau passou a se soltar mais e perdeu o medo e a desconfiança que tinha de pessoas. “Agora, sempre que alguém chega lá em casa, ela pula na pessoa, faz festa. Quando levamos para passear, ela quer brincar com todo mundo também. Hoje, ela é uma cachorrinha extremamente enérgica e saudável”, assegura Leonardo.
O que diz a lei
Crueldade animal é crime e, desde 2020, com a alteração da Lei nº 9.605, a pena para quem maltrata cães e gatos aumentou. Desde então, esse crime é punido com dois a cinco anos de reclusão, multa e proibição da guarda. Caso o crime resulte na morte do animal, a pena pode ser aumentada em um terço. "A sociedade como um todo deve ser conscientizada sobre a importância de denunciar casos de maus-tratos e da valorização de organizações de resgate", afirma Monique Rodrigues.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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