O pôr do Sol marca o fim de mais um dia e, geralmente, é acompanhado por uma onda de sensações, como alívio, cansaço e vontade de descansar. Porém, para pessoas com alguma doença neurodegenerativa, o entardecer pode ser acompanhado por confusão mental e mudanças de humor, transformando-se no momento mais turbulento do dia.
Essa perturbação mental desencadeada no fim do dia e começo da noite é o que especialistas chamam de síndrome do pôr do Sol. "É um distúrbio neurocomportamental complexo que ocorre em pacientes com demência, caracterizado pela presença de sintomas neuropsiquiátricos no período vespertino e início da noite", explica a neurologista Vanessa Gil.
De acordo com ela, fatores fisiológicos, psicológicos e ambientais podem influenciar a síndrome. O ambiente e a rotina do paciente desempenham um papel fundamental no aparecimento de sintomas. "Mudanças na rotina, estresse ou atividades inadequadas durante o dia podem contribuir para a exacerbação dos sintomas à noite", explica a médica.
Sintomas
Muito comum em pacientes de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer, a síndrome do pôr do sol não é uma enfermidade e sim uma condição caracterizada pelo aparecimento, ou intensificação, de sintomas que incluem agitação, confusão, ansiedade, delírios e dificuldade para dormir. “Os mais comuns são irritabilidade, comportamento noturno, agressividade, alucinações, agitação psicomotora e apatia”, completa a neurologista Vanessa Gil.
Causas
De acordo com o neurologista Marco Aurélio, apesar das causas da síndrome ainda não serem totalmente compreendidas, alguns fatores podem levar ao aparecimento dos sintomas, como mudanças na rotina, baixa produção de melatonina, cansaço e estresse. “A transição do dia para a noite pode ser um momento de mudança na rotina, causando desconforto e agitação”, diz.
Segundo ele, em pessoas com demência, danos nas áreas do cérebro, responsáveis pela regulação do humor e do comportamento, podem contribuir para o aparecimento dos sintomas. “O acúmulo de fadiga ao longo do dia, juntamente com a desorientação causada pela demência, pode levar a um aumento da agitação e da confusão à medida que o dia chega ao fim.”
Além disso, o ciclo circadiano tem influência na condição. “Os ritmos circadianos, que são os ciclos naturais do corpo ao longo de um período aproximado de 24 horas, podem ser interrompidos em pessoas com demência. Isso pode levar a uma confusão entre o dia e a noite, causando agitação e irritabilidade no fim do dia”, declara Marco.
O ciclo circadiano, conhecido como relógio biológico, é guiado por diferentes estímulos ao longo do dia que incentivam a liberação de hormônios e prepara o corpo para certas atividades. É a partir da luz solar que o organismo entende que é necessário estar acordado e, portanto, produzir hormônios como a serotonina. Já a falta de luz comunica a necessidade de repouso e produção de melatonina.
De acordo com Marco Aurélio, a exposição reduzida à luz solar de pessoas idosas durante o dia pode confundir o ritmo natural do corpo, contribuindo para a agitação à noite. “A luz solar desempenha um papel importante na regulação dos ritmos circadianos e na produção de melatonina, hormônio que ajuda a regular o ciclo sono-vigília”, afirma.
Prevenção
Apesar de a síndrome não ter cura, algumas medidas para controlar os sintomas podem ser adotadas pelos familiares e pelos cuidadores dos pacientes. “Estratégias não farmacológicas, como estímulo para atividade física, musicoterapia e adaptação do ambiente do paciente, podem ajudar a amenizar os sintomas”, diz Vanessa Gil.
De acordo com Marco Aurélio, é importante manter uma rotina regular para reduzir a ansiedade e a confusão. “Tente manter uma rotina consistente, com horários regulares para refeições, atividades e descanso.” Ele aconselha, também, evitar estímulos estressantes durante a tarde e a noite, como televisão, luzes e barulhos.
Outra dica importante é incentivar o paciente a passar um tempo ao ar livre ou perto de janelas para receber luz natural, ajudando a regular os ciclos circadianos. Além disso, criar um ambiente confortável e propício ao sono auxiliará na regulação do indivíduo. “Com temperatura agradável, colchão confortável e cortinas ou persianas para bloquear a luz excessiva” recomenda o médico.
Por fim, o neurologista aconselha consultar um profissional da saúde especialista em quadros de demência caso a síndrome esteja causando problemas significativos. “Eles podem oferecer conselhos adicionais e, se necessário, prescrever medicamentos para ajudar a controlar os sintomas.”
Saiba Mais
Palavra do especialista
Como os familiares e os cuidadores podem lidar com pacientes que tenham essa síndrome?
Por meio da utilização de estratégias não farmacológicas, além dos inúmeros recursos medicamentosos. A obtenção de conhecimento sobre a condição e a participação em grupos de apoio também são importantes para buscar orientação médica e psicológica para os cuidadores e os pacientes, para lidar com os desafios associados a essa síndrome.
Qual é a relação da síndrome do pôr do sol com o ciclo circadiano?
A síndrome do pôr do sol está relacionada ao ciclo circadiano devido à sua manifestação no final da tarde e início da noite, momentos em que ocorrem alterações no núcleo supraquiasmático e na produção de melatonina.
Qual é o grupo de pessoas mais comumente afetado por essa condição?
A síndrome do pôr do sol afeta, principalmente, pacientes com demência, especialmente aqueles com doença de Alzheimer. No entanto, também pode ocorrer em idosos com cognição intacta, embora com menor prevalência.
Qual é a faixa etária mais comum dos pacientes afetados?
É a de idosos, geralmente com idade avançada, porem há estudos que apresentam um maior relevância em pacientes do sexo feminino com demência.
Em casos de pessoas não diagnosticadas com algum quadro de demência, o aparecimento dos sintomas da síndrome do pôr do sol pode ser um indício de uma possível doença neurodegenerativa?
Sim, essencialmente doenças que afetam a cognição. Isso é uma neurodegeneração, como o defict cognitivo leve.
Vanessa Gil é médica neurologista e professora universitária
*Estagiária sob a supervisão
de Sibele Negromonte
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