Cidade Nossa

Voo rumo ao futuro: transformando Brasília para novos anos

Pensar como a vida estará daqui para frente é natural. Mais do que refletir, é colocar em prática essas ideias, em especial para as pessoas acima de 60 anos. Na capital do país, para Graça Ramos, há muito a se fazer

REV-1404-CRONICA -  (crédito: Maurenilson Freire)
REV-1404-CRONICA - (crédito: Maurenilson Freire)

Por — Graça Ramos/Especial para o Correio

Logo após o convite para escrever neste espaço antes ocupado por Paulo Pestana, recebi fotografia do senhor Barbosa, que conserta ar-condicionado. Ele estava de carona em uma... imaginem só... asa-delta. Pouco mais jovem que eu, parecia feliz. A imagem trouxe o tema. Lembrei-me do quanto solitariamente triste é a velhice de tantas pessoas em Brasília, cidade de rarefeitos espaços públicos destinados ao comunitário, em especial para quem já passou dos 60.

Voltei à ideia acalentada há tempos. Dizem-me ser delírio. Vejamos: se, nos anos iniciais da capital, vivenciamos inéditas experiências de educação pública, aos 64 anos, a cidade precisa encarar o desafio de pensar e agir de olho na inversão da pirâmide etária. Envelhecemos. Mudaram nossos corpos, o individual e o urbano, e os modos de usá-los também. Não pretendo que viremos adeptos da asa-delta. Na juventude, fiz voo desses, com o surfista Pepe. Irrepetível, tamanha a adrenalina dispendida. Anseio por recursos que impeçam a decrepitude, da cidade e nossa.

O Plano Piloto foi concebido com jardins de infância, escolas classes, escolas parque e bibliotecas. Fundamentais para gerações. Em 10 anos, no Distrito Federal, as pessoas acima de 60 anos estarão em número maior do que a faixa entre 0 e 14 anos. Diante da projeção, sonho que a cidade começará a transformar parte dessa infraestrutura em centros comunitários focados nos idosos. Locais permissivos a outras gerações e reproduzíveis nas demais regiões administrativas.

Imagino espaços vitais, de ensinamentos e trocas. Como existentes na Espanha e no Canadá. Ambientes onde se pode cantar, sambar, aprender novas tecnologias, descobrir a cerâmica, fazer teatro, conviver com o muito diferente, comer poesia e enganar, com alegria, a solidão. A 508 Sul funcionou assim, orientada para jovens.

Originada do latim veclus, a palavra velhice e a condição associada assustam muita gente, a ponto de a terem romantizado como "melhor idade". Nascida no ano de Brasília, aceito-as. Aconchega-me a sabedoria do neto de seis anos: sou velha, e a bisavó "velhinha". Conto-lhe da palavra anciã. Ele prefere velhinha porque é igual à velinha de aniversário. Adorável astúcia linguística.

Resisto a entender a velhice como senectude, descambação, inércia, rota para pobreza afetiva, estado de sofrido isolamento. Também detesto escutar ser Brasília ultraje à utopia. Talvez a criação de centros comunitários possa ser um caminho para transformar visões e nos preparar para futuros mais complexos.

Em Palácios do povo: políticas para uma sociedade mais igualitária (tradução literal), Eric Klinenberg garante que sociedades democráticas dependerão muito dos espaços compartilhados. Neles, vínculos afetivos são formados, negociações se estabelecem, o coletivo sai fortalecido. Os argumento  convenceram-me a estar na página já ocupada por um mestre da crônica, também articulador político, a quem gostaria de ter perguntado: "Pestana, qual futuro Brasília escolherá?". Na impossibilidade, transfiro a indagação a quem, generosamente, me lê.

P.S. Quando o Barbosa não for localizado, imaginá-lo-ei a bordo de uma asa-delta!

Graça Ramos é jornalista, doutora em história da arte, Graça Ramos é autora de O apagamento de Volpi: presença em Brasília (Tema editorial, 2023).

Graça Prado, jornalista e cronista
Graça Ramos, jornalista e cronista (foto: Arquivo pessoal)

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postado em 14/04/2024 10:00
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