Desde a pandemia houve um aumento de contas, nas redes sociais, de influenciadores da área fitness, que compartilham dietas, rotinas de treino e hábitos para adquirir uma vida saudável. Apesar de terem como objetivo influenciar positivamente as pessoas a adotarem hábitos mais saudáveis, para especialistas, esse fenômeno reafirma padrões estéticos e pode por criar realidades irreais que geram comparações.
São diversos os influencers que compartilham diariamente a rotina saudável, acordando às 5 horas da manhã, tomando shots saudáveis, fazendo fotos das refeições, vídeos de treinos, aeróbico no final do dia e até caderninho da gratidão quando acordam. Pode parecer motivador, mas, depois de um tempo, essa rotina ideal começa a gerar comparações com a vida real das pessoas que acompanham os perfis.
A maioria das pessoas tem diversas outras demandas no dia a dia, como estudos, trabalhos e família, ou vivem realidades completamente diferentes das de muitos influenciadores, e não contam com disponibilidade de tempo e até de renda para seguirem essas rotinas. “A desmotivação ocorre quando o perfil se mostra muito distante da realidade, ou seja, horas e horas voltadas para academia, estética, cirurgias, alimentação muito restrita”, afirma a psicóloga Elen Alves dos Santos (@elen.a.santos).
Para o nutricionista esportivo comportamental Victor Hugo, a busca pelo corpo perfeito, baseado em padrões construídos socialmente, é o que acaba por motivar a maioria das pessoas a seguirem esses perfis, e é o que muitos influenciadores têm como objeto de ostentação. “Normalmente, eles sempre expõem muito o abdômen, o corpo, o silicone, e isso traz aquele sentimento de querer ser igual”, afirma.
Essa busca por padrões acaba por levar as pessoas a acharem que a receita milagrosa para o corpo que desejam são os hábitos, a dieta e a rotina das pessoas que elas seguem na internet. O problema, contudo, é que a internet não representa a realidade; na verdade, é só um recorte da vida desses indivíduos, que escolhem o que querem ou não compartilhar. “Não tem como a gente ter certeza de que aquilo aí que a pessoa faz em relação à alimentação, ao treino, seja de fato o que ela faz na vida real”, alerta Victor.
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Cuidados físicos
Em busca de atingir objetivos e padrões muitas vezes irreais impostos pela sociedade, muitas pessoas acabam por reproduzir o que é compartilhado nas redes. Porém, copiar treinos e dietas de outras pessoas pode ter sérias consequências, ainda mais quando aplicadas em realidades diferentes. “Se um indivíduo sedentário copia o treino de um influencer provavelmente avançado, ele não estará preparado o bastante, podendo gerar graves lesões”, conta o personal trainer Lucas Dias.
Segundo ele, seguir dietas e treinos sem nenhum tipo de acompanhamento profissional, somente tendo os influenciadores como parâmetros, pode gerar dores, perda de massa muscular, compulsão alimentar e déficit de minerais e vitaminas. Para o nutricionista Victor Hugo, uma das piores consequências de seguir uma dieta de outra pessoa é a desconexão com si próprio e o que isso pode gerar. “Ela não se conecta com ela mesma, não se conhece, não sabe nem o que gosta de comer, porque fica tentando comer o que as outras pessoas dizem”, explica.
Além de não conseguir os resultados esperados, seguir aquilo que está na internet sem conhecimento prévio desestimula a pessoa a seguir hábitos mais saudáveis. Para Victor, o desistímulo ocorre, justamente, por tentar fazer mudanças baseando-se nos atos de outra pessoa, sem respeitar o processo pessoal. “A gente tenta mudar do jeito que uma outra pessoa mostrou, e não conseguimos adotar a mesma mudança de hábito da noite para o dia. Assim, acabamos abandonando a tentativa”, afirma. “A pessoa não aprende a valorizar o processo de mudança quando ela se baseia na influência.”
Distúrbios alimentares
Para a psicóloga Elen Alves, essa onda de comparações pode levar ao surgimento de transtornos psiquiátricos, principalmente os alimentares, como anorexia e bulimia. “A pessoa começa a restringir totalmente a alimentação para chegar nesse padrão”, explica.
Segundo ela, o público mais atingido os jovens e adolescentes, por ser um período em que o indivíduo procura figuras de identificação e em que ele está mais vulnerável a essas influências. “Quanto mais na adolescência vai sendo colocado esses padrões, mais o adolescente vai sofrer, porque é algo irreal de ser alcançado”, afirma Elen. “Adotar padrões irreais é um desrespeito à própria singularidade humana. Quanto maior a comparação, maiores as chances de um adoecimento emocional”, alerta.
Raiane Wentz, 27 anos, acompanhava a rotina de muitos influenciadores fitness, porém, depois de ter filhos, começou a se sentir pressionada e a se comparar com as rotinas irreais de academia, dietas e com o conteúdo propagado pelas pessoas que acompanhava. “Via muitas influencers romantizando aquele momento, mulheres com corpos inacreditáveis pós-parto, dietas restritivas e cirurgia plástica”, conta ela.
Quando começou a sentir que os conteúdos pararam de fazer sentido e passaram a desmotivar e causar comparação, Raiane parou de seguir esses perfis e, hoje, prefere acompanhar quem fala sobre aceitação do próprio corpo e cuidados com a saúde. “Gosto de pessoas que tentam mostrar mais realidade do que cortes extremamente montados", afirma ela. “Consumindo esse tipo de conteúdo me sinto mais motivada.”
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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