Crescer com irmãos é, para muitos, a oportunidade de compartilhar semelhanças físicas, afetos, confidências e frustrações familiares. Alguns dividem o ventre; outros partilham quartos, roupas e brinquedos. Tem irmão que é mãe, pai, melhor amigo ou apenas um conhecido. E há, ainda, aqueles que são fonte de inspiração, motivos para comparação, orgulho e até decepção.
Ruth e Raquel, da novela Mulheres de Areia; Loki e Thor, do filme Os Vingadores; e Monica e Ross, da série Friends, são apenas alguns exemplos dessa relação, ora de cumplicidade, ora de inimizade. Fora das telas, também há vínculos notáveis entre irmãos: Sandy e Junior, as irmãs Kardashian, os irmãos Grimm e as inúmeras duplas sertanejas idealizadas no mesmo lar.
Fato é que, quanto mais saudável e madura for essa relação, maior é a possibilidade de que o vínculo permaneça por toda a vida. E não faltam benefícios dessa união. Segundo a psicóloga clínica Daniele Fontoura Leal, ter um irmão nos ensina sobre cooperação, fraternidade, rivalidade, competição, afeto e empatia, além de passar por um aperfeiçoamento ao longo dos anos de convivência.
"Os laços construídos entre irmãos, sejam mais fortes ou mais frágeis, dependem da qualidade da interação que eles tiveram durante a vida com os pais e/ou cuidadores, sujeitando-se também à mediação de conflitos, ao diálogo, aos ensinamentos e ao incentivo a essa relação", explicou a psicóloga.
Pensando nisso, a Revista trouxe histórias emocionantes de elos fortes entre irmãos. Mariana e Gabriela, apesar de idênticas por fora, preservam suas particularidades e têm uma conexão única; Thays e Thyago aprenderam a lidar juntos com o luto pela morte da irmã; e Lucas ocupou, por muito tempo, o papel do pai que nem ele nem Amanda tiveram.
Forte conexão
Imagine existir no mundo ao lado de alguém idêntico a você. Olhos, cabelo, sorriso, trejeitos e manias. Assim é a vida das irmãs gêmeas Mariana Bessa e Gabriela Bessa, de 23 anos. Naturalmente, em algumas características, ambas se diferem. Ainda assim, a conexão das duas é diferente de tudo o que já conheceram.
Mariana é mais impulsiva, Gabriela um pouco mais estressada e introvertida, a depender das situações. "Consigo ser mais tranquila e ser mais extrovertida. Por sermos muito diferentes, às vezes, há muitas divergências, mas sempre tentamos resolver. Quando não conseguimos damos os espaços de cada uma", explica Gabriela.
Com o tempo, fase adulta e rotina, as correrias e prioridades passam a mudar. Gabriela dedica boa parte do tempo salvando vidas com a arte, enquanto Mariana salva vidas por intermédio da enfermagem. Distante no que decidiram ser, tão perto uma da outra no propósito que as manteve no mundo.
"O que mais temos em comum além da aparência, acredito que seja o esforço e dedicação em tudo que fazemos e na nossa vida profissional, que acaba nos afastando um pouco devido à correria, mas nos une em propósito da força de vontade de mudar a nossa realidade", conta Mariana.
Convivência
Gabriela, amante da arte, leva nas redes sociais o alterego @traçosporgabi, onde produz, quase que de maneira solitária, desenhos e pinturas em quadros, canecas e outros. Em seu universo particular, ela eterniza momentos e lembranças de pessoas que a procuram graças ao talento inconfundível que, aos poucos, a faz ganhar os vários cantos do Brasil. Afinal, as vendas, como mostra no perfil, estão a todo vapor.
Mariana, apaixonada por enfermagem, compartilha a rotina de uma profissional de saúde. Com o tradicional uniforme branco, demonstra que salvar vidas é o seu propósito maior. As duas sempre gostaram de posar frente às câmeras para cantar, tocar instrumentos e compor música.
Dentro de casa, apesar de iguais, comentam que a relação com a mãe é supertranquila. E destacam, que apesar da aparência parecida, a mãe sempre soube diferenciar uma da outra.
"Mãe de gêmeos, por mais idênticos que sejam, sempre sabe diferenciar, a minha mãe reconhece até mesmo pela voz ao telefone. Na realidade, ao conhecer alguma dupla de irmãos gêmeos você consegue ver muitas diferenças com a convivência, vê que, no fim, talvez não é só a personalidade que é diferente assim", acrescenta Mariana.
Se, no lar, as coisas são um pouco mais fáceis, na escola, nem tanto assim. Por diversas vezes, como descrevem as duas, as confusões relacionadas aos nomes sempre apareciam. Às vezes, a depender da ocasião, uma levava a culpa no lugar da outra.
"No ensino médio, estudávamos em sala diferentes, eu (Gabriela) estava tendo aula de matemática, o professor viu a Mariana passar pelo corredor e começou a gritar e brigar com ela, pedindo para entrar na sala, ameaçou até dar advertência. Quando ele entrou na sala e viu que eu estava, ficou em completo silêncio. Mas, neste momento, todo mundo estava morrendo de rir", detalha.
Diferenças, igualdades, brigas e amor — muito amor. No fim das contas, isso é o que de fato une e permanece conectando as irmãs. Gabriela e Mariana, uma com o rosto da outra, se admiram e se respeitam. E mais do que isso, elas acreditam firmemente que estarão juntas, se apoiando e admirando, enquanto ambas estiverem no mundo.
Saiba Mais
Amor, cuidado e união
A relação dos irmãos Thayanna, Thays e Thyago Bittencourt sempre foi de cuidado uns com os outros. Com uma criação pautada nos ensinamentos bíblicos, a família carioca, que se mudou para Brasília em 2006, era incentivada a prezar pela união e pela generosidade, valores levados à risca pela primogênita Thayanna, considerada por todos uma "tia exemplar".
"Minhas filhas só a chamavam de 'tia Thathá'. Ela 'rolava' com as pequenas pelo quintal, me escrevia poemas e nos divertia cantando. Tinha um lado muito humano", recordou Thays, 31, a filha do meio. Quando crianças, os três, brincalhões, adoravam jogar Imagem e Ação e, nas férias, sempre voltavam às praias, para 'pegar jacaré' (pegar ondas sem uso de pranchas) nas águas da Região dos Lagos.
Mas nem tudo foram flores, visto que, desde cedo, Thayanna necessitou de cuidados especiais e atenção, pois vivia com epilepsia e tinha um certo atraso no desenvolvimento. "Sempre tivemos que protegê-la, porque ela sofria muito bullying na escola. Eu, mesmo sendo mais nova, tentava defendê-la", contou a social media. Mesmo com todas as dificuldades, a primogênita nunca deixou de estudar, nem guardava mágoa de quem a ofendia. Aos 28 anos, estava finalizando a graduação em pedagogia.
Fisicamente, as duas irmãs tinham poucas semelhanças. "Ela era morena, de cabelo cacheado; eu, loira de cabelo liso. Ela, mais dramática, uma atriz, eu, mais prática". Para Thays, quem não tem irmão não sabe como é viver um grande amor. "Eu aprendi a amar cuidando deles", completou.
A perda
Em 2019, a família foi almoçar em um restaurante no Pistão Sul. Thayanna, quando foi se servir de um sushi, engasgou. Thays, que estava sentada na frente da irmã, tentou os primeiros socorros, mas não teve sucesso. Quando o Corpo de Bombeiros chegou, a jovem estava em parada cardiorrespiratória.
Os profissionais conseguiram ressuscitá-la e levá-la para o hospital. Porém, era tarde. Thayanna havia sofrido um dano cerebral devido à falta de oxigenação e morreu. "Quando um irmão se vai, parte da gente vai embora também. Como fui eu que fiz os primeiros socorros, fiquei por meses me culpando por não ter conseguido salvá-la", lamentou.
Tudo mudou. Os pais ficaram arrasados e as festas em família, incompletas. Para Thays, ainda resta o sentimento de que fez pouco e que faltou tempo para viver mais momentos juntas. "Perdi uma parcela de quem sou, pois os irmãos são parte essencial de nós".
Quando a saudade bate forte, a irmã do meio e o caçula, hoje com 26 anos e advogado, se unem para desabafar e chorar. Por vezes, encontram fotos e vídeos novos, que aumentam ainda mais a dor da falta. "Confesso que não guardo fotos nossas em casa, pois seria muito doloroso vê-las todos os dias", desabafou. Os poemas que ganhou da irmã mais velha, ainda estão guardados na casa da mãe.
Além da saudade de Thayanna, Thays sente orgulho e a considera sua inspiração. "Minha irmã era muito musical e artística, então, tudo que lembra processos criativos remete à imagem dela. Ela se foi e foram também os momentos juntas, pois vamos envelhecer e ela não estará aqui. Sinto falta da vida que fluía nela", concluiu.
Palavras das especialistas
De acordo com a socióloga Christiane Machado Coelho, a diminuição do número de filhos nas famílias, realidade que se tornou comum, está associada a mudanças no ritmo e estilos de vida presentes na sociedade, bem como alterações no mercado de trabalho, nos valores, nas famílias e nas relações de gênero.
Questões econômicas, mulheres buscando a independência financeira, além da falta de apoio de outras pessoas, tanto dentro como fora da família, impulsionam essa ausência de desejo voltada à maternidade, combustíveis para que o público feminino opte por não terem filhos.
A socióloga aposta que o desenvolvimento de correntes mais comunitárias para a criação das crianças pode ser uma solução para que elas não se sintam tão sozinhas até a fase adulta. “É relevante resgatar valores mais comunitários na formação das crianças e da sociedade. Alargar o conceito de família, de humanidade e de solidariedade”, finaliza.
Mitos e verdades
A ordem de nascimento entre os irmãos pode indicar características em comum entre o grupo de primogênitos, de irmãos do meio e de caçulas?
Os irmãos mais velhos, por serem os primeiros, inauguram uma nova fase na vida dos pais, deixando uma marca profunda. São, de certa forma, frutos de uma superproteção. Preocupar-se se o bebê está respirando no berço, por exemplo, é comum nesse primeiro momento. Já com o segundo filho, os pais estarão mais tranquilos e conscientes, saberão lidar com as primeiras semanas de vida do bebê, com a privação de sono e com os demais desafios que surgirem. Mas cada filho vai trazer para o pai e mãe um aprendizado diferente. No geral, não há grandes diferenças entre a ordem de nascimento, mas, sim, entre a dinâmica que os filhos possuem com os pais: alguns demandarão mais atenção; outros passarão a impressão de serem mais independentes, influenciando, talvez, na forma como serão tratados.
O que podemos dizer sobre os filhos únicos? No que se diferem e se assemelham daquelas crianças e adolescentes que crescem com irmãos? Há algum impacto em seu desenvolvimento?
A ideia de que um filho único cresce traumatizado é um mito, porque, no final das contas, o que vai contar são as relações que essa pessoa é capaz de desenvolver. As noções de cooperação, fraternidade, empatia, afeto, rivalidade e mesmo competição devem ser trazidas para o convívio da criança, não importa se ela é filha única ou se ela tem 10 irmãos.
E a história de que os pais sempre têm um filho preferido, é verdade? Se sim, quais impactos isso gera no filho “rejeitado” e como organizar essa dinâmica para evitar prejuízos na saúde e desenvolvimento da família?
Existem pesquisas que mostram ser comum existir uma espécie de predileção entre os pais por determinado filho. De toda forma, é preciso entender que é impossível ter o mesmo amor, na mesma medida, direcionado a pessoas diferentes. Às vezes, essa preferência é fruto de uma construção mais rica com determinado filho, às vezes são personalidades com maior afinidade, ou mesmo uma projeção dos pais em cima daquele filho (não necessariamente amor). Acredito muito no desenvolvimento das relações, então, a menos que seja uma relação tóxica, que prejudica algum dos lados do sistema, sempre aposto no diálogo e na predisposição para reconstruir coisas que podem ser ressignificadas.
Fonte: Daniele Fontoura Leal, psicóloga clínica e doutoranda na área de Saúde Mental e Gênero.
Juntos e fortes
Crescer com uma ausência não é uma tarefa fácil. Em muitas composições familiares, a figura materna ou paterna é representada pelo irmão ou irmã. Algo que, infelizmente, é uma realidade em diversos lares. Histórias como essa são reflexo da vida e da amizade de Amanda e Lucas Borges, 23 e 30 anos, respectivamente. Desde cedo, a falta do pai os uniu mais do que qualquer coisa. Baseado nessa lacuna, o amor de ambos foi o que lhes restou.
"Nós sempre fomos próximos. Mas, por termos sete anos de diferença, brigávamos muito quando éramos mais novos. Depois que a gente cresceu, construímos uma amizade muito verdadeira, com confiança e amor. Hoje sei que posso contar com ele para tudo. Ele que cuidava de mim quando eu era criança. Hoje não moramos juntos, mas depois que ele saiu de casa, a gente se aproximou ainda mais. Sinto muita falta até hoje", relata Amanda.
Esse evento canônico em ter visto o mais velho saindo de casa provocou muitas emoções na caçula. Afinal, nunca é fácil se despedir de alguém com quem você partilhava todos os dias o café da manhã e implicâncias diárias. Mesmo com essas causas naturais que as jornadas de cada um provoca, foi na distância que eles encontraram mais motivos para ficar perto.
Os gostos dos dois são mais semelhantes do que diferentes. "A gente não é tão diferente, depois de adultos nos tornamos muito parecidos. Às vezes, a gente se estranha por causa de costumes ou alguma brincadeira irritante, mas são essas coisas de irmão que todo mundo sabe", destaca Amanda.
Cumplicidade
Quando a irmã nasceu, Lucas ainda tentava entender o mundo, afinal de contas, era apenas uma criança. Mesmo assim, no divórcio dos pais e na saída iminente da figura paterna de casa, compreendeu: precisava ser para Amanda o que, provavelmente, nenhum dos dois teria.
"Eu sempre fui mais proativo no sentido de ajudar minha mãe. Quando meus pais se divorciaram, minha mãe teve que assumir a casa sozinha e, na maior parte do tempo, trabalhava fora. No fim, éramos uma criança cuidando de outra criança. Eu acredito que perdi parte da minha infância e adolescência tendo essa responsabilidade de cuidar, não só dela, como das coisas de casa também. Ocorreu um amadurecimento precoce, isso me mudou e teve muitas coisas que eu só consegui entender depois de adulto. Eu não entendia que precisava ser mais responsável, acho que não tinha maturidade pra isso. Mas eu fiz o que eu tinha que fazer", completa
Hoje, vendo a Amanda adulta, Lucas sente admiração por tudo o que foi construído. Embora as dificuldades tenham aparecido ao longo do caminho, é um orgulho, para ele, ver que a menina de seus olhos foi mais do que ele jamais imaginou que seria. "No fim, tínhamos tudo para não ser o que somos hoje", diz Lucas.
Olhando o irmão como uma referência, Amanda acredita que ele cumpriu bem um papel que não era destinado a ele. Meu pai nunca foi presente na nossa vida e consequentemente fez falta na infância. Mas o Lucas, a nossa mãe e o nosso outro irmão fizeram muito bem esse "papel". Mas não só por isso. Admiro muito o Lucas, em todos os aspectos, chego até a me emocionar quando falo dele. Com certeza ele é minha referência de homem".
Uma relação de amizade e parceria. Algumas diferenças e semelhanças, que fazem parte dessa rotina. Entretanto, entre os dois, existem mais coisas em comuns do que parece. Senso de humor, playlist de humor que ambos compartilham, eventos e comidas. Além disso, situações emocionais que os irmãos vivenciam. A opinião e apoio são as duas coisas que fundamentam esse vínculo tão especial de Lucas e Amanda.