Na infância, Guillaume Petitgas sonhava em ser paisagista. Quando tinha 14 anos, chegou a fazer um estágio em um jardim na sua cidade natal, Les Sables D'Olonnes, na França, mas logo percebeu que, apesar de gostar de mexer com a terra, não tinha vocação para a jardinagem.
Um dia, foi visitar a padaria de um amigo do pai e se encantou pelo maquinário e pelo "cheiro frio" do local. "Antes de começar a assar os pães e de encher a padaria com o cheiro quente, tem aquele cheiro de fermentação, mais fresco. Não sei explicar direito, mas aquilo me deixou maravilhado", detalha. Logo conseguiu um estágio e a certeza do que queria para a vida profissional.
Guillaume começava o turno às 5h da manhã — o que, para um adolescente de 15 anos, é algo impressionante. "Não tinha pretensões de fazer faculdade, queria ter uma formação técnica, o que é muito comum na França." E, assim, foi se capacitando na arte de fazer pão. A formação incluía passar três semanas na padaria e uma na escola. Ao final de dois anos, aos 17 anos, era padeiro profissional.
Mas Guillaume queria ser um profissional completo, e passou mais um ano estudando, desta vez, confeitaria. Aos 18 anos, era padeiro e confeiteiro profissional. "Como eu me identifiquei mais com a panificação, decidi fazer uma especialização nessa área." Foram mais dois anos de intenso aprendizado.
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Aos 20 anos, o francês perdeu o pai e, diante de tanta saudade, resolveu deixar a pequena Les Sables D'Olonnes e ganhar o mundo. Primeiro destino: Noruega. "Foi uma espécie de fuga, tudo na minha cidade lembrava meu pai", admite. No novo país, conseguiu um emprego em uma padaria que ficava dentro de um supermercado. "Eu trabalhava em uma espécie de aquário no centro do estabelecimento, onde todos viam a produção. Preparava uma média de 300kg de massa por dia. Foi uma grande escola, aprendi muito sobre volume e higiene."
Passada a experiência no supermercado, Guillaume fez o caminho oposto: foi trabalhar em uma pequena padaria artesanal, lugar que, por sinal, serviria de inspiração para a abertura, anos depois, do seu primeiro negócio no Brasil. "Eram dois sócios: um, norueguês, fera em administração; e outro, francês, gênio da panificação. Eu pensava: 'Quero ser igual a ele'."
Vinda para o Brasil
Depois de dois anos no país nórdico, achou que estava na hora de voltar à França. "Voltei às origens e fui trabalhar na primeira padaria", lembra. Três meses depois, porém, recebeu um convite irrecusável. O pâtissier francês Daniel Briand o convidou a vir trabalhar como confeiteiro em sua famosa cafeteria, em Brasília. Em setembro de 2004, o francês desembarcou na capital federal para uma temporada que mudaria a sua vida.
Logo nos primeiros dias em terras candangas, Guillaume conheceu uma jovem estudante de letras da UnB que frequentava a cafeteria com um grupo de amigas para treinar o francês. Os dois engataram um namoro, mas, seis meses depois, com o visto expirado, o padeiro precisou voltar para a França. O relacionamento entrou em um impasse, mas Thais Melo trancou a faculdade e se mudou para Les Sables D'Olonnes, onde os dois se casaram.
Como está sempre em movimento, no retorno à cidade natal, Guillaume foi trabalhar na charcutaria de um amigo. "Ele estava se preparando para abrir também uma pizzaria durante as férias de verão, quando a população da cidade cresce em até 10 vezes, e eu ficaria responsável por ela. Como sou muito curioso, aceitei o desafio." Assim, o padeiro e confeiteiro acrescentou a função de pizzaiolo ao currículo.
Inquieto, depois de quase dois anos na nova função, Guillaume achou que era o momento de mudar de ares. A princípio, pensou em ir morar na Nova Zelândia, mas Thais ponderou que teria dificuldade em se estabelecer profissionalmente por lá, além de que queria concluir a faculdade. Optaram, então, por voltar para o Brasil. "Juntamos todas as economias e decidimos abrir a nossa própria padaria."
Sucesso e expansão
A La Boulangerie foi inaugurada, em fevereiro de 2007, em uma pequena loja na 106 Sul. "Não tinha feito nenhum planejamento, eu mal falava português, todo dia sobrava muito pão", recorda-se do início difícil. Até que um amigo disse que conhecia uma pessoa que poderia salvar — ou arruinar — o negócio dele: Liana Sabo, colunista de gastronomia do Correio. Guillaume a convidou a conhecer seus pães. "A matéria saiu na sexta-feira; no sábado, multipliquei meu faturamento por 10, não conseguia dar conta da produção. Falo que Liana é minha madrinha", brinca.
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Quando a La Boulangerie abriu as portas, praticamente não existiam padarias que trabalhavam com fermentação natural em Brasília. "Nossos pães são feitos artesanalmente e ao modo francês, temos o nosso próprio levin", explica. Ao lado de Thais, que assumiu a gestão administrativa da casa, o negócio se expandiu — em 2011, mudou para um endereço maior, na 306 Sul; em 2013, abriu uma filial, na 212 Norte; em 2014, no Lago Sul; e em 2017, no Sudoeste.
Naquele mesmo ano, Guillaume inaugurou um bistrô no CasaPark, onde colocou em prática um pouco da sua veia cozinheira. "Cresci com uma avó e uma mãe que cozinhavam muito bem. Meus avós tinham uma chácara onde plantavam o que comiam e eu tinha acesso a todo esse processo. Para mim, comida é um ato de amor."
Durante a pandemia, o restaurante acabou fechando as portas, mas Guillaume retomará o projeto no início de 2024, com a inauguração de um bistrô também na 306 Sul. "Será um bistrô nos moldes franceses, com um belo jardim, sem pretensão, com atendimento cuidadoso e preço justo", detalha.
Ao lado de Thais e dos três filhos, de 15, 10 e 2 anos, Guillaume criou raízes na cidade e cativou uma clientela fiel, sobre a qual ele fala com orgulho e emoção. "Nosso pão não é qualquer pão, é um produto feito com amor, que faz parte da história das pessoas."
Nesta véspera de Natal, Guillaume compartilha com os leitores da coluna uma deliciosa receita de panetone de chocolate meio amargo para você celebrar com as pessoas que ama!
Panetone de chocolate meio amargo
Isca (massa pré-fermentada que auxilia na fermentação do panetone)
300g de farinha de trigo
20g de açúcar
15g de fermento
160ml de água
Calda de leite
200ml de leite
100g de açúcar
20g de mel
100g de manteiga
4 gemas de ovos (para reservar e adicionar lentamente)
Massa para a isca
350g de farinha
14g de fermento
15g de sal
1 zeste de uma laranja
Recheio
300g de chocolate em gotas meio amargo
Modo de preparar
Pese os ingredientes da isca dentro de uma vasilha e misture-os. Na mesa, sove a massa até atingir uma consistência elástica e firme. Deixe descansar por uma hora.
Durante esse tempo, prepare a calda. Em uma panela, leve ao fogo o leite, o açúcar, o mel e a manteiga e misture bem. Quando ferver, desligue o fogo. Em seguida, despeje lentamente a calda sobre as gemas e misture com um fouet.
Acrescente à calda, pouco a pouco, os ingredientes da massa (350g de farinha, 14g de fermento, 15g de sal e 1 zeste de uma laranja) e a isca já pré-fermentada. Misture e sove a massa até ficar lisa e com consistência elástica.
Ao final, acrescente o chocolate e misture rapidamente mais uma vez até ficar homogêneo. Cubra com um pano úmido e deixe descansar por uma hora (até dobrar de volume), dentro do forno fechado e desligado. Distribua a massa de acordo com o tamanho de suas formas de panetones. Deixe crescer novamente dentro do forno por mais ou menos uma hora. Para acelerar a fermentação, coloque uma panela de água quente dentro do forno.
Depois de crescidos, tire tudo do forno e pré-aqueça a 150ºC. Pincele um ovo batido ou manteiga derretida em cima de cada panetone e coloque no forno assim que estiver na temperatura correta. O tempo de cozimento pode variar entre 20 a 35 minutos, dependendo do forno e do tamanho dos panetones. Para conferir o ponto, espete a massa com um palito ou uma faca. Espere esfriar e bon appetit!