Bichos

Tutores podem ter a saúde mental abalada depois de perderem seus pets

Perder alguém é sempre doloroso. Tutores de pets também passam por eventos traumáticos quando seu bicho de estimação morre, podendo abalar, inclusive, sua saúde mental

Ter um animal de estimação em casa é criar dentro de si um afeto singular. A partir do momento em que o pet se vai, o luto é vivenciado da mesma forma que a partida de um membro da família. Mas, com um adendo: o agravante de não receber a legitimidade da dor por parte do círculo social.

"A pessoa tenta mitigar seu sofrimento, pois sente constrangimento em demonstrar o sentimento e não encontra amparo adequado para ajudar a superar esse momento. Essa experiência causa impacto negativo psicológico, físico, emocional, altera o humor, a rotina do sono e até mesmo transtornos alimentares", explica a psicóloga clínica e neuropsicóloga Roselene Espírito Santo Wagner.

Esse processo, de acordo com a profissional, é um desafio psíquico que requer reconstrução e reorganização consigo mesmo. O tempo de recuperação depende de muitos fatores, mas considera-se normal entre três meses a um ano a elaboração da dor nas seguintes fases: raiva, culpa, tristeza e até aceitação.

"Se ultrapassar esse período, passa a ser considerado um luto patológico, que é a impossibilidade de elaborar uma perda, em que a pessoa não consegue se reorganizar. É, então, de suma importância buscar ajuda profissional", recomenda Roselene.

Nome de luz

Há pouco mais de um mês, Isabela Silva de Souza, 30 anos, perdeu sua gatinha Sunny. A pet, segundo a arquiteta, começou a ficar doente em janeiro de 2022, quando passou a perder peso repentinamente. "Levamos ao veterinário, foram meses até conseguirmos um diagnóstico de doença da pulga. Acreditamos que ela tenha sido contaminada antes da adoção, pois sempre fazemos o controle da praga e os meus gatos não saem de casa", relembra.

No entanto, mesmo com o tratamento, ela não melhorava. A família fez mais exames até que descobriram que a animal tinha uma anemia autoimune. Isabela e a esposa, então, correram em busca dos melhores procedimentos disponíveis para tentar salvar a vida da pet. Transfusões, aplicação de célula tronco e de hormônio foram os meios encontrados.

"Sunny pôde viver com qualidade por mais um ano e 10 meses entre idas e vindas da internação. Infelizmente, agora em outubro, ela teve uma piora muito agressiva e repentina e já não tínhamos mais os recursos para cuidar dela. Apesar de termos tratado no hospital público e no universitário, gastamos uma quantia muito elevada com as terapias e já não tínhamos a mesma capacidade financeira para cuidar dela", destaca.

O processo de luto, para a arquiteta, tem sido complicado até aqui. Afinal de contas, em casa, ela ainda conta com mais três gatinhos que, juntos, eram chamados de quarteto fantástico pela família. Lugares, lembranças, vasilha de comida. Tudo, por enquanto, continua sendo memória presente de uma pet que deixou muita saudade para Isabela. "Sunny representa luta e vontade de viver acima de tudo. Dava para ver que ela confiava muito na gente e, além disso, representou luz como o próprio nome dela diz."

Evento traumático

O psicólogo clínico Paulo Gomes acredita que, nos últimos anos, os animais de estimação se tornaram membros da família, ganhando mais importância e, por isso, aumentando esse sentimento de perda. "O processo de luto tem muito mais a ver com o sofrimento, do que sobre o objeto perdido, que pode ser um ente querido, um relacionamento, um bem inestimável ou mesmo um animal, como gato, cachorro ou ave", explica.

Atualmente, de acordo com ele, devido ao novo papel que os pets assumiram na sociedade, o impacto é tanto ou maior que a perda de um ente humano, podendo até a desenvolver o que os especialistas chamam de luto patológico, em que esse estágio de dor perdura por muito tempo. Em alguns casos, Paulo avalia que o tutor pode passar por um processo depressivo.

Esse evento é tão traumático, que muitos tutores tendem a ter dificuldades de estabelecer um novo vínculo afetivo com outro pet, por exemplo. Antes, era mais comum que o indivíduo se sentisse culpado ou inadequado com a própria tristeza. Mas essa perspectiva tem mudado, na análise do psicólogo. "Essa relação se tornou mais aceita e caiu na normalidade, reduzindo essa sensação. Mas ainda pode acontecer, e é normal, pois, dependendo do meio social, esse apego ao animal pode não ser bem aceito", acrescenta.

Novo começo

Entretanto, há quem consiga trazer para o lar outro bichinho. Ainda mais quando, dentro de si, o vazio é tão grande pela perda que é necessário preenchê-lo de alguma forma. Pedro Henrique Brito Pereira, 26, bacharel em sistemas de informação, lidou com o luto da cachorrinha Mya, que faleceu há um ano e cinco meses. Apesar de ser cardiopata, brincava e vivia normalmente, além de ser bem ativa. Porém, com o passar do tempo e da longevidade, a pet sofreu com muitos problemas.

"A respiração dela estava mais pesada. Com isso, levamos ao veterinário e foram feitos exames de sangue que deram algumas alterações, que constatou haver líquido nos pulmões dela. Nesse meio tempo, a respiração dela foi piorando cada vez mais. Levamos para um cardiologista o mais rápido possível. Marcamos para o dia seguinte, pedindo urgência. Porém, no final da noite, ela sufocou e na hora em que estava saindo para levá-la para uma veterinária 24 horas, acabou falecendo", recorda Pedro.

A família, muito apegada, sofreu bastante com a morte da cachorra, que representava uma alegria imensa e intensa para quem a conhecia. A avó do jovem, dona Ilda de Souza, 76, foi uma dessas pessoas que passou por um estágio difícil de luto. A psicóloga dela, inclusive, pediu a Pedro que adotassem um outro pet, para que a idosa não entrasse em depressão. Sendo assim, a vira-lata caramelo de nome Estelle chegou para cativar a todos com boas doses de loucuras diárias, brincadeiras e latidos. "Hoje, tornou-se o xodó da casa, ajudando na saúde mental de todos nós e tirando a tristeza que tínhamos após a perda da nossa outra cachorrinha", finaliza Pedro.

Pet também sofre!

A médica veterinária Iamylle Carmo afirma que a maioria dos pets tem seu “humano preferido”, que são os escolhidos por eles. Uma separação brusca, como a morte, pode causar sintomas de depressão muito semelhantes ao das pessoas. Apatia, falta de apetite, mais tempo dormindo são alguns sintomas. “Alguns animais podem apresentar sinais clínicos mais graves, a exemplo de febre e alteração de comportamento, como agressividade. Em gatos, podemos ver cistites intersticial e lipidose hepática pela anorexia”, esclarece.

Para solucionar essa fase, é importante que o animal receba muito carinho e atenção dobrada de outra pessoa. Separar um tempo de qualidade, preencher os espaços com outras atividades ou até adotar outro pet para que a solidão seja sanada podem ser alternativas para aliviar o luto. “O tempo de luto é muito relativo para os animais, assim como para os humanos, podendo levar semanas ou até mesmo meses. A forma como o animal reage e como é tratado nesse período pode alterar bastante esse tempo.”

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Fotos: Arquivo pessoal - Há um ano e cinco meses, Pedro perdeu a cachorrinha Mya