Saúde

Privação de sono: dormir bem é essencial para uma vida melhor

Dormir é fundamental para uma melhor qualidade de vida e produtividade. No entanto, a privação desse hábito gera impactos negativos na vida de muitos indivíduos, trazendo problemas ao bem-estar psíquico e ao funcionamento social humano

Noites em claro, rotinas sobrecarregadas. Dormir é uma parte importante da vida de qualquer indivíduo. Os benefícios desse hábito, quando feito diariamente e de maneira correta, são inúmeros e impactantes. Entretanto, do outro lado da moeda, a privação de sono apresenta-se como um desafio para o bem-estar psíquico e ao funcionamento social humano.

Essa condição, que pode ser aguda ou crônica, ocorre quando uma pessoa fica um ou dois dias dormindo muito pouco, com a intenção de se desdobrar em estudos para uma prova difícil, por exemplo. Almir Tavares, psiquiatra e médico do sono pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), explica que esse quadro ocorre quando dormir pouco — ou dormir um sono de má qualidade — torna-se um hábito incorporado à rotina do indivíduo.

"A deficiência crônica de sono (DCS) é um grande desafio para a saúde pública mundial. Está presente em um a cada três norte-americanos. E está presente em 80% dos adolescentes atualmente", ressalta o especialista. Segundo Almir, há dois tipos de causas para esse quadro. "Ela pode advir de doenças e distúrbios do sono, transtornos mentais, doenças neurológicas e doenças médicas.

A DCS, segundo o médico, também é causada pelo próprio comportamento humano. "Nesse último caso, são decisões que as pessoas tomam (em geral, mal orientadas) sobre seus próprios hábitos de vida, não valorizando o próprio sono e desrespeitando o fato de que precisaria dormir mais e melhor", afirma.

É recomendável que um adulto durma, pelo menos, de sete a nove horas por noite. Atualmente, alguns comportamentos colocam à prova esse hábito. Ações como ver filmes ou séries na televisão, uso do telefone na cama, jogos eletrônicos em excesso antes de dormir e até mesmo estudos ou obrigações do lar podem atrapalhar a busca pelo sono desejado.

Jet lag social

O desalinhamento de horários relacionados ao sono leva um nome específico, que vem ganhando cada vez mais força nos últimos anos. O termo jet lag social é um fenômeno presente na vida de muitas pessoas, sobretudo daquelas que acordam cedo durante a semana e tentam amenizar as consequências desse hábito dormindo mais aos sábados e domingos.

“Um estudo de prevalência notou que cerca de 25% a 30% de pessoas satisfaziam critérios para o jet lag social. Mas este número pode ser subestimado por ter sido feito com uma amostra pequena de pacientes”, menciona Rafael Brandes Lourenço, médico psiquiatra e do sono, integrante do Departamento de Medicina do Sono da Associação Brasileira de Psiquiatria.

O grupo mais impactado nessa realidade são adultos e jovens, na faixa dos 20 aos 40 anos, como descreve o psiquiatra. “Muitos de nós preferimos realizar atividades à noite, como academia, assistir a filmes ou até as tarefas domésticas. Por volta dos 40 anos, parece que a preocupação com o sono aumenta e consegue-se deitar mais cedo”, destaca Rafael.

Outro grupo de risco são adolescentes, que já apresentam uma tendência de atraso de fase circadiana, ou seja, mais predisposição a dormir tarde. Muitos estudam pela manhã ou realizam atividades nesse horário, então também estão sujeitos ao jet lag social, principalmente se dormirem mais tarde no final de semana, em comparação com durante a semana.

Resolução

A responsabilidade desse problema é em parte social/cultural e em parte individual, já que é um desalinhamento entre o horário social e o horário do relógio circadiano interno de cada um de nós, na avaliação de Rafael. Socialmente, as jornadas de trabalho poderiam começar mais tarde, por exemplo às 9h da manhã, assim como eventos esportivos ou jogos, que as pessoas geralmente gostam de acompanhar, poderiam começar mais cedo, só para citar um exemplo. A exposição à luz natural é fundamental, e a maioria de nós deveria se expor ao menos 30 minutos de sol pela manhã, já que a luz é um grande sincronizador do nosso ritmo circadiano.

Outros fatores

Evitar telas como a do celular ou do computador próximo aos horários de deitar é fundamental. Não consumir estimulantes, como cafés e energéticos, é importante, assim como ter uma rotina para dormir. Praticar exercícios físicos pela manhã ou, no máximo, até o final da tarde também é útil.

Alimentação

O horário das refeições é igualmente importante, não se deve, por exemplo, jantar ou almoçar muito tarde, pois os horários das refeições fornecem dicas importantes ao ritmo circadiano. Entretanto, o mais importante é prestar atenção ao horário de deitar e acordar, desenvolvendo uma disciplina em relação a isso. “A ritmicidade desses horários é benéfica ao organismo, e embora o jet lag social seja um fenômeno individual, social e cultural, se fizermos a nossa parte, podemos nos apresentar mais descansados e mais saudáveis em nosso dia a dia”, detalha Rafael.

Impactos

A sociedade exige horários que se iniciam normalmente muito cedo pela manhã, o que não favorece o fato de, por vezes, o indivíduo ter dormido tarde. Essa privação de sono, na visão de Rafael, não é saudável, podendo levar a cansaço diurno, sonolência, aumento do apetite, alterações hormonais e aumento da ansiedade.

Dados

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 40% dos brasileiros apresentam algum distúrbio de sono. Pesquisa feita pelo Instituto do Sono, localizado em São Paulo, afirma que situação se agravou durante a pandemia. Razões como mais tempo em frente a telas, além de preocupações no período pandêmico foram as respostas de, pelo menos, 55% dos participantes.

Palavra do especialista

De que maneira a privação do sono pode ser tratada?

A DCS (deficiência crônica de sono) causada pelo comportamento humano deverá ser tratada com mudanças comportamentais. Mudar um comportamento que se estabeleceu e se tornou um hábito de vida não é mera questão de informação. Mais conhecimento acerca do sono sempre é muito valioso. Aplicar esse conhecimento em si mesmo muitas vezes não é tão fácil. O primeiro passo é a pessoa estar ciente da necessidade de mudar e começar a desejar a mudança. Um segundo passo é resolver que já chegou a hora de iniciar as mudanças. O terceiro passo é buscar estratégias para implementar, que muitas vezes exigirão ajuda profissional, como psiquiatra ou psicólogo.

Qual a diferença entre insônia e privação de sono?

A oportunidade para dormir é a grande diferença. Na insônia crônica, o indivíduo aloca um período de tempo adequado para o seu sono à noite. Ou seja, destina nove horas de suas 24 horas para o próprio sono. Mas, à noite, se deita e o sono não vem. Na privação crônica de sono, o indivíduo não planeja destinar um período de sete a nove horas para o próprio sono. Ele decide permanecer mais horas acordado e menos horas dormindo. Decide encurtar o próprio sono, para executar tarefas de lazer, de trabalho, de estudo ou domésticas. Tarefas cuja necessidade muitas vezes é duvidosa. Ainda mais se comparadas à imperiosa e inadiável necessidade que a nossa saúde tem de descanso e de sono.

O que a medicina do sono traz de novo para esse cenário?

A medicina do sono torna-se reconhecida no âmbito da Associação Médica Brasileira em 2011, embora mesmo anteriormente já estivesse presente por meio da Associação Brasileira de Sono. A certificação em medicina do sono é obtida por meio de prova e residência médica. Trata-se de uma área de atuação para médicos das áreas de psiquiatria, neurologia, otorrinolaringologia, pneumologia, pediatria, clínica médica e, recentemente, cardiologia. O sono representa um terço de nossas vidas (oito horas das 24 horas do dia). A principal contribuição da medicina do sono é diagnosticar, tratar e prevenir os problemas de saúde relativos a esse amplo e silencioso período da vida humana. O paciente, muitas vezes, não perceberá os próprios problemas, por estar dormindo.

Almir Tavares é psiquiatra e médico do sono pela AB, coordenador do Departamento de Medicina do Sono da ABP e professor de psiquiatria e neurociências da UFMG

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