No reino encantador das aves de estimação, existe o delicado equilíbrio entre a paixão por esses seres alados e a responsabilidade que acompanha a decisão de tê-los como companheiros. Ao abordar a criação de aves silvestres em ambientes domésticos, é preciso se atentar às questões legais, assim como os laços íntimos entre o desejo humano e a preservação dessas criaturas.
Desde a falta de menção à legislação que regula sua criação até a triste realidade do tráfico, as consequências de escolhas inadequadas expõem os riscos à saúde e ao bem-estar desses seres sensíveis. Em meio a conselhos práticos e orientações para o consumidor, a Revista consultou especialistas, que compartilham suas visões sobre a ética na criação de aves para reforçar a urgência de uma abordagem mais adequada, não apenas para o benefício individual desses animais, mas como um compromisso coletivo com a preservação da biodiversidade que enriquece o planeta.
Uma realidade cruel e desafiadora
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Segundo Manoel Franklin Fonseca Carneiro, juiz de direito titular da 1ª Vara Criminal do Gama e especialista em direito animal, o tráfico de espécies silvestres é uma atividade ilícita de grande rentabilidade, movimentando cerca de US$ 20 bilhões anualmente, sendo o Brasil responsável por aproximadamente 15% desse valor, de acordo com a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (RENCTAS).
“São cerca de 38 milhões de animais silvestres, sendo que 80% são pássaros. Mais de 70% nas casas de famílias brasileiras são capturados ilegalmente a cada ano em nosso país, gerando um forte impacto ambiental, causando desequilíbrio ecológico, uma vez que as espécies não vivem isoladamente, mas, sim, inseridas em uma complexa cadeia de interações entre a fauna e flora.”
O juiz afirma que a legislação brasileira, apesar de considerar crime a caça, a captura e a guarda de animais silvestres, impõe penas brandas, de seis meses a um ano de detenção, tratando o delito como de menor potencial ofensivo. “O tráfico, embora seja uma realidade preocupante, ainda não possui uma tipificação específica em nossa legislação.”
O especialista destaca a resistência judicial em reconhecer o direito dos animais à liberdade, ressaltando que o encarceramento de pássaros em gaiolas configura uma das maiores crueldades, contrariando princípios constitucionais e normativas internacionais de bem-estar animal. “Quando se trata de pássaros exóticos, aqueles provenientes de faunas de outros países, infelizmente sua posse é livre, ou seja, não é considerada crime e independe de autorização do Ibama.”
“Quem se dispõe a criar animais silvestres em seus domicílios deve ter em mente que é imprescindível a autorização do órgão competente, no caso, o Ibama. E quem não a tiver estará sujeito a responder pelo crime do já mencionado artigo 29, da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), além das multas administrativas.”
Segundo o juiz, o proprietário do animal também deve tomar cuidado para não incorrer no crime de maus-tratos a animais (art. 32, da Lei 9.605/98), que já é configurado se os dejetos dos passeriformes não forem constantemente recolhidos e feita a devida higienização da gaiola, ou se os pássaros tiverem sido mutilados, sendo muito comum, no caso dos pássaros, a quebra das suas asas para que sejam impedidos de voar.
O que diz o Ibama?
Roberto Cabral, agente ambiental federado do Ibama, compartilha algumas questões importantes sobre a criação e a aquisição de aves silvestres, lançando luz sobre a analogia entre a posse de aves e o consumo de tabaco. Ele destaca que, à semelhança do fumo, não é ilegal adquirir aves exóticas, como papagaios e araras. No entanto, ressalta que, embora a legislação permita a compra desses animais de criadouros comerciais devidamente registrados, isso não garante que sua vida em cativeiro seja apropriada ou agradável.
“A grande questão é que, por trás do glamour da manutenção de aves silvestres, existe o tráfico de animais silvestres, que significa perda de biodiversidade e sofrimento. Ademais, mesmo os animais oriundos dos criadouros autorizados não isenta quem os compra de ter contribuído com o sofrimento. Afinal, sofrem com a manutenção usual em gaiolas minúsculas. Existem viveiros em que a arara não consegue voar e, às vezes, nem abrir direito as asas”, reforça.
Cabral detalhou ainda o funcionamento do comércio ilegal de aves, desde o roubo de ninhos até as condições deploráveis enfrentadas pelos filhotes durante o transporte. “Mesmo quando as aves sobrevivem, muitas são submetidas a condições inadequadas em residências, com asas cortadas e dietas inadequadas.”
Sobre a aquisição legal de aves de criadouros comerciais, o especialista alerta que, embora isso não contribua diretamente para o tráfico, não garante a ausência de maus-tratos. “Muitas vezes, os reprodutores são mantidos em condições precárias e os filhotes são retirados cedo demais dos pais”, justifica. “Existe uma necessidade de repensar o papel dos criadores comerciais, destacando que, muitas vezes, o foco no lucro pode inadvertidamente favorecer o comércio ilegal.”
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte