Mineração, retroescavadeiras, moda e vestuário. Reunir os quatro temas em um único projeto pode parecer estranho, mas para o estilista Otávio Augusto, 30 anos, é plenamente natural — os assuntos compõem suas raízes e, atados, transformaram-se em sua marca de roupas, a Tunnel (@Tunnel.ltda).
Nascido em Ibirité, município da região metropolitana de Belo Horizonte, ele cresceu nos arredores de Brumadinho, em cidades em que a extração de minério de ferro acontece o tempo inteiro. Na infância, estudava em escola particular e sempre teve dificuldade com as matérias consideradas tradicionais. "Sempre que eu tinha alguma aula com recorte visual estético, como história ou inglês, que mostravam vivências fora da minha bolha, eu me sentia mais interessado. Naquela época, eu já estava inserido no universo da moda sem entender muito bem."
Gostava mesmo era de reparar as vestimentas dos colegas. Ficava deslumbrado com as calças e os casacos de marca que eles usavam e, sem condições para se vestir da mesma maneira, passou a se interessar pelas peças, sendo, inclusive, julgado por aqueles com quem convivia. "As pessoas confundiam, achavam que eu estava querendo viver o status, mas nem eu mesmo entendia que o que realmente me chamava a atenção era todo o universo estético que envolvia as roupas."
O primeiro emprego foi aos 14 anos. Otávio revendia, nas ruas, as roupas que um amigo mais velho trazia dos Estados Unidos. O pagamento não era em dinheiro, pois deixou claro ao amigo que preferia receber em peças de roupas. No mesmo período, começou a juntar dinheiro para adquirir itens de marcas famosas, mas logo percebeu que o seu desejo não estava apenas em consumir as peças. "Eu virava a madrugada assistindo a clipes de músicas, que, na época, eram carregados do estilo streetwear, e pesquisando roupas na internet."
Paralelamente ao fascínio pelo mundo fashion, mantinha contato com a área da mineração, uma vez que o pai trabalhava na Vale. Aos 17 anos, surgiu uma oportunidade — o governo estava dando bolsas de estudos para cursos técnicos, então fez o de técnico em mineração. "O uniforme do meu pai sempre me chamou atenção, além de ter uma linha ferroviária do outro lado da rua da minha casa, onde sempre havia funcionários da MRS, uma operadora logística. Eu via as jaquetas de sarja, as calças e as botas, e tudo me chamava muita atenção."
Otávio conta que fez o curso técnico e logo foi convidado para estagiar na Vale da Mina Jangada junto à Mina do Córrego Feijão, exatamente onde houve, anos depois, o rompimento da barragem. "Em 2012, quando fui trabalhar como estagiário, tive a oportunidade de colocar muita coisa em xeque. Fui privilegiado de trabalhar na área de técnico e ia para dentro da mina, assistia a todas as operações, as retroescavadeiras enormes, observava os coletes e as roupas específicas do pessoal," conta o rapaz. A embalagem de um protetor auricular usado na empresa, por exemplo, é hoje estampa de uma das camisetas da Tunnel.
Saiba Mais
O contato com a moda
Em um determinado dia trabalhando, Otávio recebeu a ligação de um amigo que, empolgado, contava que uma grande loja da cidade estava sendo vendida e que eles deveriam comprá-la. Inicialmente, pensou que o amigo estava brincando, mas, após conversarem, decidiram realizar empréstimos e, de fato, adquiriram o negócio. Foi quando passou a trabalhar oficialmente em contato direto com aquilo que amava desde cedo. "Nós tivemos a loja por três anos e eu pude conhecer mais a fundo. Entendi que o que me emocionava era o produto, não o apelo das marcas, mas o ato de estar envolvido no processo." Logo constatou que apenas pegar o produto pronto para revender não era suficiente, então decidiu que precisava desenvolver algo.
Em 2016, entrou para o curso técnico em vestuário no Senai Modatec e foi selecionado, com um amigo, para participar de um projeto de desfile no Rio de Janeiro. "Aí, de fato, comecei a carreira como estilista." Otávio conta, orgulhoso, que a Tunnel surgiu com o ideal de traduzir toda sua vivência dentro do universo na Vale, com os uniformes que o pai e todas as pessoas que trabalhavam em indústrias próximas usavam. "Entendi que não era obrigado a desenhar só aquele ideal de moda glamouroso, chique e esvoaçante, mas que poderia transformar minha realidade em moda, e isso seria tão original que seria validado. Foi quando abri a Tunnel."
Otávio passou a pandemia dentro de casa, desenhando as estampas e escolhendo os tecidos. "A Tunnel se deu por toda essa união da operação pesada, da mineração, dos uniformes e do que eu tinha desenhado para o Senai Brasil Fashion, em que falei sobre moda apocalíptica, usando tecidos pesados." O estilista ressalta que, quando fala em uniforme, aborda também o trabalhador brasileiro que acorda de manhã para pegar o transporte até o serviço, em meio a todas dificuldades. Com o novo sócio, Mateus Pinheiro, Otávio está reformulando a marca, que terá novidades em junho de 2024.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte