É comum comparar o ato de inibir pensamentos negativos ao de colocar a sujeira embaixo do tapete. Essa é uma visão compartilhada por grande parte dos psicoterapeutas que defendem o conceito de que suprimir esses pensamentos pode até andar no sentido contrário da saúde mental. Aquilo que lhe provoca insegurança, medo, raiva, deveria ser pauta da psicoterapia. Dessa forma, evitaríamos que o inconsciente se infle de problemas mal resolvidos que podem gerar inúmeras consequências negativas ao corpo e à mente.
Antes de continuar, gostaria de abrir parênteses para dizer que isso que falamos anteriormente é o conceito de repressão de Freud, pai da psicanálise, terapia esta frequentemente questionada sobre sua real eficácia, especialmente por ter sido construída através da experiência clínica, apoiada por um corpo teórico invejável, mas não acompanhada desde sua origem pelo clássico método científico que define tantas intervenções terapêuticas como “cientificamente corretas”. Entretanto, pode-se acompanhar evidências científicas que a psicanálise tem, sim, sua eficácia.
Como exemplo, destaco uma metanálise publicada no JAMA (Journal of the American Medical Association) que condensou os resultados de 23 estudos e demostrou que, no longo prazo, a psicanálise foi mais eficaz que métodos terapêuticos de curto prazo em diversas situações, como transtornos de personalidade, múltiplos transtornos mentais e transtornos mentais crônicos. Parloff, em 1982, em um artigo que passou a ser um clássico da psiquiatria, chamou a atenção para o potencial equívoco em se querer começar a definir que um método de psicoterapia tem credibilidade se esse faz parte de uma lista de terapias que foram aprovadas através de rigorosos ensaios científicos, ameaçando todo o corpo teórico, experiência clínica e a arte envolvida nas psicoterapias ainda “cientificamente incorretas”.
- Programe intervalos no estudo e no trabalho e aumente a produtividade
- Experiência cognitiva durante a reanimação cardiopulmonar pode ocorrer
Agora, fechamos os parênteses. Um estudo publicado no final de setembro no periódico Science Advances e conduzido por pesquisadores da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, mostrou que pacientes que sofriam de ansiedade, depressão ou transtorno de estresse pós-traumático no auge da pandemia se beneficiaram de uma intervenção de curto prazo que treinava os voluntários a suprimir pensamentos negativos que os deixavam inseguros, preocupados.
Os resultados mostraram que esses pensamentos passaram a ser menos vívidos, geravam menos medo e houve também melhora de indicadores de saúde mental logo após a intervenção e três meses depois. É claro que ainda tem muita água para passar embaixo dessa ponte, já que os resultados precisam ser confirmados por outros estudos, amostragem mais ampla, maior tempo de seguimento, etc. Mesmo que isso aconteça, é preciso deixar claro que esse tipo de intervenção não invalida a riqueza de diversos outros tipos de psicoterapia.
Saiba Mais
-
Revista do Correio Projeto Galerias transforma comunidade ribeirinha em galeria de arte a céu aberto
-
Revista do Correio Comportamento animal: educar pets melhora dia a dia dos tutores
-
Revista do Correio Contracepção: desinformação é barreira para planejamento familiar
-
Revista do Correio Embelezamento exótico: entenda os estranhos tratamentos de beleza que fazem sucesso
-
Revista do Correio Entenda a complexidade da doença de Huntington, uma patologia rara e sem cura
-
Revista do Correio Sinônimo de energia! Café da manhã é essencial para a rotina
A inibição dos pensamentos negativos não teve efeito rebote, ou seja, não fez com que os participantes passassem a ter ainda mais ideias negativas. Esta foi uma grande contribuição da pesquisa, já que é comum o argumento de que um dos problemas da inibição é que ela pode desencadear esse efeito. Por fim, há um robusto corpo de evidências mostrando que essas estratégias de inibição ativam áreas do cérebro que inibem a atividade de centros da memória, como os hipocampos, podendo beneficiar sobremaneira pacientes com ansiedade e estresse pós-traumático.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília