Farinha pouca, meu pirão primeiro. Quando se pergunta a uma pessoa se ela tem interesse em saber as repercussões que uma escolha feita por ela mesma pode ter na vida dos outros, 40% respondem que não. Essa é conclusão de uma metanálise envolvendo 22 estudos com mais de seis mil pessoas nos EUA e na Europa Ocidental.
A lógica é esta: você pode receber, por exemplo, um prêmio de 50 reais, sendo que um desconhecido receberá a mesma quantia. Em vez de 50 reais, você pode optar por receber 60, mas o desconhecido receberá apenas 10. Quando as pessoas são perguntadas se querem saber o quanto a escolha de 50 ou 60 reais influenciará nos outros, 40% optam por não saber e abocanhar o maior valor, ignorando o que o outro receberia. Essa preferência em não querer saber é, de certa forma, um egoísmo que não ficará mal na foto, já que a pessoa tem o trunfo de não saber que o outro será prejudicado com sua escolha.
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O mesmo raciocínio é válido quando pensamos no consumidor inconsciente, aquele que não faz questão de saber da responsabilidade social ou ambiental da empresa que fornece um determinado produto. Acompanhamos alguns lampejos de boicotes a marcas que não agem dentro da legalidade e estão na contramão da sustentabilidade. O que dirá sobre não querer saber do impacto das mudanças climáticas, do alto consumo de carne bovina. A consciência pode levar as pessoas a se sentirem compelidas, inconvenientemente forçadas a fazer mudanças nos seus hábitos. Lembra-se do documentário sobre o aquecimento global Uma Verdade Inconveniente, com o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore? Vem à minha mente agora a impressionante Comfortably Numb (confortavelmente entorpecido), de Roger Waters, música com que ele abriu seu show esta semana em Brasília.
Não fiquemos desalentados com a espécie humana, pois o altruísmo existe independentemente de ter alguém olhando ou não. Entretanto, o efeito plateia existe, sim, e não é pequeno. O altruísmo é uma especial característica da espécie humana, já que estende os benefícios de nossas boas ações a indivíduos que não fazem parte do núcleo familiar. Atualmente, há uma forte linha de pesquisas que busca explicar as raízes de nossas ações altruístas através da ideia de que elas podem gerar ganhos do ponto de vista de reputação, colocando o altruísmo como uma possível vantagem evolutiva, ou seja, indivíduos com comportamento altruísta teriam maior chance de sucesso em gerar descendentes.
Esse efeito reputação é ainda mais reforçado por evidências de que ações altruísticas são maiores quando há plateia. Além dos potencias ganhos sociais, há outro nível de recompensa, já que nosso sistema cerebral de recompensa e prazer é ativado quando nos doamos para outras pessoas. O corpo atual do conhecimento nessa área nos faz pensar que nosso cérebro evoluiu para se sentir bem fazendo bem aos outros e que isso permitiu que aumentássemos nosso potencial de relações e procriação.
O comportamento humano frente a situações injustas reforça ainda mais o papel da reputação como base do altruísmo. Experimentos nos mostram que indivíduos que assistem a uma situação de injustiça, que não os afeta pessoalmente, ganham em reputação quando assumem um comportamento de punição à injustiça. Esse comportamento também ativa os centros cerebrais de recompensa.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
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