O hábito de colecionar coisas, mesmo que não tenham qualquer utilidade à primeira vista, é comum entre crianças e adultos, tanto em sociedades modernas quanto em primitivas. Tal hábito também é descrito em outras espécies. O costume de estocar alimento é descrito em inúmeras espécies, mas não é restrito à comida. Alguns tipos de pássaros costumam juntar objetos metálicos e coloridos e hamsters preferem colecionar contas de vidro a juntar comida.
A estocagem de alimento faz todo o sentido do ponto de vista de adaptação das espécies como forma de preparação para tempos de vacas magras. Entre os humanos, o comportamento de colecionador pode representar esse mesmo instinto arcaico, e é difícil pensar em alguém que nunca tenha colecionado nada durante a vida. As coleções podem ser justificadas pelo valor estético e emocional dos objetos, e até mesmo pelo material, como é o caso de obras de arte.
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O fato é que, em algumas situações, o comportamento de colecionador não traz nenhuma dessas justificativas anteriores e pode representar um sintoma patológico. O indivíduo coleciona exageradamente, de forma indiscriminada, e tem muita dificuldade de se desfazer das “quinquilharias”. Nesses casos, é mais comum a coleção de objetos que podem ser facilmente obtidos e, após a aquisição, eles são deixados de lado. O interesse pelos objetos volta a acontecer quando outra pessoa ameaça dar um fim na coleção. O ato de colecionar é um fim em si mesmo, comportamento semelhante ao dos roedores, que acumulam por acumular, independentemente se suas reservas estão em alta ou em baixa.
Várias doenças neuropsiquiátricas podem estar associadas a um comportamento de colecionador patológico, como é o caso do transtorno obsessivo-compulsivo, autismo, esquizofrenia, síndrome de Tourette e diferentes tipos de demência. Estudos recentes têm demonstrado que lesões ou alterações no funcionamento de regiões frontais do cérebro, especialmente do lado direito, estão associadas ao comportamento de colecionador patológico. É como se essa região do cérebro funcionasse como freio para o instinto arcaico de acumular por acumular, que tem origem em outras regiões do cérebro, como o sistema límbico, um dos maestros de nosso comportamento. Talvez as crianças ainda não tenham esse freio bem desenvolvido, pois se dependesse delas, elas teriam todos os modelos de brinquedos disponíveis no mercado. Consumismo pode não ser o melhor nome para isso.
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Em um extremo podemos imaginar o colecionador comum e “saudável”, que tem toda a obra de seu escritor predileto, e já leu boa parte dos livros que comprou. No outro extremo, está o indivíduo que começa a guardar em casa quilos e quilos de objetos sem utilidade que deveriam estar num ferro velho. Entre os dois extremos, estariam aquelas pessoas que leem ou consultam apenas uma mísera parte dos livros que compra, mulheres que têm um quarto em casa só para guardar a coleção de centenas de sapatos, pessoas que já têm uma respeitável “coleção” de dinheiro, suficiente para sustentar três gerações, mas continuam a trabalhar 18 horas por dia, também pelo prazer de ver sua coleção de milhões aumentar.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
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