Doenças genéticas que acometem humanos costumam acender alertas, especialmente no processo de gestação. No mundo animal não é diferente, certas combinações genéticas podem resultar em algumas condições que, a depender do nível, são capazes de interferir na qualidade de vida dos bichinhos.
O lábio leporino em cães e gatos é uma condição genética na qual o lábio superior não se desenvolve corretamente, causando uma abertura, que se comunica com a cavidade nasal. Mariana Paiva, médica veterinária formada pela Universidade de Belo Horizonte, explica que não existe uma causa exata para o animal nascer com a malformação, mas que, assim como nos humanos, é uma combinação genética e ambiental.
As médicas veterinárias Angelina Mascarenhas, especializada em medicina felina, e Isabella Conde, especialista em Neonatologia veterinária, explicam que a principal causa para que a malformação se manifeste é a consanguinidade dos pais, além de fatores como falta de vitaminas e algumas doenças infectocontagiosas durante a gestação.
A doença hereditária pode se apresentar em diferentes níveis. Mariana explica que, nos quadros mais leves, não representa risco para a vida do animal e não afeta a qualidade de vida, mas, em casos graves, a condição pode dificultar a alimentação. Quando filhotes, por exemplo, podem não conseguir sugar e engolir o leite materno, levando à nutrição inadequada e comprometendo o desenvolvimento.
Angelina aponta que, pelo menos nos primeiros 20 dias de vida do filhote neonatos, cuidados especiais são necessários, como alimentação por sonda orofaríngea e acompanhamento veterinário. "Nesse período, o veterinário vai instruir sobre quantidade e forma de alimentação, pois o neonato não consegue mamar sozinho, já que essa abertura faz com que ele não consiga fazer a sucção, pois não tem vácuo na hora da mamada, além do fato que podem aspirar o leite, causando outra graves complicações. Por esses motivos, é importante buscar ajuda de um profissional."
Geralmente, o tratamento do lábio leporino envolve intervenções cirúrgicas, que são realizadas com o objetivo de corrigir a malformação e melhorar a qualidade de vida do animal. A veterinária Mariana explica que, quando indicada, a cirurgia deve ser realizada a partir dos 3 meses de vida, pois, antes disso, submeter o filhote à anestesia é arriscado. Ela acrescenta que o procedimento só é necessário nos quadros em que o bem-estar do animal é muito afetado.
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Diferenças
Lábio leporino e fenda palatina são doenças hereditárias comumente confundidas pela similaridade. De acordo com Angelina e Isabella, o lábio leporino é uma malformação no lábio superior, e a fenda palatina o não fechamento do palato duro — popularmente falando, é como uma abertura no céu da boca. "Os animais podem nascer, individualmente, com uma das patologias ou as duas juntas. O importante, sempre que nascer um filhote, é fazer uma avaliação na cavidade oral, para certificar-se de que está tudo bem formado", alertam as especialistas.
"Tanto o lábio leporino quanto a fenda palatina são condições raras, mas acontecem. Com o diagnóstico precoce, a chance de sobrevida é grande. Sempre que identificar algum probleminha nos cães ou nos gatos é recomendado procurar ajuda veterinária o mais rápido possível. Tudo que é diagnosticado precocemente tem um prognóstico melhor", pontua Mariana.
Um lar definitivo
A médica veterinária Hellen Cristina é tutora de Lobinho, um cãozinho especial originário da mistura de husky com labrador. O filhote nasceu para Hellen por meio de uma publicação no Facebook, na qual o autor explicava que uma husky havia dado à luz alguns filhotes, mas aquele havia sido abandonado em um parque no Gama. Ninguém quis adotar o cãozinho pelo fato de ele apresentar algumas malformações.
Hellen se comoveu instantaneamente e entrou em contato com o autor da publicação, que explicou a ela que uma protetora já havia levado o filhote para cuidar temporariamente, enquanto não aparecia um lar definitivo para o pequeno. "Eu pedi o número dela, e ela contou que estava com ele, mas que não poderia ficar por muito tempo porque estava com outros animais em lar temporário. Então, fui até a casa dela e busquei Lobinho no mesmo dia."
Por ser médica veterinária, a tutora percebeu com facilidade que o filhote apresentava três malformações: lábio leporino, cegueira, com ausência dos dois globos oculares, e nariz bífido (dividido ao meio). "A minha reação foi acolhê-lo ainda mais. Inclusive, ele estava, até então, disponível para adoção, logo estávamos bem criteriosos para que quem fosse adotar soubesse tudo o que ele tinha e entendesse que teria que ter paciência, principalmente porque ele não enxergava e, por ainda ser muito bebê, ao fazer as necessidades fisiológicas, acabava pisando-as."
Hellen realizou exames de sangue e uma tomografia em Lobinho, que apontaram estar tudo bem. Apesar de não ter os globos oculares, o cãozinho é perfeito e tem ótimos resultados em todos os exames.
A priori, a ideia era que a casa da veterinária também fosse um lar temporário, mas o apego de Hellen e de seu esposo foi imediato, então Lobinho passou a viver definitivamente junto aos outros dois cachorrinhos da família, Joana e Marshmallow, e aos vários irmãos felinos que já moravam em seu novo lar.
A médica veterinária explica que todas as anomalias genéticas de Lobinho são extremamente raras e que ela e todos os veterinários que lidaram com o pet nunca haviam se deparado com nenhuma delas antes. Apesar disso, as alterações não afetam a qualidade de vida do cão, apenas o fato de ele não enxergar, mas com muita paciência dos tutores, lobinho aprende a viver melhor cada dia que passa.
"Como não havia nada de errado nos exames dele, optei por não realizar cirurgia plástica para juntar as narinas. A intervenção seria apenas por estética e não fazia sentido fazer isso, com um pós-operatório dolorido, e ainda teria chances de não dar certo e o focinho se dividir novamente. Todas essas alterações fazem ele ser diferente e mais especial, tornando-o mais único e mais lindo ainda."
Orgulhosa, Hellen conta que Lobinho é um cãozinho esperto, brincalhão, inteligente e muito carinhoso, que leva uma vida normal, feliz. O filhote, que hoje tem 3 meses, está sendo treinado para atuar como um cão de apoio emocional, tanto para a tutora quanto para visitar hospitais e levar alegria a pessoas que se encontram em momentos de dor e tristeza."
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte