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Homens, podemos conversar? Saúde mental também é importante

Falar sobre sentimentos e dores internas é um dos desafios da saúde mental. Entre os homens, a busca por uma rede de apoio ou um colo é ainda mais difícil. Estimular essa conexão diminui estigmas e valoriza a vida

Sofrer e ficar em silêncio não é a melhor opção, mas é o caminho que eles escolhem quando o assunto é falar sobre sentimentos. A ausência de comunicação no universo masculino está associada, por vezes, aos altos índices — e riscos — de suicídio. No mundo, os homens representam 78% de mortes por autoextermínio, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), coletados em 2019.

Em solo brasileiro, no mesmo ano, os números também apontaram um cenário preocupante. De acordo com números da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, homens apresentaram um risco 3,8 vezes maior de morte por suicídio que mulheres. A taxa de mortalidade por autoextermínio em 2019 foi de 10,7 por 100 mil, enquanto a do público feminino ficou em 2,9. Ainda segundo o Boletim Epidemiológico, o suicídio é um fenômeno complexo e multifacetado, que engloba características genéticas e culturais, fatores distais e experiências adversas ao longo da vida.

No entanto, o estudo revela que existem três dimensões da masculinidade que podem ter associação significativa com a piora mental: status de playboy (caracterizado por comportamentos com múltiplas parceiras e sem apego emocional); poder sobre as mulheres (tendência em achar que pode controlá -las); e autoconfiança (preferência em cuidar de si mesmo, optando por não procurar auxílio na hora de falar sobre sentimentos). Este último, certamente, é uma postura marcante no ecossistema do gênero.

Enraizada estruturalmente na sociedade, a inabilidade do homem em demonstrar fraquezas ultrapassa fronteiras ligadas somente à dificuldade em externalizar sensações e pensamentos. A verbalização transcende o silêncio, e correlaciona-se a aspectos culturais, sociais e ambientais. Entretanto, por mais complexo que seja, é preciso compreender: eles não são culpados por não conseguirem falar. Compartilhar preocupações, tristezas e angústias pode aliviar o fardo emocional. Mais que isso, ameniza dores que tendem a se intensificar com o passar do tempo.

Marcelo Tavares, doutor em psicologia e professor na Universidade de Brasília (UnB), acredita que o diálogo franco sobre saúde mental quebra tabus, diminui o preconceito e incentiva as pessoas a buscarem ajuda. “Quando nos abrimos, também damos exemplo e encorajamos outros a não guardarem os problemas só para si. É um passo essencial para criarmos uma sociedade mais empática, compassiva e mentalmente saudável”, descreve o especialista em intervenção em crise e prevenção do suicídio.

Em contexto amplo, essas considerações independem da idade ou do sexo. Ainda assim, o panorama é um pouco diferente quando pensado especificamente no público masculino. Racionalidade, controle emotivo e postura de força, por vezes, desmedida e fora do tom. As cobranças para com o homem, que acontecem desde a infância, criam barreiras para que eles expressem vulnerabilidades. E na tentativa de colocar essas emoções para fora, são vistos como fracos.

“Essa repressão pode levar à solidão, à angústia silenciosa e ao agravamento de problemas de saúde mental. Porém, uma verdadeira habilidade de enfrentar os agravos da vida requer sensibilidade para identificar, elaborar e lidar com esses desafios”, explica Marcelo. Os desafios fazem parte do percurso natural de qualquer pessoa. Sofrer, ficar triste, ansioso é normal — e esperado. Marcelo, entretanto, ressalta: validar essas emoções e oferecer suporte é fundamental. Fazer isso sem julgamentos pode impactar positivamente no combate às adversidades. O especialista afirma que é preciso encorajar os homens a se abrirem, conversarem com amigos próximos, familiares ou profissionais sobre o que estão sentindo.

Quanto mais natural for compartilhar essas experiências, menores são os riscos de que elas se agravem e se tornem comportamentos de risco ou, em alguns casos, ideações suicidas. “Promover grupos de apoio só para homens também pode ajudar nesse processo, criando um ambiente seguro para conversas abertas entre eles. Caso contrário, o silêncio diante de problemas emocionais e psicológicos pode, de fato, piorar muito o sofrimento.

Guardar a vida emocional só para si é um fardo pesado demais”, aconselha Marcelo. É nessa busca que muitos homens se encontram. Em rodas de conversa, se preenchem nas falas dos amigos e na verbalização deles próprios. Quantas coisas em comum são postas à mesa nessas reuniões. Dizer onde dói pode ajudar a curar. Entender isso é o primeiro passo para uma mudança concreta.

Um lugar de acolhimento

Em 2017, uma noite de reunião entre amigos para assistir a um documentário preparava para o futuro um movimento de força e acolhimento. Na época, partilharam a obra The mask you live in, que narra a importância de atuar ativamente na luta contra o machismo estrutural, educando crianças para se tornarem homens saudáveis. Fernando Aguiar, 39 anos, estava entre os presentes. Após o término do filme, ele relembra as discussões que tiveram.

A partir desse encontro, nasceu a vontade de repetir novos momentos. “Fizemos um grupo no WhatsApp e permanecemos com o debate. Em seguida, viajei para a Austrália e disse à comunidade que lá tinha uma reunião fantástica com assuntos relacionados. Foi quando eles disseram: vamos fazer o nosso aqui”, conta. O projeto Homens em Conexão (@homens. em.conexao) nasceu.

O psicólogo convocou uma reunião e a iniciativa começou a tomar corpo. Um lugar para acessar áreas do coração e da alma masculina que não eram ditas até então — longe do modelo patriarcal, machista e totalmente não heteronormativo. Uma casa para que o homem se sentisse bem-vindo, descreve Fernando. A consolidação do grupo ganhou constância após uma série de grandes encontros, feitos de duas a três vezes por ano. “Neles, temos Workshop, vivências dentro dos vários aspectos da masculinidade. Falamos, também, sobre paternidade, sexualidade e questões financeiras”, detalha.

Nas duas primeiras edições, mais de 250 homens estiveram juntos. Para este ano, está previsto um evento, de versão mais simples, em 4 de novembro. “O Homens em Conexão é um projeto sem fins lucrativos, com uma proposta central: incentivar a missão consciente entre o público masculino. Uma linguagem espontânea, que visa promover espaços de confiança, força e amorosidade masculina”, explica Fernando.

 

Arquivo pessoal - Unir os homens e compartilhar medos e inseguranças é o que os une

Quebrando padrões

Durante as conversas, ele observa que a maior dificuldade é pular para fora do padrão masculino imposto historicamente. Desvencilhar o homem do ideal de guerreiro que não pode falhar, ter medo, dúvida ou emoções — sem ser raiva — é um dos grandes desafios. Até mesmo para quem está há muito tempo nessa jornada. Isso porque, na visão de Fernando, esse modelo está arraigado em cada um, e retorna sempre que possível, de maneira sutil.

O músico Willians Jorge da Silva Junior, 35, acreditava ser suficientemente esclarecido para pensar que não era machista, já que diz sempre ter notado a diferença de tratamentos entre o sexo feminino e o masculino. Mesmo vivendo um relacionamento saudável e não violento, notou que o exemplo negativo dentro de si estava vivo, ainda que silenciosamente. “Percebi o meu machismo quando aprendi com a minha companheira sobre sobrecarga feminina, sobre como a mulher é ensinada a pensar em tudo, nas rotinas, saber onde estão as coisas. Quando vi que parte da minha ação estava baseada nessa sobrecarga, pensei que precisava aprender mais sobre isso”, confessa.

A esposa foi paciente de Fernando Aguiar, líder do Homens em Conexão. Com isso, vez ou outra, indicava o grupo ao marido. Em um determinado dia, resolveu dar uma chance para as reuniões. E enfatiza: foi uma das melhores decisões que tomou. No começo, o músico acredita que a fala não era um empecilho. Porém, atesta que foi uma experiência e tanto estar em um contexto afetivo com homens que buscavam saúde mental melhor.

Conseguir essa transformação, na prática, não é fácil, pois o trabalho diário consigo mesmo precisa observar detalhes jamais vistos na própria masculinidade. O processo pode ser lento, mas a melhoria é sempre possível, acredita Willians. “Homens precisam buscar a sua forma de ser homem através do autoconhecimento, pois a maneira que somos ensinados a lidar com isso passa por estereótipos caricatos e inalcançáveis.” Na melhor das hipóteses, conhecer-se para não sofrer. Para Willians, indo contra a maré do mundo, a maior fraqueza, na verdade, é não se permitir.

Fotos: Arquivo pessoal - Willians da Silva Junior buscou ajuda profissional e suporte emocional em grupo de apoio masculimo

Por dentro do machismo estrutural

Psicanalista e doutor em psicologia pela UnB, Felipe Baére destaca que alguns estudos no campo das masculinidades apontam que os elementos de reconhecimento social do sexo masculino se modificam com o passar do tempo. Se outrora o que denotava o valor de um homem era a força e a belicosidade para lutar guerras, hoje, essa validade é a relação entre trabalho e produtividade.

“A imposição da virilidade sexual sempre esteve presente como forma de demonstração do ser másculo. Contudo, esse vínculo identitário com o trabalho, tal como observamos na contemporaneidade, dialoga com as mudanças sociais desde a ascensão do capitalismo”, detalha. De acordo com o especialista, o machismo estrutural pode estar associado a esse contexto.

Isso porque dentro do conceito há uma necessidade permanente de comprovação da virilidade, na qual homens são colocados à prova o tempo inteiro. Quando meninos, são ensinados que a hombridade se dá através da resistência e da contenção de emoções. O psicanalista exemplifica com a metáfora da Casa dos Homens, criada pelo sociólogo Daniel Welzer Lang. Nela, o estudioso descreve esses espaços monossexuais, frequentados apenas por homens, no qual os mais velhos devem ensinar aos mais novos o que é, de fato, ser homem.

“A ideia é de uma casa, na qual apenas se ascende para os cômodos superiores passando pelas provas de resistência. Por isso são tão comuns entre os homens os comportamentos de risco, a agressividade e a violência, pois seriam signos de força e de reconhecimento na Casa dos Homens”, complementa. Para Felipe, as consequências desses ritos de passagem são a contenção emocional, o aumento do consumo de álcool e de outras drogas, além do entendimento de que um homem não precisa cuidar da saúde, mas, sim, da força corporal.

Tal pensamento corrobora ainda mais para uma ausência na atenção com dores internas e questões ligadas ao adoecimento mental. O psicanalista afirma que a construção das masculinidades se dá no imperativo e no negativo. “Um menino, quando pequeno, tem de aprender que não é filhinho da mamãe, que não é uma mulherzinha, que não é homossexual. Por isso, em nossas interações cotidianas, observamos reiteradas vezes a frase ‘Vira homem!’. Porque ser homem é ter que, o tempo todo, comprovar a hombridade perante os outros.”

Ele acrescenta que as ditas masculinidades frágeis são mencionadas por esse mesmo motivo. Qualquer desvio pode fazer com que o homem perca a virilidade e seja visto como “mulherzinha”. Na roda de amigos, isso soaria como um demérito, já que, no centro da construção das masculinidades, está a misoginia e o sexismo. Mudar essa rota temporal, trazida de tempos antigos até aqui, não é fácil.

A resistência com os próprios afetos impossibilita esse contato com o homem de dentro. “A única forma que é autorizada para os homens expressarem as suas emoções é através da agressividade. Ou seja, eles não choram, mas socam paredes diante da tristeza, da raiva, da angústia”, destrincha Felipe. Em comparação às mulheres, é muito menos frequente a presença de homens em exames de rotina. A visita ao médico só é vista quando o quadro clínico já se encontra prejudicado. Felipe observa que, na lógica masculina, se eles precisam ser resistentes e fortes, esse cuidado consigo mesmo demonstraria fragilidade.

De certa maneira, isso também repercute na saúde mental. Na maioria das vezes, a procura por algum profissional só acontece em estágios insuportáveis de dor. “Outro ponto importante de salientar, por estarmos no Setembro Amarelo, é que, no Brasil e demais países pesquisados pela OMS, o número de óbitos por suicídio é maior entre os homens. Isso porque eles costumam empregar métodos com maior potencial letal em suas tentativas. Se um homem não pode falhar nunca, isso também estaria presente durante a tentativa de tirar a própria vida”, discorre o psicanalista.

Embora a renúncia para com modelos e privilégios sociais seja difícil de acontecer, o debate em torno da construção das masculinidades tem crescido. Em geral, os homens não querem abrir mão de espaços de poder que ocupam. Entretanto, o surgimento de coletivos, rodas de conversa, que promovem o diálogo e discutem as violências e as opressões, indicam um rumo esperançoso. Um passo necessário, já que esse comportamento não impacta somente o homem, mas também a mulher. No Distrito Federal, por exemplo, 25 feminicídios ilustram uma realidade preocupante.

Contudo, ainda há um grande trajeto a ser percorrido. Para Felipe, é crucial construir pontes emocionais e outras pedagogias afetivas no entendimento social sobre o que é ser homem, além de abrir espaço e incentivar que os outros se autorizem a se vulnerabilizar e compreendam que, na composição da masculinidade, está o ódio às mulheres e ao feminino. “Acredito que tudo isso irá corroborar para que eles sejam sinceros e digam: eu não dou conta, e está tudo bem”, finaliza.

Diálogo sincero

Educação, comunicação e cuidado entre homens. O grupo Masculinities (@masculinitiesecc) nasceu de uma necessidade pessoal do psicólogo Rafael Gonçalves, 36 anos. Ele precisava falar e, mais do que isso, queria expandir o trabalho com outras pessoas. Criar um espaço para dialogar de forma sincera e respeitosa, acessar uma área sentimental com diversos obstáculos. Esse percurso não é linear, muito pelo contrário. Mas possibilita um encontro com emoções negligenciadas ao longo da vida.

“Queria um lugar seguro, franco, porque dialogamos muito sobre futebol, cerveja, etc. Porém, é um diálogo desatento, sem entrar nas questões com franqueza. Como facilitador de grupos há mais de 15 anos, juntei esse desejo à minha expertise de psicólogo. Estou com esse trabalho há oito anos, temos várias estratégias e caminhos”, comenta Rafael. Fortalecer-se, seguir no caminho e reconhecer que vários homens têm limitações e potências.

Na visão de Rafael, expressar-se pode ser o pontapé inicial para concretizar essa mudança que, para muitos, soa como irreal. “A gente precisa tocar esse barco. Isso é fundamental para a preservação da vida. Quero encorajar mais homens a experimentarem esses trabalhos. Não somente os coletivos, mas também as terapias individuais. Assumir essa tarefa é essencial”, recomenda o psicólogo. Nem sempre esse “eu real”, mencionado por Rafael, é bonito ou agradável.

A construção cultural do patriarcado, presa em meio à sociedade, dificulta esse processo. Ainda assim, é um movimento que precisa ser feito. “As novas gerações podem ter a oportunidade de falar mais sobre isso. Não é um processo linear, tem altos e baixos. Mas é necessário cuidar de si”, conclui.

A corrida para o desenvolvimento coletivo e individual tem sido motivo de orgulho para Rafael. O grupo existe desde 2016 e colhe frutos todos os anos. Hoje, os integrantes do Masculinities se encontram presencialmente, no Lago Norte, uma vez por semana, com mais de 10 homens. Dado o vínculo estabelecido, as reuniões, ao menos estas, não estão abertas. As inscrições para participação são feitas periodicamente, em março.

“No começo, o homem pode participar de dois encontros e decidir se quer continuar ou não. Caso queira, ele assina um contrato para permanecer frequente até o final do ano. Com isso, a jornada segue. Evidente que há outros encontros, com espaços abertos para que novos homens possam ser inseridos, mas este, especificamente, é fechado. Desenvolver a confiança durante o processo é um pilar para permanecer, já que demora muito até acontecer”, acrescenta.

Vinícius Borba - O grupo Masculinities existe desde 2016 e colhe frutos todos os anos

Eldernan dos Santos Dias, 44, olhou para si e decidiu buscar o Masculinities para ser um suporte mental. Durante a pandemia, alguns aspectos psicológicos foram impactados, ampliando ansiedade, traumas e medos que ele já guardava no peito. “Estou com eles há um semestre, período em que tenho aprendido muito sobre a importância da autorregulação emocional e do cuidado com a saúde mental. O grupo tem me ajudado a lidar com o luto, as cicatrizes e as dificuldades que surgiram nesse tempo desafiador’, comenta o professor.

Participar do Masculinities mudou a percepção de Eldernan no aspecto afetivo. Lá, encontrou um lugar acolhedor, em que pode compartilhar as preocupações, livre de julgamentos, além de obter apoio dos demais colegas e aprender estratégias para lidar com a saúde mental. A melhoria tem sido significativa. Trocar experiências com outros integrantes fez com que ele desenvolvesse habilidades que mal conhecia.

Fortaleceu a resiliência e descobriu novas formas saudáveis de enfrentar desafios diários. “Redes de apoio são fundamentais para promover o bem-estar, tanto individual quanto coletivo. Eles oferecem um ambiente de suporte e compreensão mútua, no qual os participantes podem compartilhar suas vivências”, relata Eldernan. O professor crê firmemente que se desgarrar de conceitos antigos na procura por uma vida melhor, como homem, é essencial.

Arquivo pessoal - Eldernan buscou ajuda depois de um período difícil durante a pandemia

Cenário local

A Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (DF) e o Comitê de Prevenção do Suicídio da pasta detalham que os dados relacionados ao tema na capital mostram a diferença do comportamento suicida entre os gêneros. E várias ações têm sido direcionadas para a saúde do homem, tanto do ponto de vista emocional quanto físico.

“O Comitê de Prevenção do Suicídio da SES/ DF tem promovido capacitações, cursos e criação de fluxos de atendimento na rede de saúde do DF com o foco na prevenção, intervenção e posvenção do suicídio. Nessas atividades, as realidades e questões culturais de cada território são analisadas cuidadosamente para que a assistência à população do DF seja adaptada às necessidades sociais e culturais dentro do princípio da equidade previsto pelo SUS”, informam.

De acordo com o Comitê, a literatura em suicidologia afirma que homens e mulheres tendem a adotar comportamentos autodestrutivos que são congruentes com as peculiaridades, construídas culturalmente, de cada gênero. “Mulheres tentam mais suicídio e homem morrem mais por suicídio. Esse fenômeno é chamado de Paradoxo de Gênero. Os fatores de risco e a proteção associados ao comportamento suicida precisam ser analisados de forma individual, mas, em geral, a menor ocorrência de óbitos por suicídio entre mulheres pode ser atribuída à maior busca por suporte profissional em saúde mental”, complementam.

Pontes emocionais

Em Brasília, o grupo Casa dos Homens (@ casadoshomens) é um dos pioneiros na proposta terapêutica voltada para o sexo masculino. Fundado em abril de 2011, veio ao mundo para estimular trabalhos como a escuta, a cumplicidade e a confiança. Companhias que visam a reflexão sobre o que é ser homem. “Em última instância, nosso foco é ajudar o público masculino a aumentar sua capacidade de serem verdadeiros consigo mesmos e com os outros”, declara Paolo Chirola, 52 anos, um dos organizadores das reuniões.

Ao lado do amigo Lucas Nóbrega, os dois implantam a metodologia de trabalho Core Energetics, uma abordagem que envolve tanto a dimensão corporal e energética, por meio de exercícios físicos, quanto a dinâmica psíquica e emocional mediante a partilha em espaços de fala e troca de experiência. Além disso, contam com outras atividades, como passeios na natureza; filmes; artes; palestras; fogueiras; jogos e brincadeiras; e muito mais.

“Nós, homens, ficamos distantes por muito tempo do caminho do autoconhecimento, achando que não precisávamos disso. Enquanto as mulheres estão caminhando, se conhecendo melhor, se desafiando e criando redes e espaços de expressão”, explana Paolo. Acessar intimidades, criar conexões, no campo do corpo e do afeto, sem medo de ter a masculinidade rebaixada por isso. Aliás, não existe essa preocupação no grupo, que conta com um número regular de 22 homens. Para participar, é necessário entrar em contato com os facilitadores. As inscrições são abertas no início e no meio do ano.

“Rompemos o pacto da ‘brotheragem’, que significa não transigir mais com pensamentos, falas e atitudes machistas de outros homens apenas para pertencermos ao grupo. E entendermos que, na vida em sociedade, privilégio não é direito. Mudar a chave do modo de performance aceitável ou internalizada de como ser homem para expor (diante de outros homens) aquilo que ocultamos/silenciamos”, termina Paolo.

Arquivo pessoal - Mais de 22 homens estão presentes nas reuniões regulares do grupo

Um novo começo

Talvez seja mais difícil se descobrir homem no mundo quando não há referências por perto. Lucas Amaral, 37, sabe bem como é crescer com essa ausência. Criado pela mãe, teve pouco acesso à presença afetiva do pai. Ainda na infância, viu familiares masculinos com problemas relacionados ao álcool, o que prejudicou ainda mais seu desenvolvimento. Desta forma, viveu entre as mulheres de casa.

Quando criança, enfrentou bullying na escola e conta que nunca conseguiu se encaixar bem em nenhum grupo de amigos homens. “Sentia alguma tensão para pertencer diante de necessidades que eles impunham: beber muito, pegar geral, etc.”, recorda o doutor em ciência política. Na fase adulta, percebeu o quanto esse processo o impactou. Um tema que era paradoxo para ele. Algo que precisava tratar e olhar com carinho.

Posteriormente, participou de uma comunidade de homens facilitada por terapeutas da abordagem na qual Lucas fazia terapia. “Em 2019, inspirado pelo documentário The mask you live in (A máscara em que vivemos), eu criei um grupo com outros dois parceiros. Caminhamos juntos até 2022, quando eu desenvolvi um grupo que sigo como único facilitador. Hoje, utilizo minhas habilidades como terapeuta corporal e facilitador de comunicação não violenta em grupos terapêuticos e reflexivos para homens”, descreve.

Começou como participante, até liderar trabalhos voltados à construção das masculinidades. O Ritho (Reunião de Integração e Transformação dos Homens), grupo de Lucas, teve início em dezembro do ano passado. Desde então, encontros periódicos em formato virtual e presencial acontecem. “A comunicação emocional é um tema importante no universo masculino. Eu ainda vejo bloqueios para expressar sentimentos e emoções vulneráveis, como a tristeza e o medo. Percebo que a identidade masculina está muito enraizada na expressão da violência e na negação dos outros”, enfatiza Lucas.

O efeito colateral desse comportamento, segundo o cientista político, é chamado de autocentramento masculino, que nasce da ideia de que o homem se coloca nas relações como padrão de referência. Ele já percebeu em si mesmo o egoísmo, o orgulho e a facilidade em expressar sentimentos mais agressivos do que outros mais profundos. No entanto, confessa ser um homem mais sensível, já que a criação lhe permitiu uma visão diferente de outros homens.

Ainda assim, vê nos colegas, diariamente, o quão difícil é fazer com que eles se abram. Nas terapias e rodas de conversa, ele e os integrantes exercitam a prática da fala, expressando sentimentos, tanto para sorrir quanto para chorar. “Eu me desenvolvi muito como pessoa desde que iniciei minha caminhada em grupos reflexivos e terapêuticos para homens. Pude ir percebendo a necessidade de não mais silenciar quando estou numa comunicação sobre emoções e sentimentos, com finalidade terapêutica ou reflexiva”, assegura. O apoio, segundo Lucas, é central na construção de novas vivências masculinas. Redes afetivas, por meio de uma sociabilidade amistosa, fraterna e companheira.

Arquivo pessoal - Reunião do projeto RITHO (Reunião de Integração e Transformação dos Homens)

Você não está sozinho

Ebert Duran, 37 anos

“Falar dos meus sentimentos me ajudou a lidar e, eventualmente, curar certos traumas e medos que adquiri na infância. Falar como me sentia tirou muito peso da consciência e me fez ficar mais à vontade perto de pessoas queridas. Com certeza, ajudou em todas as minhas relações: pais, amigos, amores!”

Vinicioz Bórba, 38 anos

“Ter espaço de confiança, entre homens, para dialogar sobre minhas dores foi de imensa cura. Ainda sinto desafios com meu machismo, mas descobri forças no exemplo de outros caras para melhorar e ser um melhor companheiro, um melhor pai, e melhor comigo mesmo. E mesmo quando não falava, ao ouvir as dores e alegrias dos outros, conseguia conectar com lugares não vistos da minha memória. Isso foi sempre muito libertador.”

Ivan Antunes, 38 anos

“Falar dos meus sentimentos para outros homens foi um desafio imenso. Reconhecer as minhas fraquezas e expô-las foi a chave para uma mudança profunda de como eu era e de como, hoje, me apresento para o mundo. Foi aprender a dizer não, foi reconhecer que não sou assim tão bom, que tenho defeitos, fraquezas e uma porta se abrindo para eu aceitar minha sombra.”

Lucas Sant’ana, 31 anos

“Vivi um período com dificuldade no alcoolismo, foi quando conheci o grupo. Fui apresentado por um amigo, o diálogo me fez enxergar a necessidade de buscar uma ajuda, então decidi procurar um acompanhamento psicológico. Hoje, consegui largar o vício. Ainda é um momento novo, mas tenho me sentido bem a cada passo dado.”

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