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Desvendando o cosmos cognitivo: esclerose múltipla X ELA

Esclerose lateral amiotrófica e esclerose múltipla são duas condições neurológicas que frequentemente são confundidas devido à sua natureza complexa e à falta de conhecimento detalhado. No entanto, é essencial reconhecer que são doenças distintas e com características únicas

Contemplar o cérebro é como olhar para o vasto cosmos, onde cada neurônio e sinapse brilham como estrelas que iluminam nosso próprio ser. Nesse espaço-tempo repleto de mistérios das doenças neurológicas, existem duas condições, a esclerose lateral amiotrófica (ELA) e a esclerose múltipla (EM), que se destacam como galáxias únicas e enigmáticas.

À semelhança dos astrônomos que exploram o universo em busca de segredos cósmicos, médicos e cientistas empenham-se em decifrar os enigmas que cercam a ELA e a EM. Aqui, as causas, os sintomas e as abordagens de tratamento divergem como constelações distintas.

A compreensão dessas diferenças é fundamental, não apenas para os pacientes em suas jornadas de enfrentamento, mas também para os cuidadores e profissionais de saúde que anseiam lançar luz sobre o caminho em direção a terapias mais eficazes e o aprimoramento na qualidade de vida.

O caso do físico teórico e cosmólogo inglês Stephen Hawking, que sobreviveu por 55 anos com ELA — falecendo em 2018 — e em atividade profissional, ganhou notoriedade, principalmente por sua raridade, considerando que a maioria dos pacientes tem baixa expectativa de vida.

Segundo o neurocirurgião funcional Bruno Burjaili, ambas as doenças não têm cura, mas os tratamentos podem ajudar a retardar a progressão e a melhorar a qualidade de vida. No entanto, apenas 20% dos portadores da ELA vivem cinco anos ou mais após o início dos sintomas e apenas 10% vivem por mais de 10 anos.

O especialista ressalta que a ELA envolve complexos fatores genéticos, enquanto a EM é autoimune e pode não afetar significativamente a expectativa de vida do paciente, mas progride rapidamente na ausência do tratamento adequado, piorando os sintomas gradualmente e afetando a mobilidade e a sensibilidade.

"Essas doenças podem ser tratadas com o auxílio de medicamentos. No caso da ELA, eles ajudam a reduzir a progressão da doença, enquanto para a EM, em geral, reduzem o impacto e a recorrência de episódios."

Burjaili acrescenta que são recomendadas técnicas como fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia para melhorar a qualidade de vida do paciente. "Ambas são diagnosticadas por exames clínicos, neurológicos e de imagem específicos, como a ressonância magnética e análise do líquido cefalorraquidiano para EM, eletroneuromiografia, estudos de condução nervosa para ELA, e análise de sintomas e histórico familiar."

O médico afirma, ainda, que novas técnicas de tratamento e detecção precoce ajudam a melhorar a expectativa de vida de pacientes com essas doenças. Além disso, estudos e pesquisas melhoram a compreensão do cérebro e o desenvolvimento de tratamentos direcionados.

Duas galáxias neurais

Em reação aos sintomas, as galáxias espirais, como a Via Láctea e a nossa vizinha Andrómeda (M31), podem ser comparadas à esclerose múltipla, pois exibem simetria com braços espirais e manifestações clínicas heterogêneas em diferentes partes do sistema nervoso central (SNC), com surtos e remissões.

De acordo o especialista Bruno Burjaili, na EM, o sistema imunológico é afetado, causando inflamação e danos à mielina. “Fraqueza muscular, falta de equilíbrio e descontrole urinário, dormência, problemas cognitivos e visuais são os principais sintomas.”

Galáxias elípticas, como a M87 (NGC 4486), se assemelham aos sintomas da Esclerose lateral amiotrófica, exibindo uma aparência ordenada e simétrica, sendo mais uniforme e previsível, diferentemente da EM. Além da sua progressão homogênea e à falta de tratamento curativo eficaz, seus sintomas envolvem fraqueza muscular, perda de coordenação, dificuldade na fala e deglutição, além de problemas respiratórios.

Na ELA, os neurônios motores que controlam os músculos são danificados, enquanto na EM, os neurônios que formam a bainha de mielina ao redor dos axônios são afetados.

A luz que guia a compreensão

Cientistas americanos publicaram, em 23 de agosto, estudos bem-sucedidos, na revista Nature, envolvendo duas mulheres diagnosticadas com ELA que recuperaram a capacidade de fala após a implantação de eletrodos cerebrais.

Ambas as pacientes, que enfrentavam paralisia devido à doença, tiveram quatro eletrodos cerebrais implantados em áreas relacionadas à fala em seus cérebros.

Esses sensores, do tamanho de pílulas, identificaram sinais enviados às regiões da boca e da mandíbula, responsáveis pela produção de sons, decodificaram esses sinais, transformando-os em palavras exibidas em uma tela de computador.

O sistema, inicialmente, necessitava de cabos conectados ao computador, mas pesquisadores buscam desenvolver versões sem fio para maior comodidade.

O procedimento permitiu a decodificação de palavras a uma velocidade de 62 palavras por minuto. O objetivo é alcançar a velocidade normal da fala, que chega a 160 palavras por minuto, em fases futuras da pesquisa.

Tratamento de doenças do cérebro

Os implantes de eletrodos cerebrais estão sendo explorados como uma opção promissora para tratar condições que afetam áreas específicas do cérebro.

Essa tecnologia já é utilizada para melhorar sintomas de condições como tremor essencial, Parkinson e distonia, comumente referido como "marca-passo cerebral" ou "DBS".

O neurocirurgião Bruno Burjaili observa que muitos pacientes já se beneficiam desses implantes para tratar sintomas como tremores, lentidão e rigidez muscular.

A nova pesquisa indica que uma técnica semelhante pode ser aplicada a pacientes com ELA e outras doenças neurodegenerativas, especialmente em relação à capacidade de comunicação verbal.

Burjaili ainda destaca a importância desses avanços e a possibilidade de beneficiar um grupo mais amplo de pacientes, possibilitando a comunicação por meio da fala para aqueles afetados por ELA e, possivelmente, outras condições semelhantes.

Palavra do especialista

Quais são as últimas descobertas científicas ou avanços no tratamento de ELA e EM que oferecem esperança aos pacientes?

Nos últimos anos, houve avanços significativos no tratamento da ELA e do EM. Novos tratamentos mais eficazes e com menos efeitos colaterais foram desenvolvidos e aprovados por agências regulatórias, incluindo a Anvisa. Embora ainda não haja cura, esses medicamentos oferecem um bom controle da doença, permitindo que os pacientes levem vidas mais próximas do normal.

Como as abordagens de tratamento específicas para ELA e EM estão evoluindo para se adaptar às necessidades individuais dos pacientes?

Atualmente, há várias opções de medicamentos para esclerose múltipla, incluindo formas oral, subcutânea e intravenosa, com diferentes frequências (diária, semanal, mensal e semestral) e são escolhidas com base nas características individuais de cada paciente. Além disso, houve avanços no uso seguro de medicamentos de alta eficácia durante a gravidez e a amamentação, proporcionando mais opções para as mulheres que desejam amamentar. Esses avanços representam uma esperança significativa para os pacientes, e essa variedade permite escolher tratamentos adaptados ao estilo de vida, melhorando a adesão e representando um avanço significativo.

Existem esforços de conscientização ou iniciativas de pesquisa em andamento que os leitores possam apoiar ou contribuir para uma melhor compreensão e tratamento dessas doenças?

As pessoas, no geral, podem apoiar iniciativas de conscientização e pesquisa para melhor compreensão e tratamento de doenças autoimunes do sistema nervoso central, como a esclerose múltipla. Existem associações de pacientes a nível nacional e local, como a ABEM, Amigos Múltiplos e APEMIGOS, que promovem a conscientização e trabalham para implementar políticas públicas que melhorem o acesso a exames diagnósticos e tratamentos. O apoio da sociedade, principalmente em consultas públicas, é essencial para garantir um acesso mais individualizado e eficaz aos pacientes que enfrentam essas doenças.

Felipe Ghlen é neurologista do hospital Sírio-Libanês em Brasília e especialista em esclerose múltipla

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

 

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