Apenas cinco horas de viagem de carro separam Des Moines — a capital do estado de Iowa, no meio-Oeste dos Estados Unidos — de Chicago, a cidade mais populosa de Illinois, que concentra big techs, como Google, e empresas de inovação, como a Uber.
Mas não é só a estrada que liga uma região-celeiro, a maior em produção agrícola nos EUA, a uma cidade moderna, que é um dos maiores ambientes de negociação de derivativos do mundo e referência na formação de preços global, incluindo commodities, energia, taxas de juros, índices de ações, câmbio e metais, por meio da Bolsa de Chicago.
Tecnologia é o que conecta Des Moines a Chicago. E ela é praticamente um sinônimo da John Deere, uma companhia centenária, que nasceu em Moline, em 1837, para construir arados, e hoje é uma multinacional líder global na produção de equipamentos e soluções agrícolas, de construção e florestais, além desenvolver componentes de transmissão e motores para equipamentos industriais e marítimos, entre outros. O faturamento passou dos R$ 250 bilhões em 2022.
Em agosto de 2022, a John Deere inaugurou um prédio em Chicago. Transformou uma antiga fábrica de empacotamento de carnes em um ambiente ultramoderno, sem paredes e com espaços planejados para relaxamento e para despertar a criatividade, como dita o manual das big techs.
Foi um passo simbólico em sua estratégia de reposicionamento de marca, que envolve muito além da meta de triplicar o número de máquinas conectadas, hoje no patamar de 500 mil no mundo. A companhia deseja chegar lá com as melhores práticas ESG (Environmental, Social, Governance), o que significa, entre outras medidas, abraçar a causa da diversidade e atrair talentos da área de tecnologia, o que já vêm ocorrendo.
Não à toa investiram em sistemas de FoodBanking, servindo 128 milhões de refeições em 2021, o que equivale a mais de US$ 32 milhões em ajuda econômica aos mais vulneráveis nas comunidades onde atuam. Só no Brasil, em 2022, foram investidos R$ 56 milhões em programas sociais.
Foi para conhecer os planos, as tecnologias e as instalações da empresa que um grupo de jornalistas brasileiros desembarcou nos Estados Unidos para um tour. Além do escritório em Chicago, visitou a fazenda-teste, que é um grande laboratório de experimentos em Des Moines; o superestande em uma feira agrícola e um escritório em Urbandale, onde passado e presente se conectam.
Presença brasileira
Nossa visita à feira agrícola coincidiu com a de um grupo de 36 brasileiros que viajaram para conhecer novas tecnologias e compartilhar os desafios do agro brasileiro, em especial do Centro-Oeste. Entre eles, José Augusto Araújo, CEO da MAQCAMPO, concessionária John Deere, com sede no DF, que atende a região, incluindo Goiás; o agricultor Henrique Cenci, que atua no DF e em Goiás; e a agricultora Daniele Kataki, com negócios em Goiás e no Tocantins, uma das duas únicas mulheres presentes na comitiva.
Eles falaram sobre a realidade da agricultura do cerrado brasileiro para mais de 350 pessoas. Mostraram a importância dos avanços tecnológicos e o quanto é essencial estar preparado para amanhã, ou seja, o futuro imediato. As tecnologias já estão disponíveis e precisam ser utilizadas para aumentar a produtividade e melhorar a rentabilidade, mas com sustentabilidade. Não há tempo a perder.
A apresentação deles foi durante a visita à Farm Progress Show, uma das maiores feiras agrícolas do mundo, em Decatur, no estado de Illinois, que expôs lançamentos e tendências em equipamentos. No estande da John Deere, a menina dos olhos era o trator modelo D, que começou a ser produzido há 100 anos, e foi a série de tratores que mais tempo ficou na linha de produção da empresa: 30 anos. E ao lado dele, o mais novo, maior, moderno e potente, o 9RX.
Há 185 anos, a John Deere lidera o desenvolvimento de soluções inovadoras para ajudar os clientes a se tornarem mais produtivos de forma sustentável. Produzem máquinas e aplicações inteligentes e conectadas, com o objetivo de revolucionar as indústrias agrícola e de construção. Garantem ainda o acesso contínuo a peças, serviços e atualizações de desempenho, desde a entrega até a troca, fornecendo suporte de classe mundial durante todo o ciclo de vida dos equipamentos aos clientes.
José Augusto Araújo, 45 anos, CEO da MAQCAMPO, tem duas décadas dedicadas ao agronegócio. Começou sua carreira como office-boy e hoje sua empresa tem 22 unidades no DF, noroeste mineiro, leste de Goiás e no Tocantins. Conhece bem a imensa diversidade de culturas do Centro-Oeste brasileiro. "Aqui na região, temos todo tipo de grãos. Temos algodão, cana, hortifrúti, toda a diversidade para a produção de alimentos."
Ele conta que, desde 2009, faz viagens aos Estados Unidos para acompanhar de perto as tecnologias lançadas por lá e que demoravam um pouco para chegar ao Brasil. "Já trouxemos 400 clientes para esta feira ao longo dos anos com o objetivo de conhecer as tecnologias e melhorar também nossa produtividade", explica.
O CEO é também um propagador da diversidade de culturas do cerrado. Ele conta que isso se deve a algumas peculiaridades do clima e do solo. "Temos uma excelente altitude, que é extremamente propício para noites frias, o que é muito bom para algumas plantas, como o milho. Nós também temos uma radiação solar por 10, 12 horas por dia, na maior parte dos meses do ano, o que é muito favorável ao crescimento das plantas. Por isso, temos a capacidade de fazer duas safras cheias. Isso já se tornou uma tradição. E isso se deve também à tecnologia", explica.
José Araújo explica que, atualmente, a região do DF e adjacências, num raio de 200km, é uma das áreas mais produtivas do país, com capacidade, graças ao maquinário, de fazer até uma terceira safra, integrando lavoura com pecuária.
Neta de imigrantes, Danielle Kataki, 35, biomédica e tecnóloga em agronegócio, era uma das duas mulheres presentes na comitiva. Ela acredita que representar o agro brasileiro lá fora é uma grande oportunidade para dar visibilidade às mulheres em um setor ainda dominado por homens. "O agro ainda é muito masculinizado, um mercado em que a gente ainda tem que mostrar que ganha pelo empenho no trabalho e pela dedicação. Estar nesses lugares, como esta feira, é abrir portas para uma nova geração de agricultoras. E isso, para mim, é muito."
Um robô para semear o campo
Além da feira, os brasileiros conheceram a fazenda de teste de máquinas agrícolas, em Des Moines, e um centro de inovação, a ISG (Intelligent Solutions Group) Test Farm, que concentra os segredos da John Deere, em Urbandale, Iowa. Um espaço totalmente monitorado e com regras de confidencialidade para
evitar vazamento de informações.
Ali, os brasileiros — recepcionados por Heather Van Nest, diretora, e dois brasileiros, Felipe Santos e Marcio Neutzling, que trabalham na companhia — foram apresentados a um trator autônomo, ao pulverizador See & Spray e à colheitadeira X9. Todos esses equipamentos foram criados para produzir mais e melhor, na mesma área, e com sustentabilidade.
O pulverizador See & Spray é composto por sensores e robótica, que registra quando cada semente individual entra no solo. A partir dessa informação, um robô pulveriza apenas a quantidade de fertilizante
necessária diretamente sobre a semente, no momento exato em que ela vai para a terra.
Com ajuda da Inteligência Artificial e de câmaras para para aplicar o defensivo apenas nas plantas daninhas, o sistema proporciona maior produtividade, rentabilidade e sustentabilidade à produção agrícola, reduzindo em mais de 60% a quantidade de fertilizante utilizada no desenvolvimento inicial da planta. Ainda está em teste. O equipamento auxiliará os agricultores a serem econômicos e ambientalmente sustentáveis, pois há um árduo trabalho no cultivo de alimentos, combustível e fibras dos quais há uma dependência mundial.
Para otimizar a operação, o trator autônomo possui seis pares de câmeras estéreo, que permitem a detecção de obstáculos em 360º e o cálculo da distância. Assim, a máquina “decide” se deve continuar se
movendo ou deve parar. Ela está preparada para operar 24 horas, sete dias por semana, parando apenas para fazer o reabastecimento a cada oito horas em média.
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No Brasil
Entre os produtos em uso no Brasil está a colheitadeira da série S700, primeira do mercado nacional “totalmente” automatizada. A máquina tem duas câmeras inteligentes que fazem imagens a cada dois segundos para a leitura da passagem do grão e realizam ajustes automáticos a cada três minutos. Além
disso, está em fase de testes no Brasil as máquinas desenvolvidas pela John Deere em uma jointventure com a GUSS Automation, empresa pioneira em tecnologias semiautônomas para pulverização em pomares e vinhedos.
Os pulverizadores podem ser supervisionados remotamente, a partir de um tablet, por um único operador, permitindo aos produtores pulverizar de forma mais rápida e consistente, usando menos recursos e reduzindo custos. As máquinas também controlam as taxas de aplicação e a velocidade do pulverizador em campos inteiros e em terreno variável, com parâmetros de software ajustáveis.
Entrevista// Henrique Cenci
Agricultor com atuação no Distrito Federal e em Goiás, Henrique Cenci falou sobre os desafios da produção agrícola no Centro-Oeste brasileiro e como as máquinas autônomas estão sendo usadas em busca da eficiência. Segundo ele, o maquinário moderno permite que ele saia do operacional e tenha mais tempo para se dedicar à gestão da fazenda.
Como é a experiência de divulgar a agricultura brasileira nos Estados Unidos?
É algo que marca a nossa vida, principalmente porque nos faz perceber que temos relevância para eles, tanto que estão atentos às nossas demandas. A agricultura evoluiu muito nos últimos anos, e o desafio a cada dia que passa é maior. Margens estreitas nos obrigam a nos desafiar a cada dia, buscando conhecimento e tecnologias para sermos mais eficientes e tornar nosso negócio economicamente viável e sustentável.
Como vê o futuro da agricultura do Centro-Oeste com a evolução das conexões tecnológicas?
O Centro-Oeste já é uma referência em uso de tecnologias e também em produtividade. Mas essa oportunidade, em que visitamos a John Deere, serviu-nos de alerta. Precisamos acompanhar esse desenvolvimento tecnológico e estruturar nossas fazendas e equipes para que estejamos aptos a implantar essas novas tecnologias quando chegarem ao Brasil.
Quais os principais desafios do agricultor hoje?
Hoje, nosso maior desafio é da porteira para fora, pois o agricultor brasileiro não tem que ser bom somente em produzir e, sim, tem que entender de administração, contabilidade, direito, mercado mundial e muitos outros segmentos. Temos uma legislação tributária, trabalhista e ambiental que nos demanda muita atenção e sobrecarrega o produtor rural.
O que de mais importante o produtor brasileiro pode ensinar aos produtores de outros países?
No Brasil, uma parcela da sociedade ainda desconhece o agronegócio. Isso resulta em uma avaliação negativa do setor por falta de conhecimento. Temos que melhorar nossa comunicação, tanto interna quanto externamente. Somos responsáveis ambientalmente, mas não comunicamos isso corretamente para o mundo. E isso gera barreiras comerciais injustas. Nos últimos anos, aumentamos nossa produtividade em relação à abertura de novas áreas de maneira positiva. Podemos ensinar ao mundo como produzir mais usando menos recursos naturais. Somos campeões em conservação do solo, graças à adoção do plantio direto em palhada. Produzimos duas safras ao ano, fruto de avanços na pesquisa, e somos gratos à Embrapa por isso. Queremos continuar contribuindo com a missão de alimentar o mundo, sempre em sintonia com o meio ambiente e a sociedade.
John corria na frente
John Deere costumava dizer que “ninguém corria mais que um cervo”. Portanto, nenhuma imagem seria mais apropriada para simbolizar seu império. John acostumou-se a correr na frente.
Inventor do arado de aço, sempre fez do campo um laboratório de experiências inovadoras. Aficionado por arte, história e política, caminhou à frente sem esquecer as referências do passado, guardadas no John Deere Pavillion, em Moline, onde nasceu a companhia, que abriga um museu de equipamentos agrícolas.
A imagem do cervo está por todos os espaços, incluindo o escritório em Urbandale, onde fica o centro tecnológico, lugar de trabalho de 800 pessoas. Um arado de 1874 na porta de entrada reflete o contraste com o desenvolvimento das máquinas modernas — a Deere & Company investe anualmente US$ 5 bilhões em pesquisa e desenvolvimento. O local tem um museu a céu aberto, que conta a história da companhia e abriga obras de arte valiosas.
O prédio de Chicago, comprado recentemente, é o símbolo máximo do que a companhia vislumbra para
John corria na frente o futuro. A imponente estátua de ferro de um cervo saltando fica no quarto
andar, em um roof top.
O espaço também é um convite, como explica Crystal Jones, head regional de Talent Acquision da John Deere, atuante nos Estados Unidos, Canadá e Austrália. A ideia é atrair e reter talentos diversos, inclusive de gigantes de tecnologia vizinhas, como Google e Uber. “Estamos interessados em diferentes talentos, temos que estar perto deles”, diz.
Criatividade
Sinuca, academia, rooftop para lazer e cerveja na torneira da copa são estímulos para conquistar talentos de desenvolvimento de tecnologia em inteligência artificial, engenharia de dados, software, big data e automação. Ou seja, a companhia que ganhou o campo quer incorporar à sua marca um viés urbano, tecnológico, inovador e diverso. Ter duas mulheres negras na liderança desse espaço já é parte desse caminho.
Johane Domersant, diretora global de diversidade, equidade e inclusão, mostra que a empresa se transformou para acompanhar a tendências apresentadas pela sociedade: “Mudamos e estamos totalmente envolvidos em relação à diversidade”.
“Nos nossos processos seletivos, as questões de raça e gênero são tratados com o devido respeito e valorização na hora das escolhas”, explica ela.
A jornalista viajou a convite da John Deere