Saúde

Os novos desafios no combate à covid-19 e um alerta à baixa vacinação

O Ministério da Saúde e as sociedades médicas têm empreendido vários esforços para recuperação das coberturas vacinais. A imunização em dia protege o indivíduo de desenvolver complicações

Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou que o surto do novo coronavírus tratava-se de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) — o mais alto nível de alerta da OMS, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Em 11 de março do mesmo ano, a instituição apontou que a emergência causada pelo coronavírus atingiu o patamar de uma pandemia.

Os anos que sucederam o alerta foram considerados assustadores no mundo inteiro. A covid-19 vitimou, de forma fatal, milhões de pessoas ao redor do mundo. A situação só foi controlada após o início da vacinação, que contribuiu para a queda gradativa no número de mortes. Contudo, o cenário que foi considerado aterrorizante durante três anos, parece ter sido facilmente esquecido pela população, visto que o número de vacinados com a dose de reforço é baixo em todos os estados.

Apesar de muitas pessoas acharem que a pandemia e o coronavírus são assuntos do passado, há pontos de suma importância que merecem atenção, não só dos profissionais da saúde, mas da sociedade como um todo. A covid longa e a baixa adesão à vacina são assuntos que têm gerado alerta. Entenda o porquê. 

A imprevisível covid longa

Os rastros deixados pela pandemia da covid-19 não se abreviam ao luto da perda. O cenário encontrado pelos sobreviventes difere do que era vivido antes, ainda que a baixa adesão à vacina comprove que algumas pessoas não sintam o impacto disso. O vírus deixou sequelas ainda estudadas. A covid longa tem sido, atualmente, uma das maiores preocupações dos profissionais da saúde. De acordo com especialistas do Instituto para Métricas e Avaliação de Saúde Americano (IHME), a condição ocupou o primeiro lugar dos 11 problemas globais de saúde a serem observados em 2023.

O que é?

Covid longa refere-se a sintomas prolongados que algumas pessoas experimentam quatro semanas após terem sido infectadas pelo SARS-CoV-2. Sérgio Cimerman, médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e do Hospital Israelita Albert Einstein e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, explica que a sequela pós-covid pode persistir desde a doença inicial ou ser desenvolvida após a recuperação, podendo ir, vir e recair com o tempo. O especialista aponta que a covid longa pode afetar crianças, jovens, adultos e idosos. No caso das crianças, é ainda mais difícil diagnosticar com precisão.

Sintomas

Os sintomas são extensos, frequentemente sobrepostos e variáveis ao longo do tempo. As complicações relacionadas ao quadro podem afetar o pulmão, o coração e o sistema nervoso, causando fadiga, problemas de memória, depressão e ansiedade, entre outros. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 10% a 20% das pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 podem desenvolver alguns dos mais de 200 sintomas de covid longa. Os mais comuns:

- Cansaço ou fadiga que interfere na vida diária
- Mal-estar após esforço
- Febre
- Dificuldade em respirar ou falta de ar
- Tosse persistente
- Dor no peito
- Palpitações cardíacas
- Dificuldade para se concentrar
- Dificuldade de raciocínio, chamado de nevoeiro cerebral
- Dor de cabeça
- Problemas de sono
- Tonturas ao se levantar
- Mudança na percepção de cheiro ou sabor
- Depressão
- Ansiedade
- Diarreia
- Dor de estômago
- Dores articulares ou musculares
- Irritação na pele

Diagnóstico

A condição é diagnosticada por um profissional de saúde por, pelo menos, quatro semanas após o paciente ter testado positivo para covid-19 e apresentar sintomas prolongados. Até o momento, não há previsão de quanto tempo a condição pode durar, mas estudos apontam seis meses. “É tão difícil a questão do diagnóstico da covid longa que nós temos ambulatórios, em alguns serviços de escola, para tratamento da condição, e há dificuldade em incluir pacientes nos ambulatórios porque o médico não sabe se são sintomas de uma patologia do indivíduo ou uma complicação da covid longa”, aponta Cimerman.

Tratamento

Não existe tratamento formal específico para a covid longa. Algumas terapias comumente disponíveis com abordagem multidisciplinar podem aliviar os sintomas, ajudando os pacientes a recuperar sua função física, cognitiva, emocional e a qualidade de vida.


Fatores de risco para desenvolvimento da covid longa

- Idade (avançada ou mais jovem)
- Sexo feminino
- Grupo étnico minoritário
- Obesidade
- Tabagismo
- Quadro clínico grave
- Presença de comorbidades
- Maior carga de sintomas
- Internação hospitalar
- Suplementação de oxigênio

Baixa adesão à vacina

Embora a covid-19 não seja mais uma emergência sanitária, ainda é motivo de preocupação. De acordo com o Ministério da Saúde, no Brasil, todos os estados têm uma porcentagem de menos de 30% da população vacinada com a segunda dose de reforço. Apenas São Paulo e Piauí estão acima dessa margem (com 31% e 32%, respectivamente) — indicativo preocupante para o Ministério da Saúde e para as Sociedades Médicas.

Marco Aurélio Safadi, médico infectologista e diretor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, explica que quando se obtém 95% da população imunizada, mesmo que o vírus entre naquela sociedade, não é capaz de se espalhar, pois encontra ao seu redor pessoas protegidas. “É por isso que a vacina não é um instrumento individual, mas de saúde pública. A hora que se alcança elevada cobertura vacinal, temos aptidão para controlar uma doença.”

Doses periódicas de vacinas contra a covid-19 desempenham um papel crucial na ampliação e prolongamento da imunidade adquirida por meio da vacinação. Sabe-se que a resposta imune para o coronavírus declina acentuadamente com o tempo. “O mais importante hoje não é quantas doses de vacina foram tomadas no passado, mas há quanto tempo tomou-se a última dose. Ter uma dose de vacina recente é essencial neste momento para estar protegido, e em particular uma vacina que esteja atualizada com a versão do vírus que está circulando”, alerta o infectologista.

Diante do cenário atual de baixa adesão à vacinação periódica contra a covid-19, as farmacêuticas Moderna e Adium se uniram em uma iniciativa batizada Vacina Brasil para conscientizar a população sobre a importância da imunização atualizada.

Glaucia Vespa, diretora médica de vacinas latam da Adium, falou, na coletiva de imprensa de lançamento da iniciativa, sobre a importância da vacinação coletiva. “As vacinas não salvam vidas, a vacinação salva vidas. A vacina é um produto inócuo se ele não for utilizado, mas quando aderido, evitamos dor e sofrimento para nós e para quem amamos.”

Palavra do especialista

Qual a importância das doses de reforço no combate à disseminação das novas cepas do coronavírus?

A vacina atualmente disponível para imunização contra a covid-19 é a bivalente, que possui a variante ômicron. As variantes que estão circulando atualmente são todas subvariantes ômicron, então somente com a bivalente a gente consegue ter tranquilidade de que haverá proteção. Quem foi imunizado previamente provavelmente não vai ter uma proteção adequada contra a variante ômicron e as demais que estão circulando.

Dados apontam que a taxa de imunização contra a covid-19 caiu drasticamente no Brasil. Quais efeitos serão percebidos caso o número de indivíduos com o cartão de vacinação atualizado não seja revertido?

A principal ação da vacina contra a covid-19 é a redução de formas graves e de óbitos relacionados à doença. Conforme a população for se vacinando cada vez menos, especialmente no contexto de novas variantes e de surgimento de vacinas novas que contemplem essas variantes, o que a gente pode acabar observando é um aumento de número de casos graves e óbitos relacionados à covid-19.

Na sua visão, como profissional da saúde, quais são os principais fatores para as pessoas deixarem de tomar as doses de reforço?

A hesitação vacinal é um fenômeno complexo que envolve questões sociais, políticas e biológicas da percepção em relação à imunização. O que é bastante claro é que o número de casos de covid e de formas graves no mundo diminuíram drasticamente, fazendo com que a população tivesse uma certa tranquilidade em relação à imunização e em não se imunizar porque não estão havendo mais casos graves. É importante deixar claro que a vacina contra covid-19 é segura, cientificamente comprovada na redução das formas graves e dos óbitos pela doença.

André Bon é infectologista do Exame Medicina Diagnóstica, da rede Dasa, no DF


*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte