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Linfomas: desvendando mistérios e avançando na luta do sistema imunológico

Agosto é o mês da sensibilização e do combate aos linfomas. Diagnóstico correto, estadiamento preciso e acesso ao tratamento são fundamentais para melhorar a resposta e a sobrevida dos pacientes

O linfoma é um tipo de câncer que afeta o sistema linfático, que é responsável pela produção de células de defesa do corpo
     -  (crédito: Reprodução/Unsplash)
O linfoma é um tipo de câncer que afeta o sistema linfático, que é responsável pela produção de células de defesa do corpo - (crédito: Reprodução/Unsplash)
Iza Carvalho*
postado em 30/08/2023 14:22 / atualizado em 30/08/2023 14:22

O sistema linfático, um intrincado conjunto de vasos e órgãos, desempenha papel silencioso, porém vital, em nossa resposta imunológica. No entanto, dentro desse sistema tão essencial, podem surgir desafios significativos na forma de linfomas — um grupo diversificado de doenças malignas. Essas enfermidades entrelaçadas traduzem a complexidade da biologia humana e desafiam a capacidade da medicina moderna de compreendê-las completamente.

À medida que avançamos no tempo, uma coalizão de pesquisadores e médicos, movidos pelo desejo de desvendar esses mistérios, têm canalizado esforços significativos na busca de um entendimento mais profundo dos linfomas. Ao passo em que a ciência se aproxima dessas doenças complexas com uma combinação de inovação tecnológica e conhecimentos médicos, emerge um cenário de progresso.

As inovações recentes em diagnóstico e tratamento não apenas estão alterando o curso da terapia, mas também podem oferecer uma nova perspectiva de esperança para pacientes e familiares. Por meio da análise das conquistas mais recentes nesse campo em constante evolução, a Revista buscou compreender como os especialistas estão redefinindo os limites do conhecimento humano, conduzindo-nos a uma visão mais nítida e promissora do futuro no combate a essas complexas doenças do sistema linfático.

 

Compreensão e origens

De acordo com Fernando Blumm, oncologista hematologista da área de oncologia da Rede D’Or, os linfomas são um grupo de cânceres que afetam as células do sistema imunológico, conhecidas como linfócitos. “Essas células desempenham um papel crucial na defesa do organismo contra infecções e outras ameaças.”

Por razões ainda não completamente compreendidas, os linfócitos podem sofrer mutações, que os levam a se tornarem células malignas. Isso resulta na formação de tumores nos tecidos linfáticos, como os linfonodos. “A compreensão dos processos que levam à transformação maligna dos linfócitos é fundamental para desenvolver estratégias de diagnóstico precoce e tratamento eficaz dos linfomas”, afirma Blumm.

Classificação e variações

Os linfomas são classificados em duas categorias principais: Hodgkin e não Hodgkin. Os linfomas de Hodgkin representam cerca de 5% dos casos totais de linfomas envolvendo células de Reed-Sternberg, enquanto os não Hodgkin compreendem os outros 95% e abrangem vários tipos de células cancerosas.As características, os padrões de disseminação e o tratamento nos dois casos são distintos. Recomenda-se buscar orientação médica para avaliação adequada.

Dentro dessas categorias, existem mais de 40 subtipos diferentes de linfomas, que podem ser classificados como agressivos (de crescimento rápido) ou indolentes (de crescimento lento).

Essa diversidade de subtipos torna o diagnóstico e o tratamento dos linfomas um desafio complexo, exigindo uma abordagem individualizada para cada paciente.


Sintomas e diagnóstico

A apresentação clínica dos pacientes com linfomas pode variar amplamente, mas alguns sintomas-chave devem ser observados:

O aumento dos linfonodos ou ínguas na região do pescoço, axila e virilha é um sinal importante. É crucial distinguir esses crescimentos indolores das ínguas associadas a infecções, que geralmente são dolorosas.
Além disso, o oncologista ressalta que a perda de peso inexplicada, sudorese noturna e febre no final da tarde também podem indicar a presença de linfoma.

“Devido à falta de medidas preventivas, o conhecimento desses sintomas é fundamental para um diagnóstico precoce. A biópsia da área afetada é o método diagnóstico mais indicado, permitindo a identificação do tipo e do subtipo específicos de linfoma”, explica o oncologista.

Abordagens terapêuticas e avanços recentes

O tratamento dos linfomas depende do tipo, do subtipo, do estadiamento da doença e da condição clínica do paciente. Linfomas agressivos são tratados com intenção curativa, enquanto linfomas indolentes podem requerer uma avaliação mais detalhada antes de iniciar o tratamento.

O tratamento pode envolver diversas abordagens, incluindo quimioterapia convencional, radioterapia, transplante de medula óssea e imunoterapia. Avanços recentes incluem o uso de anticorpos biespecíficos e terapia com Car T Cells, que mostraram resultados promissores no combate aos linfomas.

A disponibilidade desses tratamentos inovadores está gradualmente aumentando, embora os desafios persistam, especialmente em relação ao acesso equitativo para todos os pacientes.

Palavra do especialista

O linfoma é uma condição genética? Quais fatores de risco estão relacionados a seu desenvolvimento?

O linfoma geralmente não é hereditário. Mas ele pode se desenvolver no contexto de imunossupressão. Assim, pacientes com deficiência imunológica hereditária ou adquirida com uso de imunossupressores (por exemplo após transplante de órgãos, HIV ou doenças autoimunes) são, por causa da desregulação no sistema imune, mais propensos a desenvolvê-los. Além disso, parentes de primeiro grau de pacientes com linfoma não Hodgkin e linfoma de Hodgkin têm um aumento de aproximadamente 1,7 e 3,1 vezes, respectivamente, no risco de desenvolver essas doenças. Algumas infecções virais e bacterianas também podem predispor ao desenvolvimento de linfomas.

Que tipo de infecção?

Um exemplo clássico é a bactéria H.pylori, que pode infectar o estômago. Ela é bem relacionada ao desenvolvimento de um linfoma indolente conhecido como MALT. Outro exemplo é a infecção ocorrida precocemente na vida (na amamentação) pelo vírus HTLV, estando relacionada ao desenvolvimento da leucemia linfoma de células T do adulto (ATLL). A presença de processos inflamatórios crônicos também podem predispor o linfoma — um exemplo são as próteses mamárias rugosas, que aumentam em 18 vezes o risco do linfoma anaplásico de mama associado a prótese mamária. Nesse caso, a remoção da prótese, muitas vezes, é suficiente para levar ao desaparecimento do linfoma, sendo rara a necessidade de quimioterapia.

Quais são as opções de suporte e cuidados para pacientes que enfrentam esse tipo de diagnóstico?

Os pacientes devem ser conduzidos por médico hematologista e equipe multiprofissional em centros especializados no tratamento de câncer do sangue. Devem ter acesso a quimioterapia, imunoterapia, radioterapia, apoio de enfermagem, farmacêuticos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionista e dentistas, quando necessário.

Existem medidas preventivas que podem ser tomadas para reduzir o risco de desenvolver a doença?

Em geral, não há prevenção para o linfoma — exceto evitar amamentação em mães infectadas pelo HTLV, no caso específico do raro subtipo de linfoma conhecido como ATLL. Nos demais casos, há necessidade de suspeição e diagnóstico precoce. Os principais sinais são o aumento indolor dos linfonodos e a presença dos sintomas B, como febre vespertina, perda de peso e sudorese noturna.

Como os avanços na tecnologia têm impactado a detecção precoce e o tratamento do linfoma?

O PET-TC (tomografia computadorizada por emissão de pósitrons) permite localizar no corpo inteiro os locais acometidos pelo linfoma e, no final do tratamento, identificar se esses locais desapareceram, possibilitando a orientação do melhor local para biopsiar o paciente. Estudos moleculares favorecem a identificação de mutações genéticas associadas aos linfomas, definindo melhor seus tipos ou subtipos de prognóstico específico, assegurando a definição do tratamento mais adequado.

Quais são os desafios enfrentados pelos profissionais de saúde no diagnóstico e no tratamento?

O diagnóstico precoce é um desafio, com pacientes frequentemente enfrentando meses para ver um hematologista. Restrições de acesso a exames específicos, como moleculares, biópsias e PET-TC, são comuns, afetando a detecção rápida. A desigualdade de acesso ao tratamento é evidente no Brasil, variando entre público e privado, incluindo diferenças nos convênios. A velocidade de aprovação de novos medicamentos pela ANS e Conitec também afeta o tratamento. No SUS, apenas pacientes com certos linfomas têm acesso à imunoterapia, enquanto outros não. Diagnóstico, estadiamento e tratamento impactam a resposta e a sobrevida dos pacientes. Contudo, hoje, a maioria pode ser tratada, controlada ou curada.

Flávia Dias Xavier é doutora em ciências médicas pela USP, professora adjunta e chefe da Unidade de Hematologia e Hemoterapia do Hospital Universitário de Brasília (HUB-UnB)

 

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

 

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