Na canção Muito orgulho, meu pai, Gabriel O Pensador canta com muito apreço que, quando crescesse queria ser igual ao pai e, agora que cresceu, ainda quer ser. O sentimento de honra e exaltação costuma ser, geralmente, universal para os que têm a figura paterna presente. Mas e para os pais? Como lidar com a responsabilidade de inspirar um outro ser que é parte de você? No caso dos pais de muitos filhos, como administrar a responsabilidade de servir de espelho para não só um, mas cinco, seis, sete indivíduos?
Dados de 2021, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), registraram a maior queda de nascimentos desde 2003. Ana Maria Nogales Vasconcelos, professora do Departamento de Estatística, coordenadora do Laboratório de População e Desenvolvimento e pesquisadora do ObservaDF da Universidade Brasília (UnB), afirma que os fatores que explicam a queda da fecundidade são, inicialmente, a inserção feminina no mercado de trabalho e a escolarização, além das desigualdades de gênero no mercado de trabalho e na vida doméstica.
“Atualmente, os pais investem muito mais nos cuidados e na formação dos filhos. Com restrições orçamentárias cada vez mais importantes, as famílias decidem por terem menos filhos. Há que considerar também que os valores atribuídos pela sociedade à maternidade ou à paternidade também mudaram”, detalha.
Ainda que os estudos apontem a tendência de queda no número de nascimentos, existem famílias que preferem fugir das amarras do padrão atual e manter a casa cheia. Para esta edição do Dia dos Pais, a Revista do Correio conta a história de homens que não se assustam com as atribuições da paternidade — o professor João Nogueira, pai de seis filhos; Elias Junior, contador e pai de sete; e Edson Luiz Azevedo, também pai de seis.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
A escolha pela paternidade
O professor brasiliense João Nogueira, 35 anos, realizou o desejo da paternidade quando, em 2014, por meio da adoção, os seis filhos, todos irmãos biológicos, nasceram para ele. No lar em que o professor viveu a infância, os homens participavam ativamente da vida dos filhos e eram referência de paternidade — algo que fugia do padrão considerado tradicional no Brasil. Isso colaborou demasiadamente para que a vontade de ser pai fosse alojada no coração de João.
Para além da vontade de ensinar e amar, como pai, João desejava ter não só um, mas vários filhos — constituir uma família numerosa é praticamente uma tradição cultural que corre no sangue pernambucano de seus ancestrais. Hoje, o professor comemora o 10° Dia dos Pais ao lado dos filhos, que, agora adolescentes, o ensinam, dia após dia, por meio dos desafios e das dádivas da paternidade.
Para ele, ser pai é utópico e desafiador. “Eu nasci no final dos anos 1980, então ser pai no século 21, em 2023, é um desafio de buscar ser uma pessoa diferente, me revisitando dentro das minhas construções e fragilidades.”
Para educar os filhos, o professor incorporou ensinamentos que herdou do próprio pai, que foi presente em cada fase de sua criação. Ele explica, porém, que na sua adolescência, o pai já estava idoso, logo foi necessário ressignificar alguns aprendizados para que os métodos reciclados da própria criação pudessem ser eficazes agora.
João expõe que no caminho que trilhou até agora, houve erros e acertos, muitos estudos e leituras, além de amigos e familiares que lhe dão suporte. “Eu tenho uma rede de apoio muito consistente que também vai me conduzindo e me provocando nas transformações da paternidade, esse é o meu 10° Dia dos Pais e o processo até aqui foi uma grande metamorfose.”
Um lar, inúmeras personalidades
Eduarda, 18; Eduardo, 16; as gêmeas Ana Clara, Maria Luiza e Mariana, 14; e Yasmin, 12. Cada um, em sua singularidade, ensina e aprende com as variadas características do outro. Alguns vegetarianos, outros amantes assíduos de carne. Uma comunicativa e extrovertida, a outra mais caseira e silenciosa. Em casa, o dever diário é manter o equilíbrio, respeitando os gostos e a individualidade de cada um. O segredo para dar certo? Diálogo.
João conta que, além dos 15 minutos diários, quando se reúnem à mesa para juntos fazerem a refeição, existe na residência o hábito de realizar assembleias familiares. Nas conversas do dia a dia, apontam o que aconteceu e expõem necessidades ou incômodos.
Já nas assembleias, que acontecem de duas a três vezes ao ano, as insatisfações são apresentadas, os pontos são trabalhados com a opinião individual dos integrantes. Assim, a família define os combinados gerais e relacionados à organização da casa. “A gente tenta democraticamente entender as necessidades, o que eles apontam como desejos e anseios dentro da dinâmica, e equilibrar todos os gostos, vontades e insatisfações, acolher e mudar coisas na rotina.”
Quando o assunto é lazer, a família gosta de assistir a séries e conversar sobre a temática abordada nelas. Nos momentos de pai e filho, conexão individual com cada um, João conta que os programas são variados, já que, às vezes, as preferências dos filhos divergem. Com Eduardo, por exemplo, o entretenimento é jogar videogame. Já com a filha mais velha, corintiana de coração, igual ao pai, assistir aos jogos de futebol é uma opção para aproveitar os momentos juntos. E assim, administrando o tempo para cultivar afeto com cada um, a família coleciona boas memórias.
João declara que é entusiasta de famílias grandes e conta que a casa cheia contribui para que o senso de coletividade e compartilhamento seja despertado nos filhos. “Eu costumo dizer que depois de três, seis, sete… é mais ou menos parecido. A grande questão mesmo seria econômica, mas a família grande dá senso de coletividade, eu vejo isso muito marcado nos meus filhos. Tenham filhos, construam famílias de coração, com outros arranjos parentais, com a multiparentalidade. ”
O professor confessa que, com a chegada recente de sua segunda sobrinha, ter uma criança em casa virou pauta entre os filhos e sua companheira, Árina, 33. A expectativa é grande, mas, até então, estão deixando o assunto fluir naturalmente, pois o foco atual é aproveitar bem a fase da transição de ter uma casa apenas com filhos adolescentes.
A família é conhecida como kombão do amor, pois o pai utiliza uma Kombi para transportar os filhos à escola e aos passeios que fazem, tornando o veículo uma marca registrada deles.
Lugar saudável
Na contramão ao que era comum em tempos passados, observar famílias numerosas tornou-se, hoje em dia, algo fora do padrão, é tanto que, geralmente, gera surpresa em quem vê. Apesar do número ter sido minimizado, é cada vez mais normal encontrar famílias que surgem de diferentes arranjos. A multiparentalidade, por exemplo, é um conceito amplamente debatido nos dias atuais.
Daniele Vilas Boas, psicóloga clínica, jurídica, psicodramatista e mediadora de conflitos, aponta o crescimento das chamadas famílias recompostas, que acolhe e une filhos de outros casamentos. Independentemente da configuração familiar, a especialista ressalta a necessidade de cada filho ser reconhecido pelo pai como indivíduo único, com idade e personalidade particular.
“Em um primeiro momento, as diferenças entre os irmãos podem gerar conflitos, porém essas diferenças devem ser encaradas como um desafio que se converte numa rica oportunidade de se aprender a viver em coletividade. O aprendizado de habilidades sociais começa em casa, e o pai tem um importante papel na educação dos filhos”, explica a psicóloga.
Perguntada acerca dos métodos que podem ser estabelecidos para melhor educar, Daniele destaca a pedagogia do amor e da autonomia, deixada pelo educador Paulo Freire. “Aprender a dialogar é fundamental. Parece simples, mas não é, pois requer o desenvolvimento da habilidade de saber escutar e ter disponibilidade para o diálogo. Eu considero importante o pai escutar com atenção os filhos, dar voz e encorajá-los a falarem de si mesmos.”
A terapia, familiar e individual, colabora para o bem-estar de cada um e da família, como um todo. Enquanto a familiar trabalha a família enquanto um sistema grupal vivo, que passa por constantes mudanças ao longo do tempo, a individual foca em questões mais específicas do indivíduo.
A especialista explica que o ideal, para alguns casos, é que as duas modalidades caminhem juntas. A terapia familiar é muito importante, pois pode servir de espaço pedagógico para a família, em que o terapeuta irá mediar as conversas, promovendo diálogos autênticos, e auxiliando na escuta ativa e empática entre todos os membros da família.
Saiba Mais
O dobro do projetado
Na juventude, o contador Elias Junior, 45 anos, era dançarino de funk e participava de grupos que faziam a abertura dos shows de Claudinho e Buchecha. Naquela época, jamais pensou em se casar e constituir uma família com filhos. Um tempo depois, mudou o estilo de vida e entrou para a Igreja Católica, onde nasceu o desejo de namorar uma mulher que também seguisse a religião.
Depois de muitos acontecimentos, incluindo estudos para ser padre e uma viagem ao encontro do papa, no Canadá, Elias voltou ao Brasil e casou-se com Regiane, professora, 45 anos, em dezembro de 2003. Após o casório, ele comunicou à esposa que gostaria de ter apenas dois filhos, mas ela não hesitou e manifestou o desejo de ter quatro filhos. Os dois entraram em acordo e hoje são pais de, na verdade, o dobro do que foi combinado, oito filhos, sendo que um já virou uma estrela.
Elias é pai de Flor de Lis, 18; José Henrique, 13; Açucena Maria, 11; Israel Henrique, 9; João Henrique, 6; Miguel Henrique, 3; e Emanuel Henrique, 1, e declara que a fábrica não tem data para ser fechada. “Eu conversava muito com a minha esposa, que, por ser pedagoga, me ensinou e me ensina muito. Antes eu não gostava de ler, mas hoje leio e sinto que a paternidade mudou isso em mim, abriu meus olhos para querer aprender e dar as melhores coisas para eles”, fala Elias sobre os aprendizados que a paternidade lhe proporciona. Ele ressalta que se sentiu pai desde o momento em que Regiane o comunicou que estava grávida pela primeira vez.
Hoje em dia, o contador, que vive com a família no Guará acredita que ter muitos filhos é mais fácil do que ter somente um, pois quando se tem a casa cheia, não existem preocupações em dar o melhor, mas em dar para todos, o que desperta o aprendizado sobre empatia e compartilhamento.
Momentos em família
O pai participa ativamente de todos os momentos da vida dos filhos e, durante a semana, faz questão que eles sigam a regra de irem para a cama às 20h30, independentemente de estarem com sono ou não. Quando necessário, ele ajuda os menorzinhos a pegarem no sono. Ao acordarem, os pais já estão de pé para organizá -los, dar leite, trocar fraldas e roupas, preparar as mochilas e levá-los à escola.
Em prol do bem-estar de todos da família, Elias conta que, semanalmente, fazem o “sextou” dos pais e o “sabadou” dos filhos. “No sextou, eu e minha esposa fazemos um jantar especial ou saímos para comer algo diferente, para não deixar o relacionamento cair na rotina. No sabadou, nós autorizamos que eles assistam filmes até o sono vir e ficamos à disposição, preparando batatas fritas e refrigerantes.” O pai tenta levar a família para viajar pelo menos uma vez por ano e estão sempre indo ao cinema juntos.
Sobre a educação e os atritos entre os irmãos, Elias explica que, recentemente, existiu uma questão na escola e os pais foram chamados para conversar, pois uma das crianças estava com dificuldade em lidar com as emoções. O contador relata que encontraram uma empresa que trabalha com a gestão da emoção para crianças e decidiram colocar João, 6, e Israel, 9, para fazerem o programa. “Os resultados já apareceram na questão do perdão, de compreender o outro, na empatia. E as brigas em casa e na escola diminuíram.”
A família tem plano de saúde que disponibiliza psicólogos, fonoaudiólogos, oftalmologistas e um leque de profissionais que são essenciais para o bem-estar das crianças, mas também recorrem à saúde pública quando se faz necessário.
Elias conta que os filhos são uma inspiração, pois cada um com o seu jeito individual o ensina diariamente. Ele está, inclusive, se esforçando para aprender a tocar violão, já que os meninos também estão aprendendo.
Paternidade em construção
O motorista Edson Luiz Vieira, 56, fala sobre a paternidade com muito orgulho, mas, diferentemente de muitas histórias que abordam a sua beleza, ser pai nunca esteve em seus planos. Na infância, sonhava em ser jogador de futebol; chegada a juventude, queria aproveitar a liberdade de ser um rapaz solteiro.
Se era sonho ou não, aconteceu! Tornou-se pai em 1990, apenas um ano depois de casarse com Edith Vieira. Começou ali a construção de um legado: Edson seria um pai de muitos filhos — Andréa, 33, Beatriz, 31, Luiz Henrique, 30, João Paulo, 26, Pedro Vinicius, 20, e Clarice, 14. O motorista conta que ele e a esposa nunca planejaram ter filhos, mas aceitaram todos que lhes foram enviados.
Com o amadurecimento e a construção dia após dia, Edson passou a sentir que era, verdadeiramente, pai. Ele acredita que ser pai é participar e estar presente em todos os momentos da vida dos filhos.
Quando alguns eram crianças e outros estavam por nascer, os métodos escolhidos para educar foram definidos pelos dois, que, juntos, decidiram jamais interferir na autoridade do outro, repassando os valores sobre respeito, amor e verdade, que foram os ensinados anteriormente por seus respectivos pais.
Pescar e jogar bola eram passatempos de pai e filhos, no caso dos meninos. Com as meninas, a diversão era assistir filmes de terror e rever filmes e séries que gostaram muito, repetidamente, como se fosse a primeira vez. Agora, todos crescidos, a melhor diversão é quando, aos domingos, o pai reúne todos os filhos em sua casa, em Sobradinho, e faz questão de preparar o almoço.
Edson conta que a fase mais desafiadora da paternidade foi quando Beatriz, que carinhosamente chama de Bia, precisou ir para a UTI assim que nasceu. A menina passou 30 dias internada até receber alta. Onze meses depois, no oitavo mês de gestação, Edith deu à luz Luiz Henrique, fazendo com que tivessem praticamente três bebês em casa.
Os filhos, muito comunicativos, apesar do pai de personalidade um pouco mais silenciosa, sempre se deram muito bem e nunca houve dificuldades com o relacionamento entre os irmãos, que brincavam a todo momento, faziam lição de casa e auxiliavam nas tarefas domésticas, de acordo com a idade de cada um.
Uma curiosidade que a família faz questão de destacar é que, por coincidência ou resultado da forte conexão familiar, quatro dos seis filhos comemoram aniversário em fevereiro: Luiz Henrique, Bia, João Paulo e Pedro Vinicius, sendo que João e Pedro comemoram, ainda, no mesmo dia.
Missão cumprida
Agora, com os filhos adultos, e a caçula, Clarice, adolescente, Edson sente alívio por ter governado bem a missão da paternidade e faz questão de destacar que não conseguiu dar muitas coisas materiais, mas sempre incentivou os filhos a se dedicarem aos estudos. “O conhecimento ninguém tira de você. Tenho quatro filhos formados no ensino superior e um na faculdade. Para mim, é muito orgulho!”
Hoje, os filhos proporcionam aos pais, com muito orgulho, experiências que não puderam ter, como viagens, passeios e presentes, e o pai retribui com o que mais gosta de fazer para os filhos: cozinhar.
A filha mais velha, Andréa, é formada em letras; Bia em pedagogia; Luiz Henrique em relações internacionais; e João Paulo em tecnologia da informação. Pedro Vinicius está cursando TI; e a caçula, Clarice, ainda frequenta a escola.
Tudo planejado
Não é incomum que o primeiro questionamento ao ver alguém com muitos filhos seja sobre as despesas financeiras. Afinal, um filho exige muitos cuidados, e os cuidados demandam gastos. Organização e planejamento são pontos importantes, não apenas para uma casa cheia, mas para qualquer indivíduo que busque viver bem.
Adriano Marrocos, conselheiro do Conselho Federal de Contabilidade, aponta o planejamento como uma boa saída para melhor gestão dos recursos financeiros da família. O processo auxilia na definição das prioridades, tanto individuais quanto coletivas, na elaboração do orçamento, com as entradas e saídas de recursos, e o acompanhamento da execução de cada etapa.
Para um planejamento eficaz, saber o que se deseja, o quanto se tem e o quanto se gasta é primordial para administrar os recursos e buscar investimentos. “Esse processo, de planejar, é indicado para todas as famílias, tanto aquelas que enfrentam dificuldades financeiras quanto as que buscam ampliar os horizontes.”
O especialista indica que, atualmente, a depender do ambiente no qual a família vive, é possível afirmar que cinco a seis filhos com até 16 anos significarão uma renda mensal de R$ 1.000 cada um, considerando que todos estudem na rede pública e não tenham plano de saúde. Nas famílias que aderem ao ensino particular e ao plano de saúde, o custo mensal, por filho, gira em torno de R$ 3.500.
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