Na vida, há quem diga que as memórias possuem um valor incomensurável. A parte mais importante dessa jornada é construir momentos com as pessoas que amamos. Algumas dessas lembranças, entretanto, carregam um significado especial. Um sentimento que não se contenta em ficar guardado apenas no coração e que precisa ser eternizado de alguma maneira.
Um quadro, um registro, uma tatuagem que seja. Um afeto que pode ser visto e tocado, admirado para sempre. Parafraseando a poetisa Adélia Prado, de fato, "o que a memória ama fica eterno". Impossível de ser esquecido, muitos buscam transformar essas recordações em algo sólido o suficiente, que pode ser guardado, como um porta-retrato ou como uma marca na pele.
Quantas coisas, reuniões familiares ou ocasiões ímpares gostaria de reviver novamente? Infelizmente a vida passa rápido demais, e o tempo é sempre soberano. Mesmo assim, há sempre uma alternativa para não deixar esses instantes serem esquecidos. Conservando, pelo menos, o sentimento que nasceu no momento em que a memória foi inaugurada. Pensando nisso, A Revista do Correio conta histórias que ilustram essa busca, tentativas de eternizar algo que dentro do peito está para sempre.
Foto na pele
Uma simples fotografia feita de um celular é capaz de capturar e reunir detalhes imperceptíveis. Um sorriso vibrante, um abraço afetuoso. Tamanho carinho fez com que Jéssica Alves, 26 anos, transformasse o registro na sua primeira tatuagem. Na imagem, a felicidade dos familiares em comemorar o aniversário da mãe. Nenhum outro momento poderia ter sido melhor escolhido, senão esse.
"Eu sempre gostei de tatuagem e queria fazer a primeira com algo que remetesse à minha família. Um dia, estava mexendo no Instagram e vi, no feed, uma imagem de uma pessoa que tatuou uma foto de criança, então decidi fazer uma com a foto que uso na proteção de tela do celular", descreve a funcionária pública. Feita há pouco mais de dois meses, o apego pelos parentes certamente foi o motivo principal para a realização do seu primeiro rabisco na pele.
Segundo ela, os pais e a irmã são os responsáveis por darem força no dia a dia. Além disso, conta que a relação entre eles é muito boa, e que sempre estão juntos para fazer alguma atividade, seja ver um filme à noite ou almoçar. "Tentamos nos ajudar na rotina, fazendo favores para facilitar a rotina. E também comemoramos tudo que acontece na vida de cada um", completa.
Quando fez a tatuagem, ela conta que a família ficou emocionada e observou cada detalhe. Com um pouco de receio, não contou aos pais que iria fazer, já que eles não são muito fãs de tatuagem. Mesmo assim, Jéssica relembra que eles amaram. "Eternizar essas memórias é importante porque traduz um pouco da nossa identidade e da nossa história. Guardo para mim e tenho a possibilidade de também mostrar para os outros aquilo que me marcou de alguma forma", finaliza.
A história de Ravi
Dizem que só se sabe o que é amor de verdade quando se pega no colo aquilo que você mesmo trouxe ao mundo. O nascimento de um filho, certamente, é um dos momentos mais especiais que um casal pode viver. Afinal, é a multiplicação, de fato, de algo que somente a paixão pode gerar. Luciana Ribeiro Olivé, 27, sabe bem o que isso significa. Mãe do pequeno Ravi, de apenas 1 ano e 10 meses, tem dentro de casa um presente ganho no dia em que o filho nasceu.
Ansiedade, medo e expectativa. Apesar de o parto ter sido tranquilo, Luciana detalha que vários sentimentos invadiram a sua mente antes de conhecer o rosto do Ravi. Para se tranquilizar, planejou o parto da melhor maneira possível. Fez estudos e pesquisas, optou por contratar uma médica e uma doula para auxiliar em todo processo. "Era fim de tarde de uma quinta-feira, cheguei em casa após dar uma aula, quando sentei na cozinha para lanchar, a bolsa estourou. Não sabia se era a bolsa, mas a minha intuição falava que era", ressalta.
Imediatamente, o desespero tomou conta. Ligou para a médica, arrumou a mala-maternidade e foi tomar banho. Descansou um pouco na cama para esperar as contrações. A noite caiu e, de repente, as dores começaram a aparecer. Nesse momento, Luciana começou a se sentir desconfortável, pediu que a doula auxiliasse, em casa, com massagens na lombar. "A presença dela foi essencial".
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O quadro do nascimento
Das 21h até 4h ficou acamada, com o marido e a doula do lado. Decidiu ir para o chuveiro, já que as contrações ficavam cada vez mais fortes. Com as dores aumentando, escolheu ir para o hospital com a autorização da médica. Lá, entrou na sala de parto humanizado e esperou o filho chegar. "Depois de muitos gritos, paciência e incentivos da minha equipe, Ravi chegou ao mundo em 3 de setembro de 2021, às 6h32", diz, orgulhosa.
Lindo, forte, saudável e muito amado. A euforia do momento permitiu que a personal trainer fizesse apenas alguns registros caseiros no celular. Entretanto, a arte da doula Stefannie Soares fez com que o nascimento do pequeno fosse ainda mais extraordinário. "Ganhamos um quadro lindíssimo, onde está um carimbo da placenta, a casinha de Ravi por 9 meses, onde foi o começo de tudo".
Cores vivas para representar tamanha felicidade. Todas as vezes em que contempla a pintura feita pela doula, lembra de todas as coisas que passou naquele dia. Um filme que a mãe jamais se esquecerá, uma memória do momento mais importante já vivido.
Uma relação eterna
Em contrapartida à importância do nascimento, eternizar outros momentos e pessoas que não estão mais aqui ameniza um pouco a dor do luto. Em 2020, a tia da jovem Paloma Lopes, 21, foi acometida por um câncer no cérebro. A doença foi avançando até que a família descobriu que a perda estava cada vez mais próxima. Em cuidados paliativos, ficou acamada e perdeu praticamente todos os movimentos.
Toda essa situação abalou Paloma, mais que uma sobrinha, ela era quase uma filha. "Minha tia teve um papel muito importante na minha vida, desde quando eu era criança. Na infância, tudo é uma descoberta, e, muitas delas, eu tive com ela. Eu quis retratar isso, enquanto crescia ela esteve comigo, e foi a partir de lá que nosso laço foi estabelecido", ressalta. Sabendo que enfrentaria a perda de alguém tão importante a qualquer momento, buscou alguma maneira de se expressar. Demonstrar valor, antes de não tê-la mais.
Com isso, trilhou caminhos, buscou alternativas. Acompanhando algumas redes sociais há um tempo e encantada com vários trabalhos relacionados, percebeu que no Natal, em 2021, deveria presentear a tia, que estava com a saúde bem delicada. "Queria algo que mais na frente fosse fazer sentido na nossa história. Foi quando me veio a ideia de fazer o quadro de uma foto que representasse a gente, e com o verso de uma música que encaixa perfeitamente com os meus sentimentos", relembra.
A emoção
A canção escolhida foi a do cantor Lucas Lucco: 11 vidas. A letra retrata o que Paloma estava prestes a viver — a dor do luto. "Minha tia esteve comigo a todo momento, era eu e ela sempre. Eu vim morar com ela adolescente. Estava aprendendo a lutar com ela todos os dias, não só no momento da doença, mas a vida dela foi assim, veio de família carente, precisou estudar com todas as adversidades. Quando passei por depressão, ela sempre estava lá me dizendo que eu conseguiria", recorda.
Por fim, tudo o que Paloma queria era mais 11 vidas ao lado da tia. Faria qualquer coisa por isso. E antes que ela partisse, pegou uma foto de quando as duas eram mais novas e transformou num quadro. Na hora de entregar, conta que a tia passou a semana do Natal internada. Durante esse período no hospital, nem mesmo os olhos a tia conseguia abrir. Algumas funções estavam se perdendo e não tinham mais respostas.
A fala era limitada, não existia retorno. Ao longo do dia, antes de presenteá-la, limpou os olhos da tia algumas vezes, para que, de algum jeito, conseguisse enxergar a moldura. A expectativa em relação a isso era pouca. No entanto, como se fosse um milagre, um último ato, assim que Paloma entregou o quadro a tia respondeu: "É você menininha". As lágrimas tomaram conta de todos os familiares que estavam perto. Agora, o presente está gravado na parede de Paloma. Para ela nunca se esquecer da relação mais linda que construiu em vida.
Perdas e ganhos
De uma certa maneira, é na perda que se encontra uma nova forma de enxergar o mundo. Daniele Ribeiro, 35, perdeu sua cachorrinha há dois anos. Uma companheira e melhor amiga, como descreve a servidora pública. A partida foi repentina, no momento em que estava se recuperando de uma cirurgia. E buscando diminuir esse sentimento, traçou formas de lembrar-se da Princesa, como era chamada.
"No meu luto, conversando com uma amiga sobre o que fazer com o corpinho, ela me falou sobre a cremação, e a possibilidade de eternizá-la de uma forma especial. Algumas pessoas colocam num vaso e plantam, outras transformam as cinzas em pingentes", complementa. A última ideia, porém, brilhou os olhos de Daniele. Começou a fazer pesquisas ao redor de Brasília sobre esse tipo de artesanato, mas não encontrou nada similar.
Na busca, encontrou alguém que realizava esse tipo de trabalho. Mas a longa fila e ansiedade na espera minaram essa esperança. Mesmo assim, não desistiu totalmente. Descobriu que a profissional fazia um curso de eternizações em resina na área pet, não pensou duas vezes e decidiu comprar as aulas no intuito de fazer seu próprio pingente.
No processo de aprendizagem, se apaixonou e decidiu que gostaria de proporcionar a outras pessoas a mesma sensação.Com isso, nasceu a Princess joias afetivas, a loja de Daniele. "Vejo mais como um hobby sabe. Amo o que faço! Sou servidora pública e o trabalho com resina complementa a renda. Resina no meu dia de folga. Para mim é extremamente gratificante finalizar cada peça, cada história que carregam", afirma.
A verdadeira amizade
Ao iniciar a nova vocação e na tentativa de ajudar as pessoas com seus momentos especiais, Daniele resolveu presentear uma amiga, como forma de agradecimento pela boa convivência e cumplicidade das duas. Ranina Rodrigues, 35, ganhou um colar diferente, mas com um significado singular. Um pingente com alguns fios de cabelo da filha de 4 anos, com um formato da árvore da vida complementando a arte.
A lembrança mais bonita que ela poderia ter recebido. "Ela conseguiu fazer uma peça maravilhosa. Para mim, a mais bonita de todas. Eu tenho uma profunda admiração pelo trabalho dela", enfatiza Ranina. Um símbolo que a mãe carrega no pescoço todos os dias. Parte de uma pessoa, que ela considera como a mais importante.
Esse presente, de acordo com a profissional de enfermagem, é um objeto que atravessa a linha do tempo, pois daqui a vários anos se lembrará dele ao lado da filha, quando ela estiver adulta. "Ela vai ver que eu sempre tive o prazer de usar um colar que expusesse o que sinto. Eternizei uma fase essencial da minha vida".
Lojas para eternizar:
— Instagram: @doulastefannie
— Instagram: @traçoporgabi
— Princess Jóias Afetivas
— Layane Botosso: Traços finos @laybotosso