Comportamento

Depressão, ansiedade e distanciamento social: os males da pornografia

Tão prejudicial quanto outros tipos de droga, o consumo frequente e excessivo de conteúdo adulto pode minar relações sociais e desenvolver graves transtornos mentais, como depressão e ansiedade

Por Eduardo Fernandes
postado em 12/07/2023 14:05
rev-0907-pornografia vício pornografia -  (crédito: Caio Gomez)
rev-0907-pornografia vício pornografia - (crédito: Caio Gomez)

Uma simples busca na internet, apenas um clique em um vídeo. É assim que um vício pode começar. No mundo contemporâneo, procurar por formas de prazer imediato é muito mais fácil do que antigamente. Isso, graças ao crescimento dos espaços virtuais. Com a pornografia, esse acesso também se tornou possível. Entretanto, o consumo e a forma como esse conteúdo age no cérebro pode minar relações e se equiparar a transtornos gerados por drogas, telas e jogos.

De acordo com dados do Quantas Pesquisas e Estudos para o Canal Sexy Hot, realizado em 2018, mais de 22 milhões de pessoas diziam consumir pornografia no Brasil. Deste total, 76% eram homens e 24%, mulheres. Segundo o estudo, os jovens — 58% com menos de 35 anos — estavam entre os grupos que mais assistiam à pornografia. Apesar de a sociedade tratar o assunto, ainda mais quando relacionamento com o público masculino, como um tabu, o pornô pode ser extremamente prejudicial e acarretar diversos problemas.

O neurologista Marcio Siega, responsável pela Clínica Modula Dor e membro da Academia Brasileira de Neurologia, explica que todo ser humano dispõe de um sistema de recompensa mediado pelo neurotransmissor conhecido como dopamina, além de duas regiões cerebrais chamadas de sistema límbico e núcleo accumbens, que são responsáveis por fazer com que o indivíduo fique viciado no conteúdo.

"Tudo se inicia no gatilho, um cansaço físico ou mental, solidão, saudade ou outro motivo muito específico que a pessoa tenha. O resultado disso traz uma recompensa imediata e fácil a esse gatilho. Caso esses aspectos se perpetuem ou fiquem frequentes, o consumo aumenta", afirma o profissional. E, assim como outras drogas, essa sensação de recompensa se ameniza ao longo do tempo, necessitando de mais frequência em relação ao seu uso.

Essa constância pode trazer problemas sociais, como redução da produtividade no trabalho, dificuldades em manter relações com um parceiro real e até obstáculos financeiros, caso o homem ou a mulher assistam ao material explícito pago. "Não existe tentar parar com esse hábito aos poucos. Todo vício precisa ser interrompido abruptamente. Buscar evitar os gatilhos é muito útil na redução do desejo — semelhante ao alcoólatra, que não deve frequentar um bar. Cada indivíduo tem uma fonte distinta", complementa.

Tragédia anunciada

Era somente mais um vídeo. Uma espécie de passatempo que ajudava Henrique (nome fictício), 23, a lidar com seu estresse. Mas, de site em site, o que começou esporadicamente ganhou força durante a rotina. E à medida que o consumo pela pornografia aumentava, as relações em que ele estava inserido foram ruindo, a ponto de se dissiparem e ele refletir: "O que estou fazendo?".

De repente, percebeu que estava viciado. Parar, naturalmente, era a melhor das opções. Entretanto, a mais difícil delas. "Eu tentava fazer alguma coisa, não pensar. Aí abria o computador e me lembrava de que só uma pesquisa ia fazer tudo aparecer de novo. Foi muito complicado", relata. Embora os obstáculos fossem iminentes, o processo era necessário.

Buscou ajuda psiquiátrica e psicológica para tentar sanar esses dilemas. Além disso, achou em novos hábitos, como a leitura e os exercícios na academia, uma forma de tentar substituir o vício. O que, de certa forma, acabou dando certo. Hoje, livre desse comportamento, vê-se mais leve e melhor emocionalmente, já que o alto consumo o fazia enxergar as pessoas e a si mesmo por outra perspectiva.

Problemas extremos

De acordo com Vanessa de Mello Torres, psicóloga clínica e terapeuta sexual, a pornografia destrói as relações por meio do distanciamento, provocados pela ansiedade social grave, gerada em razão do vício. Nos vínculos amorosos, esse afastamento advém da perda do interesse no parceiro, que diminui na mesma proporção em que a dependência cresce.

"Os principais malefícios do vício em pornografia são: dificuldade de relacionamentos sérios e duradouros, impacto na performance sexual, busca constante pelo prazer imediato, problemas de memória e disciplina, problemas com as relações sociais (e, nos casos mais graves, problemas no trabalho), transtornos mentais (depressão e ansiedade) e disfunções sexuais", detalha Vanessa.

Para interromper esse hábito, a psicóloga acredita que o ideal é buscar por algum profissional que ajude a identificar o real gatilho pelo prazer na pornografia. E mais do que isso, como esse consumo tem impactado as demais áreas da vida do indivíduo. É preciso buscar novas formas saudáveis de prazer para substituir o vício. Em alguns casos, será necessário fazer um acompanhamento, também, com um psiquiatra.

Exemplo famoso

Popular no filme As Branquelas e como Julius em Todo mundo odeia o Chris, o ator Terry Crews, anos atrás, ganhou os holofotes ao falar sobre o problema com a pornografia. Segundo ele, o vício chegou a afetar até mesmo o seu casamento. Além disso, tinha dificuldades em lidar com o consumo e tratava o tema como um segredo.

Ao perceber como a dependência estava lhe causando estragos, precisou de reabilitação para tentar, novamente, ter uma vida fora das telas do computador. Depois do doloroso processo, Terry Crews, hoje, continua discursando sobre o tema em podcasts e outros meios da internet, tornando-se uma voz para quem precisa parar com o vício.

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