Leitora voraz, Bárbara Brisa está sempre em busca de novos autores. Quando iniciou o curso de ciências sociais na Universidade de Brasília (UnB), em 2012, deparou-se, em uma das suas várias idas à biblioteca, com o livro Olho do corvo, do escritor Yi Sang, uma das poucas obras escritas em coreano disponíveis em português na época.
Bárbara não fazia ideia, mas, a partir daquele momento, a vida dela mudaria. A jovem, hoje com 30 anos, ficou fascinada pela cultura do país — isso em um tempo, vale ressaltar, em que o K-pop, a música, o cinema e as séries sul-coreanas não eram febres no Brasil. A tal ponto que decidiu aprender o idioma e, assim, poder consumir obras no original. "Naquele tempo, o interesse pela cultura coreana era muito de nicho, havia poucos livros traduzidos para o português, uns poucos para o inglês, e só."
De todas as manifestações culturais com que teve contato, a que mais chamou a atenção de Bárbara foi a gastronomia. Talvez porque ela já tivesse uma forte ligação com a comida, graças à influência da mãe. "Quando meu pai morreu, eu tinha 7 anos e era a filha mais velha. Somos quatro irmãos, sempre andávamos juntos, e a hora da refeição era sagrada. A gente brinca que a geladeira lá de casa era uma caixa mágica. Minha mãe abria a porta e, dali, saía uma refeição maravilhosa, preparada com os ingredientes disponíveis", conta. "Nossa alimentação sempre foi muito saudável. Nenhum coleguinha queria troca de lanche conosco na escola por causa disso", diverte-se.
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De tanto ver a matriarca cozinhar, Bárbara, ainda criança, começou a se arriscar com as panelas, com a mesma pegada de desperdício zero. E foi justamente isso que a fascinou na culinária coreana. "Mesmo completamente diferentes, a cozinha praticada por nossa família, de certa forma, na sua concepção, tem semelhanças com a feita na Coreia."
Com pouco material disponível para desvendar a cultura do país asiático, a brasiliense decidiu entrar em contato com a Embaixada da Coreia e foi muito bem recebida. "Eles me forneceram livros, revistas, diversas publicações. Comecei a ir lá e fazer várias perguntas, queria entender um pouco mais sobre a migração deles para o Brasil." E a paixão só crescia.
Bárbara, então, matriculou-se em um curso particular de coreano. As aulas eram ministradas por Sun Hee Kim, uma coreana que começou a ensinar como uma forma de incentivar o filho, brasileiro, a aprender sua língua materna. "Essas aulas eram dadas na casa da professora, no Guará, e ela sempre nos apresentava elementos da cultura do seu país. Como moro no Gama, chegava cedo e acabava ajudando Sun Hee Kim nos preparativos para a aula. Ela costumava fazer lanches e eu ficava observando, fascinada, cada etapa da produção."
Assim, a socióloga começou a se arriscar na execução de receitas. E, como uma aluna aplicada que é, sempre pesquisava as origens de cada prato, a história por trás delas e sua influência na sociedade. "A cozinha coreana é muito baseada em vegetais, raízes e folhagens. Como eles têm escassez de gado, a carne bovina é muito cara e consumida em ocasiões especiais. A proteína animal mais presente são peixes e frutos do mar."
Outra curiosidade apontada por Bárbara é que, como eles costumam ter invernos muito rigorosos, utilizam-se de muitas técnicas de conservação dos alimentos, como a fermentação e a conserva. O kimchi, um dos pratos mais conhecidos, é um desses exemplos, pois passa por dias de fermentação antes de chegar à mesa. "A cozinha coreana é muito de compartilhamento e de aproveitamento. Isso é muito fruto da guerra por que passaram há não muito tempo, na década de 1950."
A professora também costumava produzir festivais culturais para os alunos e seus familiares e a jovem aprendiz sempre estava lá, a postos, ajudando. A essa altura, Bárbara já tinha estreitado relações com a Embaixada a ponto de ficar encarregada do preparo da comida em eventos promovidos pela representação diplomática. Em 2017, a convite do governo da Coreia, fez um intercâmbio cultural de duas semanas na capital, Seul, e na vizinha Yong in.
Maum unsik
Em 2014, a brasiliense viu que um portal que produz conteúdos voltados ao público coreano estava recrutando editores e resolveu se candidatar. Passou, então, a escrever sobre literatura e gastronomia e, consequentemente, a ter contato com donos de restaurantes coreanos de todo o Brasil. Um dia, recebeu o release de uma chef da cidade e decidiu entrevistá-la. Camila Figueiredo, apesar de ter estudado na Le Cordon Bleu, também é apaixonada pela gastronomia coreana. Iniciou-se ali uma amizade que daria bons frutos profissionais.
Bárbara se formou em ciências sociais — seu trabalho de conclusão de curso (TCC), claro, foi sobre a Coreia — e continuou seus estudos sobre o país e sua gastronomia. Em 2017, iniciou, com Camila, o projeto Maun (coração) umsik (comida), no qual tem por objetivo mapear os restaurantes coreanos existentes no Brasil (www.descobrindohansik.wordpress.com). "Visitamos algumas casas Brasil afora, mas como não temos patrocinadores, apesar de o site ser reconhecido pela Embaixada da Coreia, fica difícil viajar", lamenta.
Saiba Mais
Em 2019, Bárbara recebeu o convite para trabalhar na cozinha do Same Same, restaurante de comida vietnamita e tailandesa, no qual Camila Figueiredo era a chef responsável. Foi a primeira experiência da jovem em uma cozinha profissional. Por lá ficou por cerca de um ano — inclusive trabalhando na filial de Goiânia. Chegou a chefiar a cozinha com a saída de Camila.
Hoje, além de cozinhar, em eventos, para a Embaixada Coreana, promove workshops, cursos, trabalha com encomendas e como personal chef. Recentemente, por exemplo, ministrou aulas para alunos do curso de gastronomia do Iesb e preparou as refeições da comitiva de diplomatas coreanos que veio para a posse do presidente Lula.
A brasiliense explica que cozinha todos os clássicos sob encomenda, a exemplo do topokki (massa de arroz com molho apimentado), do bulgogi (churrasco de carne bovina marinada), do japchae (macarrão de fécula de batata doce com legumes salteados), do kimbap (rolinho de algas e arroz recheado com vegetais) e do bibimbap (mistura de arroz e vegetais). Os pedidos precisam ser feitos com, no mínimo, dois dias de antecedência.
Já no caso do clássico kimchi, há entregas semanais, às sextas-feiras, além de distribuição para alguns restaurantes da cidade — e quase sempre tem para pronta-entrega. Sobre o prato mais famoso da Coreia, Bárbara explica que, ao contrário do que muitos pensam, ele não é feito apenas com acelga. Também pode ser preparado com nabo, raiz de lótus, pepino japonês, caqui fuyu e outra infinidade de possibilidades. "A comida coreana preza muito pela sazonalidade. No outono, por exemplo, preparo muito kimchi com raíz de lótus; na primavera, o pepino japonês fica mais gostoso; e assim vai", detalha.
Como boa pesquisadora, Bárbara faz questão de entregar as encomendas pessoalmente, pois quer saber a relação das pessoas com a Coreia e, quem sabe, encontrar outros apaixonados pelo país asiático.
Kimchi Jeon — Panqueca de Kimchi
Ingredientes
4 colheres de sopa de kimchi de acelga bem fermentado
3 colheres de sopa de farinha de trigo
3 colheres de sopa de amido de milho
Sal a gosto
1 colher de sopa de óleo de gergelim
Água gelada — o quanto bastar para deixar a massa homogênea e cremosa
Óleo de soja — o quanto bastar para untar a panela e fritar as panquecas
Modo de preparar
Corte o kimchi em pedaços menores.
Em uma cumbuca, misture a farinha, o amido, a pitada de sal, o óleo de gergelim, a água gelada e mexa até que a massa fique homogênea. Incorpore o kimchi previamente cortado.
Unte uma frigideira com óleo suficiente para fritar as panquecas.
Com uma concha, pegue a massa, disponha na frigideira e vá espalhando do centro para as bordas, formando uma panqueca redonda. Vire quando estiver dourada.
Dica: Não pressione a massa, só disponha na frigideira e deixe dourar de ambos lados, assim terá uma panqueca crocante e suculenta.
Sirva como aperitivo acompanhado de uma bebida refrescante.
Serviço
Instagram: @barbarabrisa, @maumsik
WhatsApp: (61) 98310-3023
Site: www.descobrindohansik.wordpress.com