Positivo. Pré-natal. Enjoo. “Vai fazer chá de revelação?” Dores. Berço. Parto. A gravidez, que, não por acaso, provoca inúmeras inseguranças nas mulheres, em Jéssica (nome fictício), 26 anos, é sinônimo de pânico. Não a gestação em si, mas a possibilidade. “Imaginar algo sendo gerado dentro de mim me apavora.”
E o desconforto em torno do assunto é tanto que ela evita até mesmo ter contato com grávidas. “Não consigo ter bons sentimentos; sinto pena dessa pessoa”, conta. Por isso, a jovem, formada em relações públicas, já revelou ao seu ginecologista o desejo de fazer laqueadura — por enquanto, utiliza o DIU e, quando tem relações com o namorado, também usa o preservativo.
Mesmo protegida no momento do sexo, acumula crises de ansiedade quando a data da menstruação descer se aproxima. Relações no período fértil? Jamais! O corpo e a cabeça não “desligam”, mesmo utilizando métodos contraceptivos somados.
Certa vez, quando o DIU se deslocara, sentiu sintomas tipicamente relacionados ao início da gestação: enjoos, vômitos, dor nos seios e na cabeça e atraso na menstruação. “Cheguei ao ponto de pesquisar sobre métodos abortivos. Aliás, guardo um dinheiro para descontinuar a gravidez, caso um dia aconteça”, revela.
Apesar de não receber o diagnóstico, Jéssica reconhece que seu pânico muito se associa à tocofobia, o medo irreal da possibilidade de estar grávida ou da dor proveniente do parto, como define a psicóloga Giovanna Asevedo, especializada em direitos humanos. “Certas vezes, a pessoa sequer teve relações sexuais, mas, ainda assim, sofre com esse pavor”, explica a especialista.
Conteúdo informativo nas redes
Quando a estudante de medicina Maria Júlia Ferreira, 23, decidiu, em 2020, criar conteúdo no Instagram sobre saúde feminina e sexual, o @mjferreiraa, não imaginava o sucesso que faria entre o público jovem e em torno de um assunto ainda pouco conhecido: a tocofobia.
A cada notícia, muitas vezes sensacionalista ou mal explicada, acerca de casos absurdos de gravidezes — como mulheres que estavam gestando sem saber ou continuavam menstruando —, Maju, como é conhecida, recebia milhares de dúvidas das seguidoras relacionadas a essas possibilidades. Quase sempre, as abordagens eram desesperadas e cercadas de desinformação.
Assim, a influencer decidiu se aprofundar no tópico e conhecer melhor a tocofobia. Em suas pesquisas, descobriu haver pouquíssimos trabalhos acadêmicos sobre o tema, contexto que a motivou a estudá-lo mais. Passou a criar conteúdos mais específicos, nos quais tira dúvidas sobre métodos contraceptivos e desmistifica antigos discursos associados à sexualidade feminina.
Ainda recebe muitas mensagens de seguidoras no direct do Instagram, cuja aflição tenta acalmar encaminhando textos já feitos sobre a temática. “A internet nem sempre é uma fonte segura de informação. É preciso filtrar. No meu perfil, organizei os destaques de forma que os materiais estejam sempre disponíveis e possam ser acessados pelas pessoas facilmente”, conta. Criou, recentemente, um podcast, o MajuCast, com a mesma finalidade.
A estudante, que em julho se formará em medicina, explica que a falta de educação sexual e, consequentemente, o desconhecimento acerca do tema geram esse desconforto em torno da gravidez. “Na tocofobia, qualquer possibilidade vira probabilidade”, diz, referindo-se às chances mínimas que todos os métodos contraceptivos têm de falhar. No distúrbio, há desconfiança sobre a eficácia destes, mesmo quando utilizados de forma somada.
Segundo Maju, os pilares para superar a fobia dependem do acompanhamento psicológico e dos maiores conhecimentos em saúde. “Não existe uma cura, mas, sim, uma adaptação. Tudo dependerá do grau.” Respeitar os limites no momento do sexo também é essencial e faz toda a diferença, além de escolher a contracepção que melhor se adeque ao seu contexto, que “seja libertadora”.
E os relatos positivos também chegam. Uma seguidora que sofria com o distúrbio e não conseguia ter relações com o parceiro compartilhou com a influencer a melhora que teve. Parte do êxito se deu em vista do conteúdo informativo feito pela estudante. Com os conhecimentos adquiridos, colocou um DIU e hoje está bem. “Não há satisfação maior que receber essas histórias”, conta.
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Por dentro da tocofobia
Conheça as causas, os sintomas, as consequências e as possibilidades de tratamentos para a fobia, segundo a psicóloga Giovanna Asevedo:
- Possíveis causas: traumas, falta de educação sexual e desinformação nas redes sociais sobre possíveis gravidezes inesperadas. Muitas mulheres não são educadas sexualmente em casa e nas escolas, ou, então, já escutaram histórias violentas sobre parto e sobre como essa dor é insuportável.
- Sintomas: crises de ansiedade ou de pânico, pesadelos frequentes com o tema e até mesmo dificuldade para dormir ou se alimentar, já que não há descanso até confirmar o negativo. Muitas vezes, porém, o medo é tão intenso que, mesmo as provas reais, como testes de gravidez, exame de sangue ou ultrassom, não são suficientes para comprovar a ausência de gestação.
- Tocofobia e Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG): na tocofobia, a crise ansiosa sempre envolve a gravidez, então, pode vir após uma relação sexual, ao ouvir histórias de pessoas que engravidaram de forma inesperada ou de partos que foram violentos e ao falar de gravidez, de forma geral. Vale lembrar que a própria ansiedade generalizada ou a depressão podem andar ao lado do distúrbio. Por isso, o acompanhamento psicológico durante a gravidez, caso esta ocorra, é necessário para evitar uma possível depressão pós-parto.
- Consequências: uma pessoa com tocofobia pode deixar de ter uma vida sexual leve e saudável, evitando ter relações ou sempre tendo uma crise de ansiedade em seguida. Ademais, pelo medo de estarem grávidas, muitas mulheres perdem qualidade de vida, já que não conseguem se concentrar nas tarefas diárias por pensarem frequentemente no assunto, passam boa parte do tempo buscando indícios de gravidez, gastam dinheiro com testes de farmácia ou exames de sangue e, em certos casos, até evitam estar perto do parceiro, com medo de que qualquer ato, por menor que seja, possa acarretar uma gravidez. Além disso, há mulheres que fazem o uso recorrente da pílula do dia seguinte, gerando sérios problemas à sua saúde.
- Possibilidades de tratamentos: acompanhamento psicológico, para investigar a história de vida, a relação que a mulher tem com a gravidez, o sexo e o parto, a fim de reformular o medo e reduzir a ansiedade. Também recomenda-se o consumo de conteúdos responsáveis sobre o assunto.
Saiba Mais
Palavra do especialista
A tocofobia acomete grupos específicos de mulheres, considerando aspectos como idade e classe social, por exemplo?
Geralmente a tocofobia está relacionada à falta de conhecimentos sobre reprodução, ciclo menstrual, período fértil, métodos contraceptivos e saúde feminina como um todo. Isso porque as mulheres, de uma forma geral, ainda sofrem com os tabus e os preconceitos da sociedade, crescendo, muitas vezes, sem as devidas orientações e informações, tanto no ambiente familiar quanto escolar e social. Todo esse medo de julgamento e desinformação contribui para que desenvolvam tal patologia, que pode acometer qualquer mulher, independentemente de classe social.
Qual a reação esperada quando essa mulher, que sente o medo severo de gestar um bebê, engravida?
Inconformidade com a gestação, medo, depressão, ansiedade, recusa de parto normal e, às vezes, até uma dificuldade de aceitação da maternidade, do vínculo de mãe e filho.
Qual o melhor caminho para lidar com a tocofobia?
Informação! É só através de informação de qualidade, de esclarecimentos e da disponibilidade de métodos contraceptivos e suas devidas e corretas orientações que conseguiremos mudar essa realidade. Políticas de saúde pública que ensinem as mulheres sobre seus corpos e como eles funcionam também são importantes. Por fim, é essencial que culturalmente nós, mulheres, possamos vencer essa barreira do machismo, das críticas e de apontar o dedo umas para as outras, dado que isso se relaciona ao medo do julgamento de engravidar sem planejar, sem estar com vida financeira estável, sem a parceria fixa etc. E nós só conseguimos mudar isso juntas. Nos apoiando.
Ana Paula Farago é ginecologista e obstetra no Centro Clínico Vital Brasília, na Asa Sul
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte