Apesar de conhecer a Casa Caldas de fotos e de estudos, Rodrigo Ohtake entrou pela primeira vez no imóvel projetado pelo pai, Ruy Ohtake, na última terça-feira (30/5), durante o coquetel de lançamento da exposição Ohtakes: abstração intuitiva, e se surpreendeu. "Tem um monte de aula aqui, um monte de coisa que eu não conhecia. Mas arquitetura é dessas profissões que você precisa ver pessoalmente, presencialmente", fala com entusiasmo de duas paixões: a arquitetura e o pai.
O jovem de 38 anos, que, assim como Ruy Othake, formou-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, tem como uma das missões manter o legado do pai, mas sempre olhando para a frente. Durante um rápido bate-papo, ele conta como ocorreu a fusão do seu escritório com o de Ruy, após a morte do patriarca, em 2021, as influências da avó Tomie em sua vida e como o sobrenome Ohtake virou uma marca cultural.
Com a mesma convicção que tinha desde os 5 anos de idade de que seria arquiteto, Rodrigo fala do papel social e ambiental que há por trás da arquitetura e que ele procura cumprir. Confira a entrevista.
Você conviveu com a sua avó Tomie Ohtake?
Muito. Nós tínhamos um almoço todos os domingos, invariavelmente. A gente viajava, mas, no domingo, tinha que voltar ao meio-dia, porque, às duas horas da tarde, tinha um almoço, que acabava às sete da noite. A gente sentava na casa dela e ficávamos lá conversando. Isso durou 40 anos, até ela morrer.
E quem participava desses almoços?
Sempre a Tomie, sentada na cabeceira, Ruy, Ricardo (o outro filho de Tomie), minha irmã, Elisa, e eu. Sempre tinham amigos, curadores, artistas, arquitetos, muita gente interessante, raramente o almoço era só nós.
Então, foi inevitável seguir a carreira de arquiteto?
Olha, eu falei que ia ser arquiteto quando tinha 5 anos de idade. Minha mãe também é arquiteta. Eu brinco que o meu mingau era feito de concreto (risos). Para mim, foi uma escolha muito natural e muito tranquila fazer arquitetura. Meu pai nunca me perguntou o que que eu ia fazer de profissão. Ele sabia desde o início, porque eu sabia desde o início. Os meus primeiros desenhos, de quando eu era muito pequeno, eram as fachadas das casas da rua. Eu sabia de memória desenhar todas as fechadas. Então, isso sempre esteve muito imbuído dentro de mim. Mas isso tem muito a ver também com toda a educação que a gente vai recebendo, de levar em exposições, levar para ver arquitetura, e vai criando gosto por aquilo. Os meus filhos, com 3 anos de idade, entram no museu e colocam as mãos para trás, porque eles já estão acostumados a ver isso tudo. Minha esposa é curadora, então a gente vai muito em exposições.
E tem o peso do sobrenome?
Eu vou te dizer que não, mas tenho certeza que a minha psicóloga diz que sim (risos).
Você tinha o seu escritório e, com a morte do seu pai, você assumiu também o dele. Como está funcionando?
Eu trabalhei com ele durante 10 anos, depois eu saí e fundei o meu escritório. Estava há cinco, seis anos com o meu escritório, a gente estava ensaiando um namoro quando o câncer pegou e levou ele muito rapidamente.
Então, vocês já estavam pensando em se fundir?
De alguma maneira. Precisávamos ver como fazer isso. Eu enxergava de uma maneira, um escritório mais horizontal, o dele era mais vertical; o meu era mais colaborativo, o dele mais centrado nele, na questão da criação… O que a gente já tinha acordado é que ia fazer a reedição dos móveis dele. Ele já tinha falado: toca adiante. Aí ele morreu e eu me vi naquele momento em que a gente estava no meio da conversa. O que eu acabei fazendo foi fundindo os dois escritórios e suprimindo os primeiros nomes — o nome do escritório dele era Ruy Ohtake Arquitetura e Urbanismo e o meu, Rodrigo Ohtake Arquitetura e Design, porque eu acho que o urbanismo é uma área que eu preciso estudar muito para dizer que sou urbanista, apesar do meu diploma dizer que eu sou. E aí eu juntei os dois escritórios e é só Ohtake. Não tem Ruy, não tem Rodrigo, não tem arquitetura, nem design, nem urbanismo.
E qual foi o escritório que ficou, o horizontal ou o vertical?
Bom, como eu comando, o escritório é mais horizontal, tem uma equipe de criação, não é uma coisa que eu crio mais sozinho. Também tem a ver com abrir mão de ego, de entender que o trabalho colaborativo pode ser mais rico. Isso é muito contemporâneo, pois, na geração anterior, era tudo muito mais centralizado. E o próprio nome do escritório ser só Ohtake tem muito a ver com a Tomie, porque Ohtake é um sobrenome que, apesar de ser japonês, tem a sua relevância na cultura brasileira. E, apesar de Ruy e Tomie serem quase contemporâneos, já que ela começa a pintar quando Ruy se forma arquiteto, a construção do sobrenome Ohtake vem muito da Tomie. Então o nome ser apenas Ohtake também é uma forma de homenagear a Tomie no sentido da construção dessa quase marca.
Como andam os seus projetos hoje? Seu foco é mais em arquitetura ou design?
A gente não quer trabalhar somente no campo da arquitetura, do design e do urbanismo, a gente quer ir para outros também, no futuro. Hoje, eu diria que 80% dos meus projetos são de arquitetura e 20% de design. No momento, estamos fazendo projetos em São Paulo, um pouco no Sul e o design pulverizado pelo país todo. Mas a gente quer o mundo.
Brasília está no radar?
Com certeza. Ainda mais porque Brasília é uma cidade que a gente gosta demais. Meu pai manteve um apartamento aqui por mais de 20 anos, do lado da Torre. Era uma vista maravilhosa.
E Ruy tinha uma relação de formação com Oscar Niemeyer…
Muito. Profissional e pessoal. Ele virou amigo do Niemeyer meio na marra. Quando era estudante, foi para o escritório de Niemeyer, pegou um ônibus, foi para o Rio de Janeiro e ficou lá esperando ele sair. Niemeyer não sabia quem era, passava por lá e via aquele moleque, até que chegou uma hora que ele perguntou assim: você está aqui desde que horas? E ele: desde às 10 da manhã. Então, vamos jantar. Viraram amigos.
Quais são as suas maiores influências profissionais?
Com certeza, o meu pai tem muita influência. Direta e indiretamente, Niemeyer também, sou grande fã dele. Aí tem uns arquitetos contemporâneos japoneses que admiro muito, além de outros arquitetos brasileiros. Mas a grande influência que eu tenho é meu pai. Trabalhei com ele por 10 anos, sou filho dele há 38 anos. Quer dizer, tem uma importância para mim muito maior que minha faculdade. A gente conversava sobre arquitetura o dia inteiro, a gente viu muita arquitetura viajando, eu o acompanhava nas palestras dele. O meu olhar foi muito treinado por ele. Quando eu projeto, eu projeto muito pensando nele. Mas ele me surpreende sempre.
De que forma?
Eu nunca tinha, por exemplo, visto esta casa, nunca tinha visitado. E tem um monte de aula aqui, um monte de coisa que eu não conhecia, só de foto. Mas arquitetura é dessas profissões que você precisa ver pessoalmente, presencialmente. Nenhuma foto vai mostrar a luz amarela que entra por aquela janela. Mostra, mas você não vai sentir que o ar fica amarelo, sabe? Ver uma obra dele que eu não tinha visitado é muito emocionante. E o quanto ele se renovava. Constantemente, obra após obra, ele estava sempre incansável de tentar se renovar, se manter contemporâneo.
Tem muita obra que você ainda não conhece dele?
Ele fez mais de 350 obras, né? Mas eu devo conhecer mais da metade.
Como é a sua relação com o design?
A arquitetura ainda é o carro-chefe do escritório, mas a nossa dedicação ao design tem aumentado muito. Porque também tem uma liberdade criativa, tem uma velocidade, tem uma questão de ser mais acessível também, que nos interessa muito.
Você falou que está fazendo a reedição de algumas peças de Ruy Ohtake. Já começou esse processo?
Sim. Devagar, selecionando peça, entendendo se é por tiragem, por peça assinada, se muda material, fornecedor ideal, onde vai vender… Esse é um trabalho que eu tô fazendo com o Zanini de Zanine, que é um designer, cujo pai, José Zanine Caldas, foi um grande designer, arquiteto, paisagista. O Zanini fez um trabalho primoroso de reedição das peças do pai, e ele é muito amigo. Então, eu tô deixando, inclusive, com ele. A gente vai trocando muita figurinha, e a velocidade é quase de uma peça por ano, não mais do que duas. É um trabalho lento, com cautela, com curadoria, para fazer com muita qualidade. A obra do Ruy merece. Ele desenhou mais de 90 peças de design. Algumas a gente pensa em reeditar, outras são peças únicas.
E você? Quantas peças tem?
Devo ter umas 20. Algumas são peças únicas, algumas são de tiragem ilimitada e outras a gente está levando para a indústria para fazer com preço bastante baixo, para ser bastante acessível, como a cultura tem que ser. Não pode ser uma coisa da elite. O design ajuda muito nesse sentido. O meu pai fez um trabalho em Heliópolis, que é a maior favela de São Paulo, há 20 anos, que eu continuo fazendo. Então, sim, tem casas como esta, mas também tem muito trabalho social no escritório. Atualmente, o escritório está com três, dois em São Paulo e outro em Porto Alegre. A minha financeira quer me matar (risos). Toma um super tempo, mas a gente tem que fazer, tem que devolver isso. Eu estudei numa universidade pública, que é a USP. Todo mundo pagou para eu estar lá, eu preciso devolver isso. E o meu pai também tinha essa consciência. Ele sempre fez trabalho social.
E como você vê a questão da sustentabilidade na arquitetura?
A gente tem essa dupla preocupação, a social e a ambiental, elas coexistem e as duas são urgentes.