Para onde vamos quando morremos? Essa é uma das grandes perguntas da humanidade e ainda não há uma resposta definitiva, embora cada indivíduo tenha suas crenças. Mas, em parte, ela pode ser respondida. Nosso corpo, após a morte, pode seguir alguns caminhos.
Na maioria dos casos, somos enterrados em cemitérios, onde os entes queridos podem fazer visitas, deixar flores e fazer orações. Existe também a cremação, que permite que as cinzas sejam espalhadas em um lugar especial para o falecido ou que fiquem guardadas em urnas pelos familiares.
Existem ainda diversas notícias na internet que falam de um futuro com a possibilidade de cápsulas biodegradáveis que permitem que a matéria orgânica do corpo sirva de alimento para o crescimento de uma árvore.
Mas uma opção bastante real e pouco explorada é a doação de corpos para a ciência. Nesses casos, é importante que as pessoas registrem o desejo antes de morrer e que os parentes deem o consentimento. Vamos entender melhor para que serve e como funciona a doação de corpos?
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A doação de corpos
— Jorge Aires, médico ortopedista e sócio diretor do Instituto de Treinamento de Cadáver (ITC), de Brasília, explica que a doação de corpos funciona de duas maneiras no Brasil.
— A primeira são os cadáveres não reclamados. Pessoas que morrem, não têm identificação e que não são procuradas pelas possíveis famílias. Após 30 dias, eles podem ser doados para as universidades, unidades credenciadas e que recebem os corpos de acordo com uma escala.
— Um ponto importante a se destacar é todo o trabalho de divulgação que precisa ser feito antes da doação. É necessário que o Instituto Médico Legal (IML) ou o Serviço de Verificação de Óbito (SVO) responsável pelo corpo faça uma série de publicações, no mínimo 10, nas mídias locais, avisando sobre a morte do indivíduo em questão.
— Quando há uma identificação, é colocado o nome e a idade do cadáver; no caso de não haver nenhum documento, os anúncios são feitos com as características físicas principais da pessoa.
— Somente após esse processo, o instituto pode dar a destinação para o corpo, seja enterro, seja cremação ou doação.
— A outra maneira de doação, no Brasil, é por meio do processo espontâneo. O indivíduo que tiver interesse pode procurar as universidades credenciadas e que fazem esse tipo de trabalho e assinar documentos consentindo a utilização do corpo para o estudo.
— Segundo Jorge, o grande problema atual nos sistemas em funcionamento no Brasil é a demora do processo burocrático e a falta de agilidade no processo, somados a um condicionamento não ideal dos cadáveres durante esse período.
— “Uma vez apto a ser doado, o corpo demora em torno de 60 a 90 dias até chegar efetivamente nas instituições. E durante esse período, eles costumam ficar em geladeiras e não congelados, o que impediria e atrasaria a deterioração”, explica o médico.
— Quando podem, de fato, ser estudados, é necessário aplicar formol e outras substâncias, o que modifica as texturas e as estruturas a serem analisadas, como veias e músculos.
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Técnica fresh frozen
— Como alternativa às dificuldades enfrentadas nos processos burocráticos e até na baixa adesão da população à doação de corpos, existem organizações, como o Instituto de Treinamento em Cadáveres de Brasília (ITC Brasília), onde são usados corpos tratados na técnica fresh frozen.
— Assim que o paciente apto à doação vai a óbito, o corpo é congelado em uma temperatura de cerca de
-15ºC. O cadáver em questão ou as partes que serão usadas nos estudos são descongeladas somente na hora de iniciar o treinamento, o que permite que sejam o mais semelhantes possível a um paciente real.
— “Essa técnica é o que nos permite reproduzir de forma mais fidedigna um ambiente cirúrgico real, com um paciente vivo, o que é fundamental para o aprendizado dos profissionais de saúde”, explica Jorge.
— Embora considerada ideal e aplicada ao redor do mundo, a técnica ainda não é regulamentada no Brasil, de forma que os institutos que a usam precisam importar os cadáveres do exterior.
— Jorge acredita que a doação de corpos é bem regulamentada no Brasil e não precisaria passar por grandes mudanças, mas avalia que a forma de conservação desses corpos precisa ser modernizada.
— O médico acrescenta que, embora possa não parecer, esse processo de agilidade é extremamente importante na melhoria do atendimento médico do país.
— “É muito mais vantajoso para a sociedade, de forma geral, que os médicos recebam o melhor treinamento possível antes de operar em um paciente real”, afirma.
— Por isso, além de ressaltar a necessidade de melhorar os processos de conservação e de acondicionamento dos corpos, Jorge convida as pessoas a refletirem sobre a possibilidade da doação espontânea, mais uma maneira de um indivíduo contribuir para a sociedade.
— Pacientes doadores de órgãos também podem e estão aptos a doar o próprio corpo para o ensino. “Usamos todo o organismo, como os membros, para treinamentos na ortopedia; o cérebro, na neurocirurgia; o crânio, para treinamentos de implantes cocleares... São inúmeras possibilidades de aprendizado em todas as áreas”, completa.
Palavra do especialista:
O que acontece se um cadáver chegar a ser doado para alguma universidade ou instituto e um parente aparecer reclamando o corpo?
Existem no Código Civil Brasileiro leis e artigos que permitem a doação voluntária e gratuita do corpo e também a utilização de cadáver não reclamado para fins de estudos ou pesquisas científicas. Embora aconteça todo um processo cuidadoso e burocrático, pode ser que um parente apareça depois de meses ou até mesmo anos. Quando a universidade recebe aquele cadáver, ela se torna a responsável legal por ele. Todos os estudos, processos e segmentação pelos quais ele venha a passar são documentados cuidadosamente. Ao fim do uso do material, a instituição é responsável pela cremação ou pelo enterro. Se, em qualquer momento desse processo, um familiar aparecer reclamando o corpo, ele será devolvido ou a família será informada sobre o local do enterro.
O que acontece se uma pessoa assinar o termo de doação de cadáver, mas a família não aceitar depois da morte do indivíduo?
Embora seja assinado um termo, que tem valor legal, quando uma pessoa morre, o parente mais próximo passa a ser o responsável por todas as decisões legais, inclusive a destinação do corpo. Quando isso acontece, devolvemos para a família. Assim, evitamos processos judiciais que podem machucar muito as famílias e que vão fazer com que aquele corpo passe muito tempo em espera, se deteriorando. Os benefícios que ele poderia trazer para os estudos não valem todo o desgaste familiar.
Henrique Pereira Barros é presidente da Sociedade Brasileira de Anatomia, cirurgião dentista
e professor de anatomia há 23 anos
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