Ao contrário da maioria das pessoas que trabalham com gastronomia, Natália Sávio não aprendeu a cozinhar com a mãe, a avó ou teve referências familiares. Curiosa, começou, ainda criança, a ler livros de receita porque queria experimentar novos sabores. Aos 12 anos, fez o primeiro prato sozinha: bolinhos de chuva. "Naquela época, não tinha essa facilidade de pegar uma receita na internet, assistir a vídeos tutoriais. Era tudo na base do experimento", recorda-se.
Foram muitas tentativas, erros e acertos, na execução das receitas. Logo, Natália enveredou para a confeitaria e a panificação — vertentes da gastronomia que exigem muita precisão nos preparos. Mas a então adolescente não se contentava em apenas replicar os pratos, queria se aprofundar, entender por que uma mesma receita, muitas vezes, têm resultados diferentes. Será que algum ingrediente não foi colocado da forma correta? O problema está na temperatura ambiente ou do forno? — sempre questionava-se.
Para entender esses processos, Natália passou a não se restringir aos livros de receitas e começou a recorrer também a obras científicas. A intenção era conhecer bem os ingredientes, entender a reação deles. "O açúcar, por exemplo, não serve apenas para adoçar. Dependendo de como seja usado, dá cor, textura e cheiro distintos", detalha.
Quando percebeu, a menina, nascida na roça, em Araraquara, no interior de São Paulo, tinha se transformado em uma alquimista de alimentos. Àquela altura, ela já vendia bolos e pães para a vizinhança, mas sentia necessidade de aprofundar os conhecimentos. Aos 16 anos, candidatou-se para estudar no hotel-escola de Águas de São Pedro. "Tinha apenas uma vaga para bolsista. Como não tinha dinheiro para pagar a mensalidade, essa era a minha única chance de conseguir entrar na instituição." E ela conseguiu.
Ao chegar ao hotel-escola, um mundo se abriu para Natália. "Lá, eles prezam pela qualidade dos alimentos, são extremamente meticulosos e rigorosos. Você precisa estar atento até a temperatura do prato, a roupa precisa estar passada, não é permitido piercing", recorda-se.
E a jovem queria muito aprender. Logo foi trabalhar em um restaurante japonês em Piracicaba, cidade vizinha. Nas férias escolares, estagiou no resort Costão do Santinho, em Santa Catarina, e no Mediterranée, em Itaparica, na Bahia. Fez uma especialização em alquimia dos alimentos na Faculdade Esalq e passou uma temporada em um hotel fazenda, Parador Lumiar, no Rio de Janeiro. "Lá, eles têm a maior horta em hotéis brasileiros. Passei metade do estágio na horta, aprendi muito."
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Com o diploma em mãos, Natália decidiu se mudar para São Paulo, onde estava o maior e mais promissor mercado gastronômico. Em Sampa, conseguiu uma oportunidade de trabalho no Arturito, de Paola Carosella. Pouco tempo depois, a renomada chef, que prestava consultoria para a rede de restaurantes Rubaiyat, convidou a jovem para trabalhar na filial Figueira, em São Paulo.
Em 2013, Natália foi convocada a vir a Brasília comandar a confeitaria do Rubaiyat, que estava abrindo as portas na capital. A princípio, a ideia era que a paulista passasse quatro meses aqui e seguisse para o México, onde seria aberta uma filial da rede. Mas acabou ficando por aqui. Depois de um acidente de trabalho, decidiu dar um tempo de atuar em restaurantes. Passou a fazer, em casa, bolos, doces e pães sob encomenda.
Educação e arte
Um dia, Natália estava em uma festa e conheceu o coordenador do então recém-aberto curso de gastronomia do Iesb. Conversa vai, conversa vem, ele a convidou a fazer um teste para ensinar na instituição. "No início, pensei que era brincadeira, afinal, tinha apenas 21 anos, mas fui mesmo assim. Não só passei no teste como me encontrei na área acadêmica", festeja.
E não parou mais de lecionar. Além do Iesb, onde passou três anos, deu aulas no IGA (Instituto Gastronômico das Américas), na Casa Chic, no Instituto Gourmet, na Oficina Gourmet… Paralelamente, cursava psicologia à noite. Nessa época, engravidou. Quando o filho chegou, em 2018, Natália decidiu dar um tempo para se dedicar ao bebê, que nasceu com uma cardiopatia. Foi um ano de maternidade full time.
Em 2020, em plena pandemia, a jovem foi convidada a montar um hotel do zero. Quando foi concluído, assumiu a cozinha do lugar. Mas, com o ritmo intenso de trabalho que um hotel exige e um filho pequeno para cuidar, decidiu deixar o emprego e se dedicar ao próprio negócio. Reformulou o cardápio da sua empresa de encomendas e, além da confeitaria e panificação, passou a oferecer uma linha de caldos saudáveis e de papinhas para bebês. "Tenho clientes fixos. No domingo, abro uma lista de transmissão pelo WhatsApp, com o cardápio, e recebo os pedidos", detalha.
Mas a paixão pela sala de aula a fez entrar em outro projeto, o Gastronomia no Ritmo das Linguagens Culturais (gastronomiacomocultura@gmail.com), que enxerga a atividade gastronômica como uma manifestação artística e cultural. Todos os sábados, Natália recebe um convidado para discutir uma determinada obra artística e, em cima dela, cria um prato, que é executado e ensinado aos convidados. Já houve três encontros, mas ainda há a oportunidade de participar de outros dois, que serão realizados em 20 de maio e 3 de junho.
No primeiro bate-papo, Natália recebeu o editor Andrey do Amaral para discutir o romance Memórias póstumas de Brás Cubas. Na ocasião, a chef preparou um arroz doce, prato citado no livro de Machado de Assis. A obra O Ovo ou Urutu, de Tarsila do Amaral, foi o tema da segunda aula. "Muita gente acha que preparar um ovo é algo simples, mas ele tem várias funções. A clara em neves, por exemplo, faz o bolo crescer", detalha.
Neste sábado (20/6), com ritmo e sabor, a música Tropicana, de Alceu Valença, será o tema da discussão. Natália executará uma salada tropical na cadência pernambucana. E, para encerrar o projeto, no dia 3 de junho, o longa nacional Estômago estará em debate. "Ensinarei um macarrão à carbonara, tal qual o personagem do filme, que descobriu seu talento com massas." Os encontros ocorrem em A Banka, na Quadra 10 do Cruzeiro Velho, às 16h, e são gratuitos.
Pudim de cachaça com calda de gengibre e frutas vermelhas
Pudim
Ingredientes
20ml de cachaça
300ml de leite integral
1 lata de leite condensado
6 gemas
1/2 gengibre pequeno
300g de açúcar refinado
Calda de frutas vermelhas
Ingredientes
400ml de água
200ml de vinho do porto
50g de morango
50g de amora
50g de framboesa
2 flores de anis estrelado
2 canelas em pau
60g de açúcar refinado
Pudim
Modo de preparar
Pique o gengibre o mais pequeno possível.
Em uma frigideira, coloque o açúcar refinado em fogo baixo até que toda borda comece a derreter. Quando derretido, adicione o gengibre. Despeje no fundo das forminhas. É importante ressaltar que, para uma calda lisa, a temperatura é de 160°C.
Em uma tigela, misture o leite condensado com o leite, a cachaça e as gemas, misture com cuidado para não formar bolhas, pois a textura ideal do pudim é liso, sem bolhas.
Despeje o líquido por cima da calda até preencher a forminha. Leve ao forno em banho-maria em forno a 180°C até que apresente uma textura firme, mas a coloração se mantenha clara. Caso apresente coloração escura, significa que a cocção foi maior do que o desejado, lembrando que, após refrigerado, o pudim apresenta maior consistência. Retire do forno, cubra com plástico filme e refrigere por 12 horas.
Calda de frutas vermelhas
Modo de fazer
Misture todos os ingredientes numa panela em fogo baixo e deixe reduzir até o ponto napeé (quando você passa a parte de trás da colher na preparação, deita a colher, passa o dedo no sentido reto horizontal e um lado não escorre para o outro).
Deixe descansar até chegar à temperatura ambiente. Se desejar, bata no liquidificador para obter um resultado liso. Ou, para um resultado mais rústico, sirva com as frutas em pedaço.
Para desenformar o pudim, descole as laterais, aqueça um dedo de água, deixe alguns segundos para a calda da parte de baixo amolecer e desenforme no prato.