O diagnóstico de um câncer é sempre um momento assustador. Independentemente do tipo de tumor ou de onde ele está localizado, tudo que o paciente conquistou ou sonha costuma passar como um flash diante dos olhos.
E, para muitas mulheres, o desejo de ser mãe parece escapar no momento em que recebem a notícia alarmante. Mas a especialista em reprodução humana Simone Mattiello, da Nilo Frantz Medicina Reprodutiva, acalma as mulheres e afirma que o diagnóstico de um câncer não precisa ser o fim da linha quando falamos em gestação.
"O mais importante, nesse momento, é que as mulheres estejam informadas sobre essa possibilidade. O foco do oncologista vai estar em salvar a vida da paciente e esse aspecto pode passar batido, por isso é necessário falarmos sobre e divulgar bastante as possibilidades", destaca Simone.
Existem algumas alternativas que estão disponíveis para quase todas as pacientes. São procedimentos que podem ser feitos antes do início do tratamento do câncer. Entre eles, destaca-se o congelamento de óvulos, de embriões ou de tecido ovariano. Confira as possibilidades.
Antes do tratamento oncológico
- Antes de congelar congelar óvulos ou embriões, segundo Simone Mattiello, especialista em reprodução humana, as mulheres são submetidas a um tratamento de estimulação hormonal, que pode durar de 10 a 14 dias.
- Em seguida, os óvulos são colhidos e congelados. No caso dos embriões, os óvulos são fecundados com os espermatozoides do parceiro da paciente e, em seguida, congelados.
- Após o fim do tratamento oncológico, os óvulos podem ser usados para fertilização in vitro e, então, implantados na paciente, assim como os embriões. Os dois procedimentos também precisam de uma preparação hormonal.
- Normalmente, esse período de espera para começar o tratamento do câncer não é um problema, mas a possibilidade é sempre avaliada com a equipe oncológica responsável pela paciente.
- Os procedimentos são os mesmos na maioria dos tipos de câncer, salvo os que estão localizados nos órgãos do aparelho reprodutor e os hormonais.
- Nos cânceres hormonais, é necessário avaliar os receptores hormonais da doença, para adequar a estimulação ovariana, com hormônios que não vão comprometer o futuro da paciente com relação ao tratamento ou à evolução do câncer em questão.
- Essa é a técnica mais usada atualmente e pode ser feita em quase todas as pacientes. Existem alguns casos em que o congelamento é contraindicado, mas é sempre necessária uma avaliação individual, com a equipe reprodutiva e a oncológica.
- Em alguns tipos de câncer de mama, a depender do receptor hormonal do tumor, a estimulação pode ser um risco um pouco alto demais para a paciente.
- E nos casos de câncer de ovário, as chances de o congelamento ser possível são ainda mais baixas.
Congelamento de tecido ovariano
- Um pouco diferente das duas primeiras opções,o congelamento de tecido ovariano costuma ser feito em meninas na fase pré-púbere, que ainda não menstruaram e não passaram pela ativação do eixo gônada, hipotálamo e hipófise.
- Costuma ser a opção no caso de crianças com leucemia e linfomas e também para mulheres com contraindicação para a estimulação hormonal necessária para a coleta de óvulos.
- A vantagem é a ausência da estimulação hormonal e a principal desvantagem é que o processo envolve um procedimento cirúrgico, uma videolaparoscopia sob anestesia geral para a coleta de tecido.
- Em alguns casos, além do tecido ovariano, o próprio ovário pode ser removido e congelado.
- Depois do tratamento oncológico e havendo o desejo da paciente ter filhos ou mesmo a necessidade de estimular a produção hormonal própria, o tecido pode ser reimplantado.
- O implante costuma ser feito na mesma região em que o tecido foi removido e, assim, ele reassume suas funções.
- A partir daí, a paciente pode começar a ovular novamente e passa a produzir hormônios.
- “São dois benefícios para a saúde da mulher, ela pode voltar a produzir os hormônios e não precisar fazer reposições, mesmo que não queira engravidar”, acrescenta Simone.
- Em alguns casos, a paciente pode precisar de técnicas de reprodução assistida, mas já existem casos em que foi possível a gestação espontânea.
- O procedimento é menos comum e feito por poucas clínicas no Brasil, mas é uma alternativa viável.
Após o tratamento oncológico
- Simone explica que, após a exposição do organismo à quimioterapia e à radioterapia, pode ser mais difícil que a mulher consiga engravidar de forma natural ou com os próprios óvulos, mas não é impossível.
- A primeira coisa que se avalia é o estoque de óvulos da paciente. Nas mulheres mais jovens, a quantidade de óvulos disponíveis é muito maior e é possível que parte deles sobreviva após o tratamento oncológico.
- Durante a quimioterapia ou radioterapia, a carga de medicamentos e intervenções no organismo para curar o câncer acaba matando muitos dos óvulos no processo, o que acelera essa diminuição de estoque que já ocorre naturalmente.
- Em alguns casos, quando uma grande quantidade resiste ao tratamento, a paciente consegue retomar a função ovariana naturalmente.
- Quando a reserva ovariana não resiste ao tratamento, mas a paciente tem o desejo de passar pela experiência da gestação, ela pode recorrer à doação de gametas ou óvulos.
- “É como um processo de adoção, mas da célula, que pode ser fertilizado com o sêmen do parceiro. Assim, ela pode viver a gestação e a amamentação”, explica a especialista.
Palavra do especialista
Quais são as possibilidades para as mulheres que têm tumores nos órgãos reprodutores engravidarem?
Esses casos são um pouco mais delicados. No câncer de colo de útero, o mais frequente em mulheres em idade fértil, nem sempre é possível preservar o útero, em função da radioterapia, que, muitas vezes, é necessária e pode necrosar os tecidos. Mas, nesses casos, é possível congelar o óvulo ou o embrião e usar a barriga solidária. Já nas situações nas quais são necessárias cirurgias no aparelho reprodutor, é sempre necessário discutir com os especialistas envolvidos no tratamento e avaliar a possibilidade de fazer uma cirurgia preservadora de fertilidade. Cada caso vai ser um caso e depende muito do organismo e dos riscos que o câncer traz de forma geral. Existe ainda a possibilidade da transposição do útero. Quando o câncer está próximo da região sacra, como o reto, é possível colocar o útero fora do campo da radioterapia. O útero é realocado dentro do organismo, suspenso da pelve e, depois do tratamento radioterápico, colocado de volta no lugar. É algo novo, uma técnica criada por um brasileiro e, no mês passado, foi registrado o primeiro nascido vivo após esse tratamento.
E quais são as chances para as mulheres após o tratamento oncológico?
Nos casos em que o câncer foi descoberto e tratado cedo e nos quais ainda existe a reserva ovariana, principalmente nos de mama, é possível fazer uma pausa no tratamento para a gravidez. Essas pacientes de câncer de mama precisam fazer hormonioterapia por cinco anos e o tratamento é incompatível com a gestação. Mas, após dois anos, é possível fazer uma pausa de dois anos na terapia, engravidar e, em seguida, retomar o tratamento sem grandes riscos de recaída na doença. Cerca de 76% das mulheres que usaram essa técnica conseguiram engravidar.
Daniele Assad Suzuki é médica oncologista especialista em câncer e tumores femininos