Neurônios em dia

Como o frio influencia o desempenho de nosso cérebro

Tanto o frio quanto o calor exagerados podem influenciar negativamente nossa habilidades mentais. Estudos existentes sugerem que o frio tende a atrapalhar mais

Ricardo Afonso Teixeira*
postado em 19/05/2023 18:12
 (crédito: Reprodução/Inmet)
(crédito: Reprodução/Inmet)

Do ponto de vista psicológico, clima frio é aquele nos provoca a sensação de frio ou até mesmo desconforto. Do ponto de vista fisiológico, clima frio é aquele que altera nosso sistema de regulação de temperatura. Podemos dizer que esse nosso termostato funciona em “marcha lenta” em ambientes com temperaturas de 25ºC-27ºC, não disparando reações de aumento do metabolismo no caso do frio ou de transpiração, no caso do calor. A inteligência maior dessa regulação encontra-se em um centro profundo do cérebro, o hipotálamo, e é ele que comanda nossas reações de suor, calafrios e constrição ou vasodilatação dos vasos sanguíneos em resposta à temperatura ambiente.

Será que realmente funcionamos em outro ritmo em dias mais frios?

A adaptação do nosso corpo ao frio envolve mecanismos neurológicos, que influenciam nosso sistema endocrinológico e vascular, mas é claro que também envolve mecanismos comportamentais, como tirar do armário aquele casaco que só usamos algumas vezes no ano.

Vários fatores determinam a regulação do frio em um determinado indivíduo: idade, sexo, preparo físico, quantidade de gordura corporal. Até mesmo o tipo de personalidade do indivíduo pode influenciar: extrovertidos reagem mais ao desconforto do frio com maior aumento da pressão arterial e secreção de noradrenalina. Doenças sistêmicas e medicações também podem afetar a resposta individual ao frio.

Do ponto de vista de desempenho físico, o frio prejudica a função muscular em exercícios dinâmicos. Já em exercícios estáticos, o frio não influencia tanto, e, ao contrário, pode até aumentar a resistência muscular. E o nosso cérebro?

Sabemos que tanto o frio quanto o calor exagerados podem influenciar negativamente nossa habilidades mentais, e um balanço geral dos estudos existentes sugere que o frio tende a atrapalhar mais. Entretanto, alguns estudos também nos mostram que o frio leve/moderado pode melhorar nosso desempenho intelectual.


Duas principais teorias explicam o efeito do frio sobre nossas habilidades cognitivas. A primeira é do efeito distração que o desconforto associado ao frio pode causar, ao desviar nossa atenção da tarefa que estamos efetuando. A outra teoria defende a ideia de que o frio leve/moderado deixa-nos mais acordados, e o maior estado de vigília permite um melhor desempenho do nosso cérebro. Evidências neurofisiológicas apoiam essa hipótese, ao mostrar que a atividade elétrica cerebral no frio leve/moderado é mais “esperta”.

O frio pode reduzir nosso nível de vigília, nossa concentração e memória de curto prazo, entre outras funções cognitivas, especialmente em temperaturas abaixo de 10ºC. No caso de hipotermia, ou seja, em situações de frio extremo em que a temperatura corporal chega a níveis inferiores a 35ºC, pode-se observar sintomas de confusão mental e redução da vigília. O efeito do inverno sobre nosso comportamento também pode ter uma parcela de contribuição do fator luminosidade. Em países muito ao sul ou muito ao norte, o inverno vem acompanhado de pouca luz, por conta de dias muito curtos, fenômeno que é bem reconhecido como fator que aumenta a frequência de sintomas depressivos nessa estação. E depressão é igual a cérebro menos eficiente. Há evidências também que as concentrações dos hormônios da tiroide estão reduzidas em invernos rigorosos. E hormônios da tiroide são combustíveis importantes para o cérebro.

Até o momento, a melhor dica para nosso cérebro curtir o frio com boa performance é a de nos agasalharmos bem para não ficarmos distraídos com o desconforto do frio. No ambiente de trabalho, o ar condicionado simulando uma câmara frigorífica pode ser um fator de distração. Viver o inverno sem ficarmos lembrando que está frio pode até deixar o cérebro mais ligado. Um cafezinho vai muito bem também.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e diretor do Instituto do Cérebro de Brasília

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação