Ator e professor de literatura, André Aires, 38 anos, tinha em mente o nome ideal para o novo membro da família. Pretinho, como o cão adotado era chamado, tornou-se Romeu! Sim, o personagem da obra de Shakespeare. “Sempre que me perguntam o nome dele, questionam, em seguida: e a Julieta?", conta aos risos.
O pequeno Romeu tem 3 anos e foi adotado em 2020. É um cão com necessidades especiais, mas não nasceu assim. Com cerca de 30 dias de vida, abandonado em um acampamento de escoteiros, foi encontrado machucado e sem uma parte da pata traseira direita. A suspeita é de que ele tenha sido atacado por outro animal.
Resgatado pelo abrigo Toca Segura, recebeu os devidos cuidados veterinários e optou-se por amputar o restante da pata. Na época, André acompanhava a ONG pelas redes sociais, que conheceu quando doou os pertences do antigo cão que há pouco havia falecido. Pelo Instagram, conheceu a história do então Pretinho. Apaixonou-se.
Aos quatros meses – e rebatizado –, Romeu ganhou uma família, e André, um companheiro de aventuras. “Carrego-o para todo lugar que vou. Ele já passou por Brasília, Pernambuco e agora mora no Rio de Janeiro”, revela. O tutor ainda acrescenta que, quando o pequeno chegou ao lar, não sentiu tanta dificuldade em se adaptar às suas necessidades. O primordial foi ajudá-lo a fortalecer, com exercícios, a pata traseira que sobrou.
Arteiro, o vira-lata adora subir e descer escadas. Hoje, consegue saltar e até sair do chão, algo que antes não conseguia fazer. Quando chega em alguma praia, não perde tempo e começa a correr. “Ele corre muito bem e rapidamente. As pessoas sequer reparam que ele não tem uma pata.” Nos passeios, inclusive, o pequeno já garantiu sua fama. “Pouquíssimas pessoas me conhecem pelo meu nome, pois costumo ser chamado de ‘pai do Romeu’”, comenta.
No dia a dia, o professor nota que o cão tem incômodos pontuais com a ausência da patinha, como se no local da cicatriz houvesse alguma terminação nervosa. Por vezes, ele tenta coçar e até morder o lugar. No geral, a única dificuldade que ainda possui é para subir na cama. De resto, Romeu tira de letra.
Adoção tardia
Segundo Monique Pires, protetora de animais e secretária do Toca Segura, as maiores causas de deficiências, no abrigo, estão relacionadas ao abandono, pois muitos cães são deixados ao relento nas ruas ou, por vezes, já nascem nessa situação. Assim, sofrem atropelamentos e chegam a ficar dias machucados, com os membros pendurados, até serem resgatados.
Ademais, outra negligência se dá quando não são vacinados corretamente pelos tutores e podem ser acometidos pela cinomose, que também tem como sequelas algumas deficiências motoras e neurológicas. Na ONG, dos tantos animais acolhidos com essas características, pouquíssimos são adotados, ainda que não tenham dificuldades na convivência e na locomoção.
O estigma em relação aos pets com necessidades especiais e o medo de não conseguir tomar conta adequadamente são, para Monique, os principais motivos desses cães não serem escolhidos. Ela lembra, porém, que no geral os cuidados são os mesmos: vacinação, vermifugação e consultas anuais. “Eles brincam bastante, são independentes e, sobretudo, muito gratos”, garante.
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Cuidados indispensáveis
Animais com necessidades especiais são aqueles que, por lesão motora ou cognitiva, precisam de algum cuidado especial, com fisioterapia, acupuntura, e, em casos mais delicados, com o uso das cadeiras de rodas. Iamylle Carmo, veterinária especializada em cirurgia geral e ortopedia de pequenos animais, lembra que entre as deficiências em pets, a paraplegia é a mais comum.
Suas principais causas incluem traumas (atropelamentos, quedas) e a doença do disco intervertebral, muito comum em raças como dachshunds, buldogues e pugs. Ademais, após certa idade, alguns bichos podem apresentar cegueira, devido à catarata e ao glaucoma. A surdez também pode afetar animais mais velhos.
Érica Holanda, fisioterapeuta veterinária, reforça que manter as vacinas em dia para evitar as doenças virais é primordial. Além disso, o ideal é não deixar o animal subir na cama ou no sofá; manter passeios regulares; e incluir complementos alimentares na dieta do pet, caso ele já tenha predisposição a alguma deficiência.
Iamylle sugere “acolchoar” os lugares em que o bicho mais fica para reduzir possíveis feridas; evitar pisos ásperos e desníveis; e tentar não trocar os móveis de lugar, em vista da adaptação dos animais cegos. Alguns animais perdem o controle da urina, precisando usar fraldas; outros não conseguem urinar sozinhos, demandando ajuda.
No caso da cegueira, dependendo da causa, há tratamento com auxílio de colírios e acompanhamento com o oftalmologista. Algumas cataratas são operáveis. Sobre a surdez ainda não existem tratamentos eletivos. “Aprender a lidar com a particularidade é a melhor opção, dado que, aos poucos, o tutor vai descobrindo o que o pet precisa e como ele fica mais confortável”, explica.
Ajuda dos “irmãos”
O estudante Gabriel Pires, 21 anos, é tutor da pequena Amora, de um ano, que nasceu na última ninhada da sua outra cadela. A pet é parcialmente surda devido a uma malformação. Quando escuta, mesmo pouco, é na direção oposta de onde vem o barulho, característica que tem desde cedo.
A família já havia tido contato com outros pets deficientes, porém, nunca surdos. O maior desafio foi conseguir educá-la sem usar a voz, ferramenta normalmente utilizada nos adestramentos. Foi preciso, então, investir em gestos. E funcionou. “Hoje não temos quase nenhuma dificuldade. Apenas nos passeios, às vezes, que ela fica assustada por não ter muita noção de espaço. Mas, no geral, é muito tranquilo”, explica.
A rotina que Gabriel segue com Amora é a mesma aplicada aos demais cães da casa. Passeiam quatro vezes ao dia, têm água e ração liberadas e adoram brincar. Muito carinhosa e espoleta, a pequena conta também com a ajuda dos “irmãos” cachorros, que a guiam pelos ambientes, a fim de evitarem que ela se perca. “Todos nós nos adaptamos muito bem a ela e ela está cada vez mais habituada a nossa linguagem de sinais”.
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*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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