Para as mulheres, crescer sob domínio dos padrões de beleza é “apenas” um dos muitos desafios que precisam enfrentar ao longo da vida. Nesse contexto, os esforços para se adequarem ao suposto corpo ideal podem gerar sequelas emocionais e físicas, dada a submissão a condutas e a procedimentos estéticos arriscados e sem embasamento profissional. A bola da vez é o implante hormonal conhecido como “chip da beleza”.
O dispositivo, em formato de um pequeno tubo de silicone, inserido sob a pele, é feito à base do hormônio esteroide gestrinona. Com ação androgênica — potencial de aumentar os níveis de testosterona (hormônio masculino) —, a substância possui função anabolizante, podendo resultar no aumento da massa magra, na diminuição da massa gorda e na melhora da libido e da performance. Por isso, sua alta procura.
No entanto, a endocrinologista Tânia Falcão, da Secretaria de Saúde do Distrito Federal e da clínica Litt Medicina Integrada, alerta que o uso de hormônios para fins estéticos ou de melhora de performance física é proibido, visto que não há nenhum estudo que garanta sua segurança, em especial quando utilizado em excesso. Ademais, o chip de gestrinona não possui registro na Agência Nacional d e V i g i l â n c i a Sanitária (Anvisa).
Recentemente, o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu a prescrição de esteroides anabolizantes para fins estéticos. A medida visa frear a popularização das substâncias, assim como proíbe sua propaganda. Dessa forma, profissionais que as divulgarem também poderão ser punidos. As restrições, porém, não abarcam o tratamento de enfermidades, disfunções hormonais ou processos de transição de gênero.
“Existem alguns estudos sobre o benefício desse hormônio em mulheres com endometriose; no que tange à estética, não. Portanto, nenhum profissional ético deveria indicar o ‘chip da beleza’”, reforça Tânia. A médica endocrinologista Helena Coelho, da clínica Sorgatto e do hospital Santa Luzia, em Luziânia, acrescenta que, no geral, não há nenhuma aprovação do uso dessa substância em forma de implante, mesmo no caso do distúrbio, pois não é possível estimar a dose utilizada, já que não é permitida sua comercialização.
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‘Chip’ bom pra quem?
Segundo a endocrinologista Helena Coelho, antes de cogitar usar o implante hormonal, vale levar em consideração os seguintes pontos:
- O principal público dos implantes hormonais são pessoas que visam obter melhorias estéticas no corpo.
- Os efeitos colaterais do famoso ‘chip da beleza’ incluem: queda de cabelo, acne, aumento de pelos no corpo, aumento do clitóris na mulher e engrossamento da voz, que pode até ser irreversível.
- Além disso, há o aumento do risco de infarto, de insuficiência cardíaca e de acidente vascular cerebral (AVC).
- Não se deve confundir o "chip da beleza" com o implante anticoncepcional, conhecido como IMPLANON, visto que não foi testado para esta finalidade.
Quando o uso de testosterona é indicado?
- A única indicação de reposição de testosterona na mulher é na pós-menopausa, na forma transdérmica, por curto espaço de tempo, para o tratamento de desejo sexual hipoativo, diagnosticado por meio de um questionário e pelos sinais clínicos, em consulta.
- Já no homem, a indicação de reposição de testosterona ocorre quando há caso de hipogonadismo, isto é, de mau funcionamento das gônadas, desde que o diagnóstico seja confirmado clínica e laboratorialmente.
- “O ‘chip da beleza’, que de beleza não tem nada, ficou conhecido pelos supostos benefícios que traz. Entretanto, pouco se falou sobre os efeitos colaterais”, comenta Helena Coelho.
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Palavra do especialista
É possível estimar há quanto tempo essa técnica é usada indevidamente? Por que a senhora acredita que ganhou notoriedade somente nos últimos dois anos?
Os chips já estão há mais de dez anos no mercado. E essa indústria só cresce. Hoje, oferecem vários tipos de hormônios nesses tubos siliconados, para homens e mulheres. A busca eterna pela beleza e pela juventude vem, inclusive, da mitologia grega. Mas acredito que a grande exposição na internet nos leva a comparações e ao desejo de um corpo perfeito. Dá trabalho e leva tempo mudar a nossa composição corporal. Como temos pouco tempo, vivemos uma era de “multitarefas”, vivemos esgotados e sem energia. A oferta de um remédio que te dá disposição, melhora seu apetite sexual e te deixa com o corpo mais bonito, de fato, é muito tentadora.
A quais outros mitos, além daqueles relacionados à estética, o implante hormonal está associado?
Esses dias, ouvi de uma paciente que já usou o ‘chip’ que, mesmo estando ciente dos riscos, iria colocá-lo novamente, pois, com o implante, ela conseguia trabalhar, cuidar dos filhos, ir para a academia todos os dias e ainda a ajudava na relação com o marido. Cansaço é uma queixa frequente no meu consultório. Dá trabalho ajustar o sono, comer bem, fazer atividade física regular, cuidar do emocional. Então, a grande promessa, além da estética, é a melhora na disposição física e no apetite sexual.
O organismo ainda manifesta os efeitos colaterais do implante mesmo após cessar o uso? Por quanto tempo permanecem no corpo?
Depende muito do efeito. Ficou famoso recentemente o caso da ex-BBB que ganhou peso e teve acne com o ‘chip’. Esses efeitos provavelmente melhoram com o tempo, visto que os hormônios são liberados entre seis e 12 meses. Mas, recentemente, por exemplo, eu atendi uma senhora de 68 anos que usou o implante, teve uma arritmia grave e, além de tudo, desenvolveu diabetes. Ela tinha exames normais até então. Agora, terá que tomar medicamentos para essas enfermidades de maneira contínua. Também já vi paciente internado com trombose grave pelo 'chip', e a inflamação hepática é muito comum. Todos os dias, eu e meus colegas atendemos complicações do uso indevido de hormônios, fora o risco aumentado de câncer e infarto, já documentado em muitos estudos. Pode ser que você use, se sinta muito bem e não tenha nenhuma complicação visível, mas quanto vale sua saúde para você dar esse 'tiro no escuro'?
Tânia Falcão é endocrinologista titulada pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e proprietária da Litt Medicina Integrada. Atua nesta especialidade na Secretaria de Saúde do DF e é preceptora da residência médica pela Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS).
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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