Muitas pessoas procuram um serviço de saúde com sintomas neurológicos como fraqueza de um lado do corpo e os exames clínico, de neuroimagem, entre outros, não evidenciam uma doença neurológica que responda por esse sintoma. Histeria, síndrome conversiva, crise psicogênica, pseudocrise são termos para descrever esse fenômeno e que, hoje, não devem ser vistos como denominações preferenciais, pois alimentam estigma, preconceito e desinformação.
Histeria traz a origem grega do termo histero, de útero, sendo que a condição afeta em 70% dos casos as mulheres, mas não só as mulheres. Para a “elite masculina”, o termo neurastenia já foi muito usado, sugerindo sintomas como reflexo do excesso de trabalho e de ambição. O termo conversivo alimenta a ideia de que existe um trauma na história do paciente que se converte em sintomas neurológicos. Isso vem de longe, ainda com Freud e seus antecessores. O trauma nem sempre existe, mas eles estavam certos. História de negligência na infância e abuso físico e sexual são oito vezes mais frequentes entre indivíduos com transtorno de sintomas funcionais neurológicos (TSNF) e duas vezes mais comuns quando comparados a outros transtornos psiquiátricos. Isso tudo acontece mais nas classes econômicas menos favorecidas, e aqui a mulher está em desvantagem. Vale também lembrar que a América Latina tem o maior índice de violência contra as mulheres em todo o mundo (Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas).
Pseudocrise é um termo que leva o quadro do paciente ao descrédito e desconfiança, e psicogênico alimenta a cisão entre a mente e o corpo. Aqui vale uma correção ao que foi dito no início: “quando não evidenciam uma doença neurológica que responda por esse sintoma”. Hoje, o TSNF é visto como uma doença neurológica, sim, doença psiquiátrica, sim, e para romper essa separação mente e corpo, vamos ao termo doença neuropsiquiátrica, então. Essa condição neuropsiquiátrica é considerada a segunda razão pela procura por atendimento numa clínica neurológica.
A mesma fraqueza de um lado do corpo que descrevemos é muito mais respeitada pelos profissionais de saúde quando é decorrente de uma doença neurológica bem conhecida e reconhecida, como um tumor cerebral. O TSNF ainda é frequentemente designado pelos profissionais de saúde como piti, às vezes de simulação, fingimento, que são coisas bem diferentes. Isso traz muito sofrimento ao paciente.
O cérebro desses pacientes com TSNF apresentam alterações em neuroimagem funcional como PET Scan e até em avaliações morfológicas na ressonância magnética. Não só as conexões cerebrais, o software, está alterado, mas o hardware também está. Imaginem Sigmund Freud tendo contato hoje com essas evidências! Pois é. Ele nos apresentou um outro lado do cérebro, ainda no século 19, mas a ficha ainda não caiu. O TSNF não é consciente!
Portanto, dizer a um paciente com TSNF que os sintomas são coisas da cabeça dele ou dela refletem ignorância e falta de sensibilidade. A abordagem empática influencia na aceitação do diagnóstico e aderência ao tratamento que inclui psicoterapia e, em casos selecionados, medicações. Os resultados, na maior parte dos pacientes, são ótimos.
* Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e diretor do Instituto do Cérebro de Brasília