Jornal Correio Braziliense

Comportamento

As facetas do perfil 'Low Profile': conheça os discretos on-line

Ter um perfil low profile não significa desinteresse nas redes sociais. Muitas pessoas adotam o comportamento para aproveitar a internet do seu jeito. E está tudo bem

Nada mais "frustrante" que ir a um perfil nas redes sociais para saber um pouco mais sobre a vida de alguém e não encontrar mais do que duas fotos de alguma paisagem aleatória. A internet se transformou em uma grande vitrine, causando estranheza quando não se tem um número mínimo de publicações. Mas tal comportamento tem sido bastante adotado e ganhou até nome: low profile — em tradução livre, agir de forma discreta.

Antes do universo de influenciadores e blogueiros entrar em cena, publicar demais era visto como oversharing — compartilhar em demasia. Surgiram, então, movimentos para que as pessoas mantivessem sua vida pessoal e outras privacidades para si. Agora que plataformas como Instagram e Tik Tok passam a financiar os criadores de conteúdo, quase tudo é permitido e "fica para trás" quem não entra na onda.

Para o psicólogo Saulo Maciel, especializado em terapia cognitivo-comportamental há mais de 10 anos, são diversos motivos que levam alguém a adotar esses comportamentos — tanto as pessoas que usam as redes sociais, mas quase não postam, quanto as que nem usam e acessam com frequência.

"No perfil de pessoas que usam muito as redes sociais, mas publicam com baixíssima frequência, há uma maioria que enxerga essas plataformas como fonte de entretenimento, local para troca de mensagens ou ferramenta de pesquisa — nenhuma dessas atividades exige que você publique algo", acredita Saulo. "É confortável aproveitar os benefícios (das redes) sem ter que se preocupar em produzir conteúdo."

Outro perfil mencionado por Saulo é o de pessoas que se sentem inseguras em mostrar sua vida pessoal, por medo de comentários e críticas, ou por acreditarem que não têm nada de interessante para mostrar. "Acredito que, mesmo que pudéssemos dar uma injeção de confiança nessas pessoas e elas se tornassem mais flexíveis com sua privacidade, muitas continuariam sendo low profile, simplesmente porque é cômodo", analisa.

Miguel Barea, 36 anos, é professor de inglês e sua proximidade com as redes se resume a manter contato com familiares e amigos. Ele conta que gosta de postar, mas que não vê necessidade de estar fazendo sempre, e acredita que a maioria dos momentos que vive pertence exclusivamente a ele. "Quando tento dividir essa mesma alegria com outras pessoas, que não estavam presentes, parece não condizer com o momento."

Já para Rodrigo Azoubel, 27 anos, comerciante, os motivos são outros. Ele conta que era tímido na infância e suas atitudes nas redes são uma extensão disso. "Não me sinto seguro em expor minha intimidade para as pessoas em redes sociais, um lugar muito propenso a julgamentos sem nenhum pudor. Esquecem que existem pessoas reais, com sentimentos, emoções, problemas, gatilhos e inseguranças atrás das telas", reflete.

As obrigações

Aqueles que não se interessam por essa interação nas redes sociais acabam criando um perfil por motivos quase obrigatórios, caso de Rodrigo e Miguel. "São aqueles que fizeram uma conta para desfrutar de algum benefício ou suporte. Há também pessoas que perceberam danos causados pela internet e decidiram se afastar", conta o psicólogo Saulo. "E estas, realmente, não postam muito."

Ele acredita que muitos desses internautas até consideraram a exclusão das contas, mas a sociedade os "obriga" a mantê-las. "Ao começar a sair com alguém, é estranho dizer que não possui redes sociais. A pessoa vai desconfiar que você quer esconder algo da sua vida pessoal, como estar comprometido. Enfim, somos impelidos a ter uma persona social, mesmo que não a usemos com frequência", afirma Saulo.

Rodrigo ausentou-se das redes e, com o passar do tempo, começou a se sentir excluído do grupo social, considerando a quantidade de vezes que era chamado para sair. "É como se eu não existisse pelo fato de não estar ativo. Sinto um pouco do 'quem não é visto não é lembrado'", relata.

E a pressão é real. Por exemplo, toda vez que algum amigo próximo de Miguel posta algo e o marca, ele se sente completamente obrigado a 'repostar' em suas redes. "Considero rude de minha parte não publicar algo em que fui marcado, mesmo não querendo postar."

Riscos e benefícios

Manter distância das redes — ou até publicar com excessividade — não determina atestado de saúde. O psicólogo clínico Airton Campos, especializado em terapia comportamental, diz que não podemos considerar saudáveis ou problemáticas atitudes que vão refletir de maneiras diferentes nas pessoas. O que, de fato, vai determinar é nossa relação pessoal com determinada situação — nesse caso, a internet.

Miguel diz que já se sentiu inseguro no momento de postar fotos — sua maior dificuldade é com as fotos de rosto, pois diz se sentir estranho e com a impressão de ser algo artificial. "Sempre me vem à mente uma sensação de 'finja estar feliz'. Mesmo que eu esteja, parece que, naquele momento da foto, estou forçando uma cena alegre."

Por causa do afastamento das redes, Rodrigo também passou a receber menos mensagens de conhecidos, mas ainda mantém um contato mínimo com algumas pessoas. E, por mais que tenha uma boa vida social e ciência de que seus amigos estão presentes em sua vida, sente-se solitário quando não recebe alguma notificação de tempos em tempos.

Porém, focar nos benefícios também é essencial. E eles estão no fato de saber construir relações sem depender das redes sociais, pois acaba-se evitando problemas que o uso contínuo e descuidado da internet causa. "Apesar das obrigações, a internet nos conecta por meio de um pequeno dispositivo que permite nos relacionar com pessoas próximas, nos identificar com sentimentos e situações, compartilhar dores", pontua Saulo Maciel.

Usar as redes sociais para se sentir mais perto de pessoas que gostamos é a tática que o professor Miguel Barea utiliza. E quando alguém posta uma foto ou vídeo de algum lugar, aquilo mexe muito com ele.

O psicólogo clínico Airton Campos reforça que apenas curtidas, comentários e compartilhamentos não são o suficiente para suprir necessidades sociais e afetivas de cada um. "Essas necessidades terão que ser atendidas na relação com outras pessoas na vida real." É importante enxergar as redes como uma forma de manutenção desses relacionamentos, porém com o limite correto. 

Já o psicólogo Saulo Maciel aconselha: "Sua vida não será reorientada com você rindo de vídeos de 20 segundos ou conteúdos motivacionais superficiais. E, mais importante, sua vida não será vivida assim".

 

Por uma boa relação com a internet

Estando distante, ou não, da internet, o importante é manter uma boa relação com ela, mas como fazer isso?

Questionar frequentemente se você não está usando as redes sociais para escapar de algo.

Estabelecer um critério de tempo para uso.

Priorizar perfis que estão mais perto da realidade.

E um lembrete: caso se sinta inseguro quando quiser postar algo, lembre que a sua opinião é a que mais importa! A internet precisa de autenticidade, pessoas reais, com rotinas, problemas, frustrações… não vivemos apenas de conquistas.

* Estagiária sob a supervisão de
Sibele Negromonte