A palavra moda significa muito mais que vestimentas; representa estilo de vida, opiniões, críticas e práticas de um determinado grupo social. Quer entender a motivação de algum hábito cultural? Observar as roupas usadas por determinada geração é um bom caminho. Momentos históricos, como a Revolução Francesa, a Segunda Guerra Mundial, o movimento feminista e a luta trabalhista, transformaram parte da cultura mundial, e hoje, se encontram nos armários de todos em forma de tecido. Selecionamos algumas dessas peças icônicas e atemporais e contamos as suas origens.
Calça jeans
Enquanto a Revolução Francesa dava fim à monarquia, em Nimes, no sul da França, a calça jeans era criada. Antes de ser conhecida como jeans, a peça, feita em tecido rígido, pouco maleável e em tons marrons, era chamada de nimes. O nome correto do tecido, porém, era "jean" — termo francês para sarja de algodão. Com o tempo, os nomes passaram a ser confundidos, surgindo, assim, o termo jeans.
O tecido era usado apenas pela classe operária, mais especificamente, marinheiros. Em 1793, ele foi avistado por Levi Strauss, que o importou para os Estados Unidos. "Ele adaptou para uma versão mais confortável e maleável, com a intenção de confeccionar roupas de trabalho para os mineradores”, explica Mirella Braga, professora de moda.
A calça jeans demorou para ser vista como um ícone. Apenas ganhou espaço na moda, em tons azuis, em 1950, com inspirações em James Dean, Marlon Brando e Marilyn Monroe, como menciona a coordenadora de moda e design do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Beatriz Caron. “Foi no corpo das maiores celebridades da época que o item virou um completo hit, moldou, completamente, a geração da época, e a história do vestuário para sempre.”
Em parceria de negócios, Levi Strauss e o alfaiate Jacob Davis patentearam a primeira calça jeans da história, a Levi’s 501. Com o tempo, as modelagens foram adaptadas, podendo ser encontradas no armário feminino e masculino. “Hoje, as peças produzidas a partir do jeans são tendências, marcos da juventude, usada por todos os extratos sociais e idealizando ‘a modernidade’ de quem as usam”, ressalta Mirella.
Camiseta branca
Muito utilizada por operários e trabalhadores, a camiseta branca apenas se tornou um clássico com a ajuda de Coco Chanel. Beatriz Caron lembra que a estilista é conhecida por revolucionar o estilo feminino, adaptando e usando peças até então consideradas masculinas. “Foi a Chanel quem fez o uso da camisa branca como uma marca registrada da vestimenta feminina, mostrando às mulheres da época como a peça poderia ser versátil, estilosa e, ao mesmo tempo, elegante."
Porém, novamente com a ajuda das celebridades, apenas em 1930, a camiseta branca ganhou os holofotes, sendo usada por estrelas de cinema em Hollywood. “Ela sofreu poucas transformações com o passar do tempo, e é considerada indispensável até os dias atuais, tanto no guarda-roupa feminino quanto masculino”, relata Beatriz.
Camiseta polo branca
Para a criação dessa peça, foram necessárias duas raquetes de tênis e um grande jogo esportivo. René Lacoste transformou seu uniforme de tênis com mangas compridas e gravata em uma camiseta de manga curta, detalhada com colarinho e botões. “Há a ruptura do padrão do uniforme dos jogadores e, de quebra, o lançamento do que viria a ser uma famosa grife”, exemplifica Mirella.
Uma aposta, valendo uma mala feita em crocodilo no torneio internacional de tênis masculino em 1927, o Davis Cup, fez com que a imprensa americana apelidasse René de “Le Crocodile”, e o nome pegou. “René Lacoste, juntamente com André Gillier, fundou a Lacoste em 1933”, detalha a professora.
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Tênis
Na Grécia Antiga, entre 776 a.C. e 393 d.C., sapatos de couro foram criados para proteger os pés, a fim de melhorar a performance atlética dos participantes dos Jogos Olímpicos. O esporte, mais uma vez, motiva a criação de uma modelagem usada por todos na contemporaneidade. Beatriz Caron chega a dizer que a peça é uma das mais antigas da história e, ainda sim, tem as mesmas funções nos dias atuais.
Depois dos Jogos Olímpicos, o calçado foi desconsiderado e só voltou a servir de inspiração no século 19, mais precisamente em 1830. Na Grã Bretanha, surgiu o primeiro sapato totalmente confeccionado em couro, como explica Beatriz. A evolução seguinte foi a produção de calçados com sola de borracha.
“A borracha, ao ser aquecida e misturada com enxofre, tornava-se flexível, impermeável e não mudava de rigidez, conhecida como borracha vulcanizada, criação do químico Charles Goodyear, em 1839. Estávamos vivenciando a Revolução Industrial”, detalha Mirella Braga. A partir daí, começa-se a produzir os tênis com solas de borracha vulcanizadas. Um fato interessante mencionado pela professora é que os fabricantes de pneus foram os verdadeiros encarregados por produzir os sapatos e não os sapateiros.
Os calçados mais parecidos com os que temos hoje vem da marca Reebok, antigamente chamada de Boston. “Em 1852, a marca utilizou spikes no solado para facilitar a prática dos exercícios de corrida, lançando um sapato super semelhante ao que conhecemos e usamos hoje. Considerados calçados de luxo devido aos altos custos de produção, revolucionou o cenário da moda mundial”, referencia Beatriz.
Moletom
“Simples, solto no corpo, macio e ainda cinza, o agasalho foi um sucesso”, diz a professora Mirella sobre o moletom de lã adaptado para aquecer os atletas com mais conforto, antes e depois do treino, no início de 1920. Ela também menciona a possível versão da peça ser confeccionada para proteger os trabalhadores das baixas temperaturas e ventos em Nova York, na década de 1930.
Quem teve a sacada mercadológica foi a empresa Russell, no fim da década de 1920. Não demorou para que o tecido saísse do mundo esportivo e começasse a ser usado em outras peças de vestuário masculino e feminino. “Seja qual for a origem, a peça é icônica e atemporal. Ao longo da história, tornou-se popular, começando pelos estudantes universitários.”
Vestido preto básico
A essencialidade do vestido preto e a diversidade de looks que podem ser montados com ele são quase infinitas. Channel volta à cena enfatizando a importância do vestido básico preto. “Desde que Chanel lançou seu primeiro modelo, em 1926, mulheres de quase todas as gerações adotaram a ideia. Nenhum guarda-roupa é verdadeiramente completo sem o vestido preto perfeito”, diz Beatriz.
Com o passar dos anos, a peça se tornou um estado de espírito, uma roupa indispensável, como descreve a especialista. “Simples e elegante, destina-se a destacar a beleza natural de uma mulher, sem nunca prejudicar sua postura ou sofisticação. Houve muitas variações na tendência até os dias atuais, mas a peça permanece sólida e inabalável como um dos principais destaques no cenário da moda mundial.”
Biquíni
A Segunda Guerra Mundial fez o protagonismo feminino aflorar, a militância feminina, com a exposição dos seus corpos em espaços públicos, foi essencial para que o uso de biquínis hoje fosse normalizado. Micheline Bernardini foi a primeira mulher a usar biquíni em uma piscina pública de Paris, em 1946. “O biquíni foi criado por Louis Réard, o nome é uma alusão a Ilha Bikini, nos Estados Unidos, conhecida por fazer testes com bombas nucleares”, explica Mirella.
A peça chegou ao Brasil dois anos depois, com Miriam Etz, modelo e estilista brasileira. “Assim como a calça jeans, o biquíni é uma peça que ressignifica o modo de ser e de pertencer, especialmente para as mulheres,” reflete a professora.
No Brasil
Essas peças icônicas foram adaptadas do nosso jeito, de acordo com o tempo, os costumes e os valores. Beatriz Caron menciona que é legal pensar que, mesmo com origens internacionais, todas são acessíveis. “Elas são fundamentais no guarda-roupa nacional, além de serem atemporais, facilitam a maneira de vestir-se no dia a dia da população brasileira. Isso, provavelmente, vai garantir a permanência e a preferência dessas peças pela população brasileira nas próximas décadas.”
“As peças, ao longo do seu processo inicial inventivo, adaptam-se às nossas modelagens, estampas, significados”, diz Mirella. “A tendência é que contribuam para a construção de uma identidade com diferentes origens, que possam ser sinônimo de liberdade para quem as usa. São atemporais, recebendo novos significados pelos processos identitários que as demarcam. A moda é cultura, e cultura é movimento!”
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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