“Meu pai, quando encontrava um problema na roça, se deitava sobre a terra com o ouvido voltado para seu interior, para decidir o que usar, o que fazer, onde avançar, onde recuar. Como um médico à procura do coração.” O trecho, colhido do romance Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior, apresenta ao leitor a relação afetuosa entre agricultor e terra, diante das vivências em uma comunidade rural que permite, por meio das plantações, o sustento nutricional e econômico da família.
Fiel à realidade de muitos, a obra, vencedora dos prêmios Oceanos, Jabuti e Leya, aborda também a desigualdade no campo e as lutas sociais. Bibiana e Belonísia, personagens principais, procuram na fé e, principalmente, nas ervas, a cura para seus tormentos. E resistem. Parece verossímil para você? Bom, para aqueles que cresceram com familiares provenientes do interior, possivelmente sim. A conexão com a terra era tamanha que bastava a ingestão de um chá de boldo, por exemplo, para revigorar qualquer um.
Hoje, mesmo nas cidades, há quem busque se alimentar de forma mais saudável, priorizando comidas orgânicas e valorizando pequenos agricultores. A prática beneficia a agricultura familiar, que sofre uma concorrência desleal com o agronegócio, como reforça Flaviane Canavesi, professora e pesquisadora da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (UnB).
“A agricultura familiar tem uma importância para o Brasil, principalmente no que tange ao abastecimento alimentar interno; não se trata de um sistema agroexportador. Nesse modelo, há a chance de combater a fome e de produzir menos impacto ambiental”, explica a especialista, que também atua no programa de pós-graduação em meio ambiente e desenvolvimento rural. Assim, comprometer-se com o alimento saudável, rever a nossa postura, enquanto consumidores, e questionar-se sobre quais espaços existem para esses produtores são alguns passos iniciais que visam melhorar condições de renda e de saúde.
Conhecer histórias de quem planta, colhe e sobrevive da terra, além de inteirar-se sobre as particularidades do cerrado e dos seus frutos, também é substancial para aprimorar esse cenário. Pensando nisso, a Revista conversou com o casal Sofia e Rômulo, do Sítio Raiz; Maria Ivanildes, da Associação Agroecológica Mulheres da Reforma Agrária; e Fábio, do Vai Té Chá. Para aqueles que desejam investir em um horta dentro de casa — ou no apartamento, por que não? — vale ficar de olho nas dicas da Flora Orgânicos.
Freando o aquecimento global
Para quem ainda acredita que os opostos se atraem, Sofia Carvalho, 29 anos, e Rômulo Araújo, 37, são ótimos exemplos do contrário. Ideais em comum, áreas de formação semelhantes e o mesmo professor como referência para a vida profissional foram apenas alguns dos pontos compatíveis que os uniram. Do trabalho com agrofloresta, no qual o casal se conheceu, nasceu a vontade dele, já agricultor experiente, de criar o Sítio Raiz há dez anos. O objetivo era atrelar os princípios da agroecologia à horticultura, visto que o mercado de hortaliças é muito forte no DF.
De lá para cá, a atividade se expandiu e a dupla passou a produzir alimentos diversificados, em vista da melhora do solo. A família também aumentou e, hoje, a chácara é lar dos filhos Rudá, 16, Isis, 12, e Maria, 4, além do agricultor e funcionário José Nascimento, sua esposa Alceane e seus filhos. “Percebemos o quanto a agricultura familiar, em um país como o Brasil, está à margem do capital. É necessário se movimentar e produzir conhecimento relevante para transformar tal realidade, para que esses agricultores possam ter qualidade de vida e construir um legado que seja enriquecedor, do ponto de vista do ecossistema e da vida humana”, explica Sofia, que é agroecóloga, produtora e extensionista rural.
No Sítio Raiz, há dois sistemas produtivos distintos, um focado em culturas de ciclo curto e anual e outro, em culturas perenes, em que colhem-se, principalmente, bananas, café e abacates. No primeiro modelo, são priorizadas plantações de raízes, como batata inglesa, cenoura, mandioca e inhame, dado que exigem menos insumos. Isso não restringe, porém, a colheita de demais plantas, que garantem comida diversificada para a clientela e para o próprio prato. No segundo modelo, as plantações em maior densidade são do café arábica, que tolera bem as condições climáticas e de solo do cerrado, em especial se cultivadas em ambientes florestais, como fazem.
No período de seca, bastante conhecido pelo brasiliense, os produtores se valem de técnicas para consorciar e adensar as plantas no canteiro, como cobrir o solo com matéria orgânica, fazer barreiras de vento, e, em alguns contextos, utilizar irrigação por gotejamento, práticas que demandam menos água do que aquelas feitas em produções convencionais. Para o cultivo de hortaliças, é um momento bastante frutífero. No geral, a constante dinâmica de podar as plantas e depositar sobre a terra seus materiais orgânicos auxilia na fertilidade do terreno.
Vínculo com os clientes
Em casa, as funções de cada membro da família são bem planejadas. Rômulo se dedica a manejar as agroflorestas, fazer colheita e cuidar da comercialização dos alimentos para o atacado (feirantes e intermediários) e para os programas do governo que abastecem escolas e demais instalações, além de ministrar cursos e consultorias em agrofloresta. Sofia se ocupa da gestão e comercialização das vendas diretas (feira e delivery), dos cuidados da filha caçula, do mestrado e dos trabalhos de assessoria em projetos de agroecologia. José toca os plantios das hortaliças e também faz colheitas. Já as crianças, eventualmente, contribuem na hora de embalar e separar os alimentos, colher frutas e lavar a louça.
Por falar nos pequenos, a agroecóloga os classifica como “verdadeiras lagartinhas devoradoras de saladas e frutas diversas” e, mais que isso, os considera muito habilidosos na cozinha. “Eles gostam de experimentar receitas e preparar a comida de acordo com o paladar deles. Claro que, como a maioria das crianças, tiveram fases, principalmente quando menores, em que não estavam muito dispostas à diversidade, ficavam mais seletivas”, recorda. No que tange à capacidade produtiva da chácara, a dupla enfatiza que, hoje, o maior desafio é a limitação do tamanho da terra, que possui dois hectares.
O vínculo direto com os clientes se dá na Feira da QI 13, do Lago Sul, aos sábados, e por meio das entregas feitas em domicílio. Esse contato tem sido fundamental na sustentação do trabalho, visto que, segundo o casal, é importante que os consumidores saibam o valor de estarem financiando um sistema de cultivo responsável por criar um legado de serviços ambientais, para além da qualidade do alimento pela qual prezam muito. Ademais, buscam manter uma comunicação direta que apresenta a história por trás das verduras, aproximando o universo da agricultura familiar à cidade.
O Sítio vende, também, para o governo, fornecendo ingredientes para as refeições das escolas públicas. “É a partir do fortalecimento da agricultura familiar que vamos resolver a fome no Brasil e é este o setor estratégico, junto aos povos originários, com o maior potencial de mudar o cenário das emissões de carbono e tirar o Brasil do ranking dos 5 países que mais contribuem para o aquecimento global”, finaliza Sofia.
Por dentro da agroecologia
Segundo a pesquisadora e professora Flaviane Canavesi, a agroecologia é um campo científico que estuda e sistematiza agriculturas de base sustentáveis. Tem um viés social e político, na medida em que determina as categorias da agricultura familiar, incluindo povos e comunidades tradicionais, quebradeiras de coco babaçu, comunidades de fundos de pasto, quilombolas, entre outros. Os benefícios da prática englobam a melhoria da alimentação, a garantia da segurança alimentar e nutricional e o impacto positivo sobre a saúde pública. Há, ainda, a diversidade de identidades e de sistemas produtivos.
A resistência delas na agricultura
Maria Ivanildes Sousa, 56 anos, fez, no começo da vida, o percurso adotado por muitos que saem do interior em busca de melhores condições de vida na cidade. Abandonou a rotina de quebradeira de coco no Maranhão e veio estudar e trabalhar no DF. Quando conheceu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), vislumbrou novas oportunidades — se sustentar pela sua produção e ser valorizada, diferentemente do que ocorria no passado. Para a própria surpresa, retomou as atividades no campo, agora, na cidade.
Estabeleceu-se no assentamento Canaã, onde, mais tarde, criou com outras mulheres a Associação Agroecológica Mulheres Rurais do Assentamento Canaã (AAMRAC), com a finalidade de produzirem alimentos de forma sustentável, via agricultura familiar, em Brazlândia. Lá, ela administra e distribui cestas, coordena a venda de alimentos e atua de forma ativa e direta na produção dos ingredientes orgânicos. E, para além das dificuldades típicas de todo começo, Ivanildes e suas companheiras, como gosta de chamar, ainda enfrentaram as limitações da pandemia. A tentativa de vender cestas no centro da capital, por exemplo, não deu certo.
Mas não desistiram. Criaram a Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA) Mulheres do Cerrado, liderado pelas campesinas, que visa a luta constante pela terra, por melhores condições de trabalho e por alimentação de qualidade para todos. Isso porque, ainda hoje, as agricultoras têm dificuldades estruturais para produzir, em especial, pela falta de insumos adequados para o solo. Apesar de reconhecer os obstáculos, a produtora releva: "Quando a gente gosta, acaba não achando tão pesado".
De acordo com a especialista Flaviane Canavesi, da UnB, a maior parte dos agricultores inseridos em experiências de feiras não têm regularização fundiária, o que significa que não podem investir em infraestrutura social, como erguer moradias; nem produtiva, como construir um poço artesiano, para instalar uma irrigação — fatores que ampliam ainda mais as adversidades. O papel das mulheres, para ela, é fundamental, dado que essa mão de obra sempre foi invisibilizada.
Na agrofloresta, as mulheres plantam de tudo (banana, laranja, limão, amora, pitanga, café, vários tipos de frutas, algodão…). Para as pragas, Ivanildes usa folhas de mamonas batidas com pimenta. E funciona. Além disso, nas vivências do assentamento, aprendeu maneiras diferentes de cozinhar, eliminando das suas receitas caldos de carne industrializados, por exemplo. Adquiriu, para sua sorte, o costume de comer verduras e se apaixonou pelo manejo da terra e pela alimentação saudável.
Para a agricultura, o contato direto com o consumidor é algo que lhe ajuda a enfrentar todas as dificuldades. "É muito gratificante saber que estamos levando saúde para a mesa do consumidor", celebra. A AAMRAC está presente na Feira da Ponta Norte, na 216 Norte, aos sábados; na Colina, na UnB, às quartas; e em Águas Claras, na quadra 301, às quintas.
Laços comunitários
Se para os agricultores é recompensador ter um contato direto com quem se alimenta do que produzem, para os consumidores, também, é muito positivo. O professor Vitor Boaventura, 29 anos, não somente é cliente fiel dos produtores da Feira da Ponta Norte, como um grande apoiador da agroecologia. Enquanto morador da região, considera a feira importante sob vários aspectos, desde o fortalecimento dos laços comunitários até a promoção cultural, visto que é palco para apresentações e intervenções artísticas. “A possibilidade de interagir diretamente com quem produz o alimento é incrível. Percebemos, com mais sensibilidade, a relação do produtor com o alimento. É como se passasse a visualizar os rostos e o empenho de cada uma daquelas famílias de agricultores”, revela.
O consumo de alimentos orgânicos começou após o professor inteirar-se sobre os danos causados ao meio ambiente e à saúde pela agricultura tradicional. Os benefícios dessa substituição, conforme avalia, são imensos. Isso porque o valor nutricional dos produtos agroecológicos é bastante superior aos demais, tanto que notou melhoria em sua disposição e estado geral de saúde e bem-estar. “Além disso, comer é um ato político e o fato de estar incentivando uma produção mais consciente e positiva para o meio ambiente e proteção da biodiversidade é muito gratificante.”
"A savana mais biodiversa do mundo"
Que o cerrado tem características bem peculiares, muita gente sabe. Afinal, basta uma pequena volta por Brasília para notar os galhos retorcidos, apreciar os ipês que florescem em plena seca e até encontrar tranquilas capivaras pelo caminho. Devido à sua biodiversidade, que inclui frutos e sementes nativas; serviços ecossistêmicos da fauna e flora, como a polinização; recursos hídricos; e o conhecimento tradicional, o bioma é essencial na produção de alimentos.
Conforme explica o biólogo Vitor Sena, tais frutos e sementes nativas — fontes de nutrientes e valor cultural para as comunidades locais — podem promover segurança alimentar e diversificação da dieta. Já a polinização é fundamental para a reprodução de plantas cultivadas e selvagens, contribuindo para a produtividade e a qualidade dos cultivos. Ademais, o cerrado é um dos principais responsáveis pelo abastecimento de água do país, sendo fundamental para a produção agrícola e para o fornecimento de água potável para a população.
"A região é conhecida como a 'caixa d'água' do Brasil, pois suas nascentes e aquíferos abastecem importantes rios que cortam o país, como o São Francisco, que abastece cerca de 14 milhões de pessoas em sua bacia hidrográfica", pontua Vitor. As comunidades locais, por sua vez, possuem um relevante conhecimento sobre recursos naturais, práticas de cultivo e utilização de alimentos nativos, favorecendo sistemas agroflorestais e práticas sustentáveis de produção de alimentos e promovendo a agroecologia.
Apesar desses avanços, a área enfrenta desafios ambientais e climáticos, como o desmatamento, a degradação do solo, a perda de biodiversidade e a escassez de recursos hídricos, impulsionados pela expansão da agropecuária. A fim de manter a terra saudável, o especialista recomenda práticas de conservação que incluem o plantio direto, o uso de cobertura vegetal e a adoção de sistemas agroecológicos e de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF).
Além disso, o uso responsável de insumos agrícolas, como fertilizantes e pesticidas, é importante para evitar a deterioração do solo, assim como a rotação de culturas, o manejo adequado da água, a proteção de áreas de preservação permanente e reserva legal e a administração integrada de pragas e doenças. Por fim, a educação e a capacitação dos agricultores são essenciais para disseminar práticas sustentáveis de manuseio do cerrado, contribuindo para a sua preservação e para a sustentabilidade da agricultura na região.
Sementes e frutos típicos do cerrado
A época de frutificação das plantas do cerrado, em sua maioria, ocorre durante a estação chuvosa, que engloba os meses de primavera e verão (setembro a março). Todavia, pode ser influenciada por fatores como a localização geográfica, o clima, a altitude e a variação anual das chuvas, podendo haver alterações no período em diferentes regiões e anos.
Buriti: palmeira que produz frutos durante o ano todo, com maior concentração na estação chuvosa.
Pequi: espécie de árvore que produz frutos no final da estação seca e início da estação chuvosa.
Cagaita: produz pequenos frutos amarelos ou verdes, encontrados principalmente durante a estação seca.
Jenipapo: fruto típico do cerrado, comum nas estações chuvosa e seca.
Mangaba: fruto, amarelo ou verde, encontrado durante a estação chuvosa.
Cajuzinho-do-cerrado: árvore que produz frutos pequenos em formato de caju, com casca dura e polpa suculenta. Encontrada durante a estação seca.
Jatobá: fruto encontrado principalmente durante a estação seca. É grande e duro, com sabor adocicado e polpa fibrosa.
Feiras da cidade para conhecer
- Associação de Agricultura Ecológica — AGE: SEPS 709/908 - s/n. Bloco B, Box 8 — Brasília. Quarta e domingo.
- Banca de Orgânicos da Astraf, na Feira do Padre. Setor Comercial Central Q 1 — Sobradinho. Domingo.
- Banca de Orgânicos do Empório Rural — Lago Norte. No balão do Colorado SHTAQ. Sábado e domingo.
- Banca de Orgânicos na Feira de Produtores de Vicente Pires. Rua 4 A — Vicente Pires. Sábado e domingo.
- Feira 315 Sul. Atrás do Colégio Planalto — Brasília. Quarta.
- Feira Agroecológica do Lago Oeste. Estrada Parque Contorno — Sobradinho. Sábado.
- Feira Agroecológica e Cultural. Entrequadra Sul 309/310 — Asa Sul, Brasília. Quarta e sábado.
- Feira da AGE 303 Norte. SQN 303 — Entrada da quadra pela W1. Sábado.
- Feira da AGE 312 Sul. 112/312 Sul — Estacionamento da Escola Ursinho Feliz. Sábado
- Feira da AGE Sudoeste — 303. Primeira Avenida, EQSW 303/304 — Estacionamento do Centro Educacional Candanguinho. Quarta e sábado.
- Feira da Agricultura Familiar na Praça dos Três Poderes. Palácio do Planalto Anexo IV — Via N2. Quinta.
- Feira da Estação Biológica. Setor Terminal Norte — Final da Asa Norte, em frente à sede da Emater. Quinta.
- Feira da Praça de Planaltina. Setor. de Educação. Sábado.
- Feira de Produtos Orgânicos Espaço Natural. Entrequadra Norte 315/316 — Asa Norte. Terça, quinta e sábado.
- Feira do Apogeu. Superquadra Norte 306 — Asa Norte. Sábado.
- Feira do Assentamento Colônia. Instituto Central de Ciências da Universidade de Brasília (UnB) — Minhocão — Asa Norte. Terça.
- Feira do Paranoá. Q. 34 Conjunto C, 20 — Paranoá. Domingo.
- Feira MOA Internacional. Centro de Agricultura de Produção Natural — DF 180, Km 19, Brazlândia. Segunda a sábado.
- Feira Orgânica do Ceasa. Sia Sul, Trecho 10, Lote 5 Pavilhão B 13A — Brasília. Quinta e sábado.
- Feira Orgânica do Ibama. SCEN Trecho 2 — Edifício sede do Ibama. Quinta.
- Mercado Agroflorestal — Fazenda Bella. Via W1 Norte, Pracinha central da SQN 307 — Asa Norte. Quarta.
- Sítio Alegria. Entrequadra Norte 315/316 — Asa Norte. Quarta e sábado
Fonte: Mapa das Feiras Orgânicas
Saiba Mais
Bebendo com afeto
Quando falamos em alimentação saudável, logo pensamos em frutas, verduras e legumes. O que vamos comer no café da manhã, almoço, lanche e jantar. Mas um outro aspecto da dieta também tem seguido um caminho mais saudável: o que bebemos.
E, assim como as hortas em casa e os produtos de pequenos agricultores enchem o prato, elas abastecem também os copos! Os sucos naturais, embora inspirem alguns cuidados no consumo excessivo, são ótimas alternativas para tomar pela manhã e para substituir os refrigerantes e industrializados.
E os chás e infusões despontam como queridinhos. Dados da consultoria Euromonitor Internacional mostram que a ingestão de chás, a segunda bebida mais consumida do mundo, cresceu 25% no Brasil entre 2013 e 2020, sendo quase o dobro da média mundial, que é de 13%.
O especialista em chás e dono da loja Vai Té Chá, Fábio Pedroza, 42 anos, faz a importante distinção entre chá e infusão. Os chás são todas as bebidas derivadas da planta Camellia Sinensis e consistem em seis famílias: brancos, amarelos, verdes, vermelhos, oolongs e pretos.
Já a infusão é o resultado da imersão de ingredientes na água quente, incluindo frutas, flores e ervas. Embora no Brasil, como Fábio explica, pouco seja feita essa distinção em termos comerciais, quando falamos em dados, é importante fazer a diferenciação.
Mistura do bem
Outra variação são os blends, misturas de diferentes plantas, ervas e frutas, que podem ou não incluir um dos chás tradicionais. Jéssica Prado, nutricionista pós-graduada em fitoterapia, garante que os blends possuem uma série de benefícios.
Um deles é impulsionar as funcionalidades dos ingredientes, como relaxamento, melhora na disposição, digestão e auxílio na concentração, por exemplo. Os blends trazem também experiências multissensoriais. “Eles podem ampliar a experiência gustativa e olfativa de beber chás, ajudando o corpo e a mente com o despertar de novas emoções ou lembranças que fazem parte da nossa memória afetiva”, ensina Jéssica.
Para o blend ideal, a nutricionista afirma que primeiro precisa ser escolhida a base, o sabor que se sobressai. Pode ser um ou mais tipos de chás ou infusões. O toque especial vem dos completos, que, em geral, podem ser ervas (hortelã, erva-doce), flores secas (camomila, hibisco), frutas desidratadas (casca de laranja, polpa de maracujá) e especiarias (canela, cravo, baunilha).
Ao observar o aumento na busca pelos chás e infusões, Fábio ressalta que a sua perspectiva sobre a bebida tem um viés gastronômico, e acredita que as bebidas não devem ser encaradas como remédios ou apenas como funcionais.
“Muita gente procura um chá porque ouviu falar que ele tem propriedades emagrecedoras e eu não acho isso saudável. Acredito que o consumo de chás e infusões deve ser como o de verduras e legumes. Fazem parte de uma alimentação saudável, mas não são remédios”, afirma.
Ele acrescenta que, quando um chá vai ser usado como fitoterápico, muitos elementos precisam ser avaliados com nutricionistas e médicos, como a posologia, o peso da pessoa, as condições de pressão do indivíduo, entre outros. “As pessoas compram misturas e cápsulas super concentradas e tomam sem limites e acompanhamento, vejo isso como um desastre anunciado. No fim, o chá, que não tem culpa nenhuma, acaba como o responsável por problemas de saúde.”
Para Fábio, o consumo de chá faz parte de um hábito de vida, assim como no caso das pessoas que priorizam alimentos orgânicos e da agricultura familiar. Além de trazerem benefícios para a saúde, fazem parte de um ritual, que, na maioria das vezes, tem um forte aspecto afetivo atrelado. “A maioria dos especialistas em chá ou das pessoas que têm o consumo como rotina tem uma história familiar. Tomava o chá que a avó fazia e aquilo traz um conforto, uma relação com o alimento que traz também inúmeros benefícios naquele momento”, acredita.
Assim como o manjericão colhido na horta para temperar a comida, a erva-doce, a hortelã e o capim-santo podem ser pegos no quintal e se tornar uma bebida que vai aconchegar e acalmar. Fábio enxerga essa relação entre os chás, a agricultura familiar e o papel da gastronomia. Ao saber de onde vem aquele alimento, como ele foi feito e o caminho que percorreu para chegar ao seu prato ou ao seu copo torna-se um elemento importante da alimentação e, assim como os nutrientes, contribui para a saúde de forma geral.
Uma horta em minha casa
Um dos criadores da Flora Orgânicos, que cultiva alimentos orgânicos em sistemas agroflorestais, Alexandre Nogales Domenici Vasconcellos Pinheiro comenta sobre a importância do aumento na agricultura familiar. Para ele, cultivar os próprios alimentos é uma maneira de criar uma conexão com a natureza, mesmo em meio à cidade. “Hoje, existem várias plantas adaptadas, e é possível ter hortas em apartamentos e quintais com uma certa facilidade.”
Entre as principais vantagens, além de todas que surgem de um contato mais próxima com a natureza, mesmo que as pessoas cultivem apenas ervas ou temperos em casa, Alexandre destaca saber a origem do que você está consumindo e sempre ter produtos frescos à mão.
Entre as consultorias que a Flora Orgânicos promove existem algumas voltadas para o público infantil, com oficinas e mudinhas para que as crianças cultivem. “Costumamos entregar mudas de alimentos que eles gostem e, ao acompanhar todo o processo desde o início, eles se familiarizam com os alimentos e passam a se alimentar com mais variedade”, comenta.
Ele acrescenta que o processo não acontece só com as crianças. Quando começou a passar mais tempo no campo e no plantio, notou um aumento no leque de verduras e legumes que consumia. “Eu não gostava de berinjela, mas depois de ver a semente, a flor, essa harmonia da natureza, comecei a comer e a gostar. Acho que isso é um processo natural quando conhecemos melhor os alimentos”.
Plantado por mim, para mim
Conforme foi crescendo, a Flora Orgânicos deixou de focar apenas na comercialização de produtos orgânicos e começou a prestar consultorias para quem deseja ter uma horta ou pomar em casa. O projeto tem feito sucesso e Alexandre conta que já atendeu desde uma senhora que tinha dez vasinhos de ervas e temperos e queria transformá-los em uma horta, até produções maiores, para consumo próprio e comercialização em feiras.
Após um primeiro contato, é feita uma visita de reconhecimento, que, nos casos de projetos menores, pode ser feita remotamente. Assim, é possível avaliar o tamanho, o tipo de solo, como pode ocorrer a irrigação e outros aspectos mais técnicos. Em seguida, os clientes contam o que desejam cultivar e em que quantidade. Assim, Alexandre e os sócios criam uma lista das espécies possíveis e das quantidades a serem plantadas. “Cuidamos muito das quantidades de mudas de acordo com as necessidades daquela família, evitamos o desperdício e focamos na sustentabilidade.”
A depender da vontade do morador, a horta ou o pomar pode exigir mais ou menos cuidados. Existem os que contratam a manutenção semanal, quinzenal ou mensal e ainda os que preferem se habilitar e aprender cada detalhe do cuidado, pois, além dos alimentos, buscam esse contato com a terra.
Para aqueles que sofrem e afirmam matar toda planta que tentam cuidar, existe um manual técnico criado pela Flora Orgânico que orienta desde o plantio até o momento da colheita, passando pela irrigação, poda e adubação, quando necessárias. O manual é personalizado. Mas o segredo é que, com a orientação correta, todos podem ter e cultivar sua própria horta.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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