Pesquisas ao redor do mundo apontam que as linhagens ancestrais dos roedores e dos lagomorfos adaptaram sua anatomia bucal para roer plantas e outros animais pequenos. Por isso, suas marcas clássicas são o pares de dentes na região superior da boca.
Os lagomorfos são os coelhos, lebres e pikas-de-ili (animal proveniente da China), que possuem um par de dentes incisivos a mais e alimentam-se de plantas e vegetais. Já os roedores podem comer carne e alimentos em decomposição — mas não todos —, e são conhecidos pelos ratos, hamsters, porquinhos-da-Índia, chinchilas, capivaras, esquilos, entre outros.
Porém, todos possuem uma característica comum: os dentes crescem infinitamente e, se não forem desgastados da maneira correta, sofrem uma série de complicações. “A área de odontologia de roedores e lagomorfos foi criada para atender a uma demanda crescente de animais que apresentavam alterações dentárias severas, e acabavam comprometendo sua capacidade de se alimentar”, conta o veterinário especializado em animais exóticos Elber Costa.
Caso o animal apresente seletividade alimentar, salivação excessiva e perda de peso progressiva, deve ser levado para avaliação, pois são claros sinais de alguma doença bucal. Os principais animais que sofrem com problemas dentários são coelhos, porquinhos-da-Índia e chinchilas — os hamsters são os menos afetados.
A importância de roer
Quando os dentes humanos encontram sua posição correta na boca, as raízes fecham e os dentes param de crescer; no caso destes animais, a raiz fica sempre aberta e não existe limite de crescimento. “Pode ocorrer um crescimento de até seis centímetros por ano, por isso é tão importante que a mastigação esteja perfeita, para que um dente possa desgastar o outro no ato de mastigar", exemplifica Elber.
O super crescimento dos dentes gera desinteresse na alimentação, machucados internos e é uma dor considerada muito forte. “Como a arcada dentária é a porta de entrada para o alimento no corpo, qualquer alteração pode levar o animal a ter dificuldade em se nutrir, uma pré-condição para o surgimento de várias doenças”, orienta o veterinário.
Precisa-se oferecer objetos e alimentos adequados. Devemos tentar replicar, em casa, o que o animal teria para roer na natureza. A melhor indicação são as folhagens secas, como o feno, ou frescas, como as verduras. Importante: não tente desgastar ou cortar os dentes em casa, leve para uma consulta médica especializada em animais exóticos.
Começa na alimentação
É importante destacar que nem todos os alimentos vão promover o desgaste correto na mastigação. A ração é excelente nutricionalmente, mas não é recomendada para o desgaste, assim como as frutas, que contêm excesso de açúcar. A recomendação veterinária é uma dieta rica em folhagens secas e frescas. Opte pelas folhas mais escuras — a alface é considerada "pobre" e tem alguns componentes que podem causar desconforto no animal, por exemplo. Se puder, evite.
Essa alimentação será complementada por alguns vegetais e ração em pequena quantidade, e as sementes são mais indicadas como petiscos. Outro ponto a se evitar são os alimentos com grande quantidade de água, ou que tenham a tendência de soltar ou prender o intestino — em pequenas quantias, já podem provocar diarreia.
A administradora Ariete Ribas, "mãe" do coelho Brigadeiro, percebeu que o pet começou a salivar excessivamente, mas se alimentava bem. Ela e sua família viram que ele estava incomodado e foram a uma clínica de exóticos para avaliar. “Tivemos um susto, o caso dele era mais sério do que imaginávamos”, relembra Ariete. "Sem o acompanhamento, o Brigadeiro poderia parar de comer e enfraquecer muito, aumentando os riscos de qualquer intervenção.”
Houve mudança na alimentação e nos cuidados com Brigadeiro. Durante o dia, ele não come muito, mas ficam ração, água e feno à sua disposição. “À noite, reponho os vegetais e, se necessário, a ração. Nesse período, os coelhos são mais ativos” conta a administradora.
Manter o ambiente limpo, com bastante feno, dar uma ração equilibrada e oferecer vegetais, como agrião, hortelã, rúcula e almeirão, são práticas que Ariete tem com seu coelho. Ajudam bastante no processo de roer e na alimentação saudável. “Lagomorfos não podem comer muito, cálcio e a couve é rica nesse nutriente. Brigadeiro gosta muito de couve, mas ofereço com moderação”, descreve.
Força G
O filme Força G, da Disney, conta a história de quatro porquinhos-da-Índia com habilidades de espionagem. No caso da família da enfermeira Gerlane Marques, o grupo é maior: Kimiko, Lolla, Cacau, Pipoca, Noah, Negresco, Amendoim e Fluffy.
Mas entre eles falta o Fluffy, que morreu por problemas dentários quando Gerlane ainda não era tão bem informada sobre o assunto. Depois de um tempo, Amendoim começou a apresentar sinais diferentes de sua rotina e foi levado para o hospital.
“Observei que o meu porquinho-da-Índia parou de se alimentar, ficou triste, dormia muito e escorria um líquido no canto da sua boca, demorei para entender que eram sintomas ligados ao crescimento dos dentes”, desabafa Gerlane. “O diagnóstico foi confirmado com raios-X, exames de sangue, hemograma e bioquímicos.”
Os "filhos" de Gerlane têm um quarto próprio, com forração adequada, brinquedos e feno de qualidade disponível o tempo todo. Sobre a alimentação, vale relembrar que cada roedor terá suas especificidades — os porquinhos-da-Índia não podem, por exemplo, comer sementes, alface, batata, cogumelos e por aí vai. “Sempre priorizo feno e ração de qualidade, folhagens, verduras, legumes frescos e higienizados, frutas cortadas em pequenos tamanhos e sem sementes. Também retiro todas as sobras que eles não consomem,” relata Gerlane.
Saiba Mais
Qualidade de vida
Seja coelho, porquinho-da-india, hamster, seja qualquer outro tipo de animal exótico com essas características, eles precisam de uma atenção especial, pois ainda há muitas características que não sabemos sobre eles. Gerlane, como cuidadora de sete roedores, diz que a mudança do comportamento desses animais é nítida, eles têm uma rotina muito clara de atividades, e o que sai do padrão fica evidente.
Ariete também já perdeu um coelho, por excessividade de crescimento nos dentes, na cirurgia de extração. Ela passou por todo o processo e ficou muito abalada, mas, hoje, tem a base necessária para cuidar de Brigadeiro, não tenta fazer nada em casa, o que é a recomendação adequada.
O especialista em exóticos Elber Costa finaliza dizendo que um lagomorfo ou um roedor com doença dentária, mesmo que severa, pode levar uma vida praticamente normal, desde que tenha supervisão médica veterinária constante. Isso ajuda o animal a ultrapassar sua expectativa de vida. “As avaliações odontológicas periódicas são fundamentais para favorecer a manutenção da vida."
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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