Intolerância à lactose não é alergia ao leite: saiba diferenciar

Saber diferenciar a alergia ao leite da intolerância pode salvar vidas. Veja como dosar o consumo e entenda como identificar essas diferenças alimentares

Yasmin Isbert*

postado em 12/04/2023 17:01 / atualizado em 19/04/2023 09:18

(crédito: Reprodução da internet/ Unsplash )

O primeiro contato com o leite vem de um lugar difícil de recordar — alguns sentem a vaga lembrança do gosto quando pequenos; outros, a sensação de estar sendo nutridos. De modo geral, todos criam uma relação única com o alimento. Muitos, porém, desenvolvem intolerância à lactose, que, diferentemente da alergia, é mais comum de ser identificada em duas fases extremas: infância e envelhecimento.

A intolerância e a alergia alimentar ao leite têm sintomas diferentes. No caso da alergia, o sistema imunológico reconhece a proteína do leite como um inimigo em potencial. Por ser uma reação anormal do corpo, ocorrem problemas respiratórios, irritações cutâneas (urticárias), coceira, vômitos e inchaço da boca e nos olhos, entre outras reações. 

 Já a intolerância acontece quando o organismo não tem enzimas suficientes para quebrar a lactose — açúcar do leite. Elas se acumulam no intestino e, com o tempo, começam a fermentar, provocando sintomas diversos. Os mais comuns são distensão abdominal, gases, diarreia e constipação intestinal, considerado um quadro menos característico.

A falta de produção das enzimas pode acontecer e ir embora sem um motivo específico, mas apresenta um padrão: "Na criança, ocorre por imaturidade das células intestinais, que não produzem a enzima; e no adulto, quando ele para de produzir", explica Adélia Carmen, especialista em gastroenterologia da Federação Brasileira de Gastroenterologia.

Doenças e cirurgias ligadas ao intestino também influenciam na produção da enzima lactase, como câncer e infecções intestinais severas. Adélia conta que esse quadro pode ser momentâneo e, ainda assim, voltar depois de um tempo. "Quando se tem uma diarreia, por exemplo, os médicos orientam evitar o leite por umas duas semanas. O intestino não tem enzima o suficiente para quebrar os nutrientes, e o consumo piora a situação, mas, logo depois, o corpo volta a produzi-las normalmente."

Explicando a ciência

A lactose é um dissacarídeo (carboidrato) encontrado no leite de mamíferos e derivados. Ao ser quebrada, forma os monossacarídeos — glicose e galactose — pela enzima lactase, encontrados principalmente na parte média do intestino delgado. Eles são necessários para quebrar a lactose e fugir da intolerância, explica a endocrinologista Jackeline Motta Franco, membro do Departamento Científico de Alergia Alimentar da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia.

Diagnóstico positivo para a intolerância, e agora?

Primeiro, não significa que a solução é cortar o leite e seus derivados de maneira drástica. A intolerância tem níveis e fica a critério das reações do seu corpo quando se consome esse tipo de alimento. Ingerir leite constantemente, sem os cuidados necessários, só vai causar um desconforto contínuo, mas não passa disso.

Pela falta de informação, as pessoas se confundem até com a medicação. A intolerância se dá pela falta de uma enzima, logo, os remédios que serão passados vão cumprir o objetivo de repor essa falta. "Quando passo o lacteide, os pacientes comentam 'mas eu tenho intolerância e você me dá algo que tem lactose', sendo que a intolerância varia de organismo para organismo. A concentração existente em uma fórmula farmacêutica é incapaz de dar sintomas, diferentemente da alergia, que não depende da quantidade", esclarece a médica Adélia Carmen, especialista em gastroenterologia.

A maioria das pessoas pode consumir de 10 a 12  gramas de lactose por dia, isso equivale a mais ou menos meio copo de leite, mas a absorção da lactose no corpo pode vir de outros fatores somatizados, como a motilidade intestinal, a presença de outros alimentos no corpo e o estresse emocional.

Sem neurose

A tendência é ficar nervoso e achar que tudo vai mudar, mas calma é a primeira palavra para conviver tranquilamente com a intolerância. Dependendo do nível individual de cada um, cortar o leite de vaca é um bom começo, e tentar substituir por opções secundárias, como leite de soja, de amêndoas ou de coco.

Já sobre o que evitar, Adélia menciona que o creme de leite, o leite condensado e o sorvete são os piores derivados, e pratos com molho branco, pudim de leite condensado, canjica e bolo recheado são alguns que é preciso ficar atento. "Aí pensamos na Páscoa, quanto de chocolate posso consumir? Não se sabe, tem que observar a quantidade de lactase. Um chocolate 70% de cacau tem menos leite do que o chocolate ao leite. A pessoa vai limitando e descobrindo a sua tolerância."

 

Valor biológico

"O leite é uma proteína de alto valor biológico, importante fonte de proteínas, carboidratos, lipídios, sais minerais, como o cálcio, e vitaminas. Pode ser ingerido em diferentes faixas etárias, no entanto, o consumo  do leite natural, e em algumas fórmulas, deve ser evitado antes do primeiro ano de vida. Eles não atendem a demanda nutricional da criança, além de aumentar o risco de anemia," alerta Jackeline Motta.

 

E quando é alergia alimentar?

Ao redor do mundo, a porcentagem de alergias alimentares varia muito. Alguns desenvolvem quadros de reações que podem levar à morte — além de ser muito confundida com a asma. "Nos últimos anos, a alergia alimentar tornou-se uma preocupação frequente para familiares, médicos, assunto de política pública, e são vários fatores envolvidos", explica a endocrinologista Jackeline Motta.

Alguns exemplos mencionados pela profissional são fatores genéticos; questões raciais — a alergia alimentar é mais prevalente entre crianças afro-americanas do que em brancas —; ambientais, que interferem desde o começo da gestação; mudanças no estilo de vida da população; hábitos alimentares; aumento da industrialização e manipulação genética dos alimentos. "Mas ainda não fica totalmente esclarecido o porquê do aumento de casos," diz a médica.

A alergia ao leite, como qualquer outra, não depende da quantidade para causar problemas. Existem níveis, mas pequenas quantidades já podem fazer um estrago considerável. Saber diferenciar uma alergia de uma intolerância pode salvar vidas, por mais que sejam similares em tempo e padrão.

Como identificar

O diagnóstico, tanto para a alergia quanto para a intolerância, na maioria das vezes, é identificado pela própria pessoa. Quando se come um alimento repetidamente e isso vai gerando desconfortos cada vez mais imediatos, é um dos primeiros sinais. 

A confirmação clínica da intolerância, porém, é feita por meio de um teste respiratório. Quando temos a lactose em excesso no estômago, além dos incômodos estomacais, acaba-se produzindo uma quantidade excessiva de gases. Esse excesso é absorvido pela flora intestinal, cai na rede sanguínea e é liberada pelo pulmão. "Os testes ocorrem dentro de um período de três horas. Primeiro se faz uma medida basal sem a lactose; depois, inserimos a lactose e as avaliações são feitas de 20 em 20 minutos. Se houver elevação da curva, demonstra que está produzindo muito gás em consequência de não produzir a lactase. Esse é o padrão ouro", detalha Adélia Carmen.

Como os sintomas da alergia alimentar ao leite são muito incômodos e colocam limites na nossa disposição e bem-estar, é difícil a demora para identificação. Mas, neste caso, um exame de sangue confirma a alergia.

Palavra do especialista

Qual a diferença entre alergia alimentar ao leite e intolerância à lactose?

A alergia alimentar é uma reação adversa do sistema imunológico, quando ele não reconhece algum alimento específico. Os sintomas não são exatos, variam de quadros leves aos potencialmente fatais, como a anafilaxia. Podem, envolve pele, trato respiratório, trato gastrintestinal e/ou sistema cardiovascular. É comum o termo "alergia à lactose", o que está completamente errado, já que a lactose não desencadeia uma reação alérgica, pois o desenvolvimento dos sintomas da intolerância à lactose não envolve a participação do sistema imunológico.

Quais são os sintomas da alergia ao leite? Qual faixa etária é mais afetada por isso?

Os sinais e sintomas do paciente com alergia às proteínas do leite de vaca são diversificados e atingem vários sistemas do organismo. Embora cada doença tenha sinais e sintomas únicos, eles podem se sobrepor e variar em gravidade, e não é incomum o envolvimento de mais de um órgão. Os sintomas, em sua maioria, surgem em idade precoce, frequentemente quando a criança está amamentando, o que complica ainda mais o diagnóstico, visto que existe uma coincidência com os transtornos gastrointestinais funcionais, que apresentam sintomas semelhantes.

Qual a melhor maneira de tratar a alergia ao leite?

A exclusão do alérgeno ainda é a melhor opção de tratamento. No entanto, a eliminação de alimentos que contribuem com nutrientes essenciais, principalmente na infância, pode levar ao desenvolvimento de agravos nutricionais e predispor dificuldades alimentares. Evitar alérgenos é uma tarefa difícil, e a ingestão acidental passou a ser cada vez mais comum. A imunoterapia com alérgenos aumenta a divisão entre quem tem adversidade ou não. No entanto, os desafios incluem longos períodos de tratamento, altas taxas de reações adversas e falta de permanência de dessensibilização e protocolos estabelecidos.

Jackeline Motta Franco é endocrinologista, membro do Departamento Científico de Alergia Alimentar da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia.

 

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte