"A doença me deu um baile, mas eu aprendi a dançar conforme a música. Vou levando no meu ritmo, sem perder o jogo de cintura." Assim Maria do Socorro Moraes, 60 anos, resume o que é viver com lúpus, doença com a qual convive há duas décadas.
A aposentada é uma das pacientes apresentadas na minissérie documental Sentindo na pele, produzida pela AstraZeneca Brasil em parceria com o Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, que visa contar a trajetória e os desafios de quatro mulheres com Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES). Chico Cardoso e Marcos Souza são os responsáveis pela direção da obra.
A estreia do projeto ocorreu no início de março, no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo, em evento organizado pela empresa biofarmacêutica, e contou, também, com o lançamento oficial da campanha Lúpus: A Marca da Coragem, que objetiva informar e conscientizar sobre a doença autoimune.
Na ocasião, foi exibido o painel Impacto do Lúpus no Brasil, em formato talk show, composto por Nafice Costa Araújo, presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia; por Edgard Reis, coordenador da Comissão de LES da Sociedade Brasileira de Reumatologia; representantes da AstraZeneca e de associações de pacientes; assim como das protagonistas de Sentindo na pele.
O evento foi mediado pela atriz e jornalista Juliana Franceschi, que também convive com lúpus. Já os espectadores participaram enviando dúvidas sobre o tema para os especialistas. A busca pela qualidade de vida, a importância do apoio emocional e a quebra de estigmas foram alguns dos assuntos discutidos.
Evidentemente, o foco do projeto e da cerimônia concentrou-se nas mulheres e em seus relatos de superação — elas são, também, maioria nas estatísticas referentes à doença. Entretanto, no que tange aos preconceitos, foram as declarações de Carlos Eduardo Tenório, coordenador geral da Associação Brasileira Superando o Lúpus, que chamaram a atenção.
Aposentado por invalidez, devido a uma deficiência física decorrente da enfermidade — Carlos tem inúmeros infartos ósseos, caracterizados pela destruição de parte do osso —, ele lembra que o estigma é muito maior entre os homens, os quais recorrentemente sofrem calados por sentirem vergonha de compartilhar as dores físicas e os transtornos emocionais que lhes adoecem.
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Jornada diária de luta e superação
Reconhecimento. Essa é a sensação transmitida pelas histórias narradas em Sentindo na pele. Ainda durante o talk show, as protagonistas Ana Geórgia Simão, Camila Maia, Luciane Peixoto e Maria do Socorro Moraes se abraçaram com olhares emocionados de quem sabe que a convivência com o lúpus não é fácil, mas possível.
A questão da autoestima, por exemplo, perpassa a jornada de todas, que em dado momento do tratamento perderam seus cabelos, e algumas, devido aos corticoides, sofreram com um inchaço considerável. A pergunta "Será que vou ficar assim para o resto da vida?" era feita frequentemente, como recordou Camila. Já a atriz Juliana Franceschi destacou ser comum as pessoas confundirem fadiga com preguiça, algo que pode dar margem a comentários desconfortáveis.
Na minissérie documental, a direção optou por mostrar, de forma sensível, a trajetória das personagens, seus cotidianos e, principalmente, suas redes de apoio. Por isso, contou com relatos de familiares, amigos e colegas de profissão. Algumas fotos do passado, bem como dados e informações mais recentes sobre a doença, são mostradas. Tópicos relacionados à espiritualidade e às dificuldades financeiras decorrentes do tratamento complementam o projeto.
Para Aninha, como Ana Geórgia é chamada, escrever poesias sobre seus sentimentos durante o tratamento da doença foi como um refúgio. Criou um perfil no Instagram e, lá, conheceu outras mulheres que passaram por desafios semelhantes aos seus. Hoje, em remissão, lembra que, pouco depois do diagnóstico, um dos objetivos da sua escrita era mostrar que a batalha contra o lúpus é diária. "Por ser uma doença crônica, as pessoas ao nosso redor a normalizam. Não deixamos, entretanto, de sofrer e de demandar apoio", conta.
No relato de Camila, o que mais chamou a atenção foi a mudança de planos que se deu com a descoberta da enfermidade: primeiro, a troca de profissão; depois, a gravidez inesperada. Casada com seu primeiro namorado, que lhe acompanha desde os primeiros sintomas do LES, a confeiteira encarava a maternidade como uma possibilidade e um desejo distantes. Quando menos esperava, veio a confirmação: estava grávida. Apesar do medo, tanto a gravidez quanto o parto foram um sucesso. Daqui para frente, porém, nada de filhos. "Minha menina dá trabalho por várias crianças", confessa, aos risos.
No terceiro episódio do documentário, bastou a fala da mãe de Luciane começar para ela cair no choro. Na tela, dona Sônia revelou o medo que sentiu de perder a filha para a doença, em especial quando a chegada da neta, Isadora, se aproximou. O apoio dos pais, da irmã e do marido foi essencial para vencer os momentos mais difíceis da doença. Diretora de uma escola, Luciane reconhece ter uma rotina puxada e destaca que, no seu caso, as piores crises se originam de problemas emocionais. Por isso, a importância de manter um acompanhamento multidisciplinar, inclusive, com psicólogos.
Já para Maria do Socorro, que recebeu o diagnóstico de lúpus aos 40 anos, o maior desafio ainda é passar pela hemodiálise, dado que seus rins foram afetados pela doença. Antes, fazia sessões quatro vezes por semana; hoje, faz apenas uma vez. Persistente, mesmo com os incômodos do tratamento, decidiu concluir o segundo grau de escolaridade com uma antiga colega. No fim do curso, ela foi a única a se formar. Sua família, que tenta levar o cotidiano da forma mais leve e descontraída possível, é seu maior afago.
Por dentro do lúpus
Doença inflamatória autoimune, o lúpus acomete entre 150 mil e 300 mil adultos no Brasil, e chega a cinco milhões em todo o mundo. Cerca de 90% dos pacientes são mulheres. Sem cura, o problema costuma evoluir lenta e gradualmente, dificultando o diagnóstico. Os principais sintomas são fadiga, dor, inchaço ou vermelhidão nas articulações (artrite), febre e erupções na pele.
Segundo a médica Nafice Costa Araújo, presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia, é preciso democratizar o acesso da população, em especial na rede pública de saúde, ao reumatologista; em seguida, aos medicamentos. Isso pode garantir um diagnóstico precoce e evitar que a doença evolua para fases mais graves.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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