Saúde

Entenda como funciona a gastrostomia, uma forma diferente de se alimentar

Procedimento que serve como suporte de nutrição, a gastrostomia, apesar de ainda ser um tabu, pode salvar vidas, especialmente de crianças

Yasmin Isbert*
postado em 10/03/2023 16:22 / atualizado em 14/03/2023 17:01
 (crédito: Reprodução da internet)
(crédito: Reprodução da internet)

O processo para engolir os alimentos é chamado de deglutição e começa a se desenvolver no momento do nascimento. Aprender a mastigar, engolir, fazer sucção dos alimentos e controlar a respiração enquanto se come são práticas importantes para o indivíduo estabelecer uma boa relação com a comida.

Todas essas ações estão ligadas à boca. Ao comer, o alimento entra pela cavidade oral, passa pela faringe e pelo esôfago, até chegar ao estômago. Porém, quando existe algo que impede que a comida seja ingerida dessa maneira, é realizado um procedimento chamado gastrostomia. Ele é feito perto do estômago, e faz conexão com um botton, que fica por fora da barriga, onde é colocada e tirada uma sonda para a introdução da alimentação, que pode ser natural ou por fórmula.

A faixa etária que mais demanda esse tipo de intervenção é no período infantil, entre 1 e 2 anos. Para a fonoaudióloga Patrícia Junqueira, idealizadora e diretora do Instituto de Desenvolvimento Infantil, as três principais causas do uso da terceira via são a falta de segurança para deglutir — e isso pode se desenvolver ou vir de alguma doença congênita —; a má absorção de alimentos; ou quando não se come o suficiente, causando a desnutrição. "As crianças que têm a síndrome do intestino curto não conseguem absorver tudo o que precisam pela boca, então recebem suplementos pela gastrostomia," exemplifica Patrícia.

As crianças prematuras, por exemplo, por passarem muito tempo na UTI com uma sonda nasal, não aprendem a sugar e, quando saem da maternidade, passam pela gastrostomia infantil para ganhar peso. "Os bebês crescem e puxam a sonda nasal, é desconfortável. Nesse ponto, a gastrostomia tem vantagem, porque evita o desconforto na cavidade oral e permite a liberação da região do rosto para respirar melhor, fazer conexão e explorar a boca livre de qualquer interferência", ressalta a fonoaudióloga.

Não insista!

Certas atitudes podem atrasar e criar problemas se houver insistência na hora de comer, a fonoaudióloga Patrícia diz que os pais e as crianças precisam ver isso como uma forma de alimentação e não um medicamento. “Forçou, recusou, é matemática, tem estudos que mostram que quando o pai insiste demasiadamente na criança para comer determinados alimentos, ao chegarem na adolescência, são os primeiros alimentos que eles recusam,” alerta Patrícia.

 

Uma boa alimentação


Aqui vão algumas das estratégias da cartilha da Sociedade Brasileira de Pediatria do Rio Grande do Sul (SBP-RS), para auxiliar na hora de comer e que não prejudicam a rotina da família e a saúde do seu filho.

Mas lembre-se de que incentivar seu filho que está com a bolsa a comer pela boca não é o ideal, procure respeitar o tempo dele para que esse momento possa ocorrer com tranquilidade.

-Estimular a criança a participar da escolha e preparação dos alimentos.
-Respeitar o direito da criança de ter preferências e aversões.
-Oferecer cores, texturas e sabores diferentes- uma alimentação colorida e balanceada.
-Não disfarçar os alimentos e tentar fazê-los de maneiras diferentes
-O ambiente deve ser calmo, estabelecer horário e duração das refeições.
-Não oferecer recompensas e agrados, atitudes que reforçam a recusa alimentar.
-Caso seu filho apresente grande resistência aos alimentos, nervosismo na hora de comer e não está se nutrindo adequadamente, procure um médico.

-Inserir a criança no momento das refeições, colocar um prato, talheres a mesa e objetos que ela possa manipular que estejam ligados à ocasião.

 

Evite!


-Evitar frases como “só mais um pouquinho”, “experimente”, “só o dedinho”.
-Distrações como celulares e brinquedos vão impedir que a criança possa experienciar as texturas e gostos de forma saudável e benéfica.

  


Acolher 

“No Brasil, ainda temos muita resistência com relação a isso, até mesmo da equipe médica”, afirma Patrícia. Isso contribui para a desnutrição e atrasa o desenvolvimento do paciente.”Se a criança não tem uma boa alimentação no começo da vida, não faz conexão neuronal, não tem força para se desenvolver cognitivamente, ou para os ossos e músculos crescerem.”

É importante normalizar e demonstrar muita segurança para a criança, a bolsa pode e deve participar dos momentos escolares, nas férias e nas brincadeiras. Isso não deve privar ou impedir que ela desfrute das situações.

Acolher a família também é fundamental, principalmente, a mãe, porque alimentar está muito relacionado ao amor e a conexão que a mãe estabelece com o filho. “Quando a mulher se vê impedida de amamentar e alimentar o filho, isso traz muita culpa e frustração,” relata a Patrícia. “Muitas vezes, por transformar a alimentação em um momento um pouco mais “técnico”, acaba-se perdendo essa conexão “olho a olho”.


Letícia Pinheiro, de Itapetininga-SP, tem 31 anos e é mãe da Lívia, uma menina de 3 anos que usa a bolsa devido ao diagnóstico de doença de refluxo severo. Letícia relata que para ela e seu marido a experiência alimentar com sua filha não era prazerosa como para outros pais, “ela se recusava a mamar, era exaustivo,” desabafa a mãe. Ela fazia o uso da sonda nasal até chegarem em um vídeo que falava sobre o procedimento e enxergaram uma solução.

Lívia Assumpção, 3 anos, sendo feliz com seu botton da gastrostomia!
Lívia Assumpção, 3 anos, sendo feliz com seu botton da gastrostomia! (foto: Arquivo pessoal )


Até então, nenhum médico tinha sugerido o procedimento, e só depois de vários episódios de vômitos e desconfortos, ela foi diagnosticada e fez a cirurgia com urgência. Por mais que tenha sido difícil, a mãe da Lívia conta que a adaptação foi tranquila, a presença do seu marido, mãe e irmãs foram essenciais para passar pela situação e hoje, ela se sente feliz e realizada de ver a filha forte, saudável e linda. “Em vários casos a gastrostomia não é para sempre, o importante é seu filho estar bem, nutrido e saudável. E mesmo que seja permanente, está tudo bem, independente da forma que se alimenta há muito amor envolvido”.

 


“Palavra do especialista”

-Nos momentos de refeições, o que é importante fazer para que a criança se sinta confortável? E o que não fazer?


É importante que este momento da refeição seja prazeroso e agradável. Não usar qualquer tipo de dinâmica com forçar, chantagear, coagir, distrair, oferecer recompensas, punir, dentre outras. Alguns fatores podem deixá-la mais confortável, como ser comunicada do término da atividade anterior e ser preparada para a atividade iniciada (refeição), como lavar as mãos e servir à mesa. Preparar um ambiente mais calmo caso a criança se incomode com ruídos, ou em caso de odores talvez seja necessário tampar travessas ou colocar em uma posição mais distante do prato da criança, enfim, perceber o que deixa ela mais confortável e seguir com isso.
A criança precisa estar sentada em um cadeirão que permita que ela visualize a situação de uma forma geral (os integrantes da refeição + os alimentos e travessas disponibilizados, etc), e que tenham pelo menos dois alimentos “amigos” no práti caso a criança aceite via oral ou se aproximar de algo novo. O momento e a dinâmica da família devem ser o foco, e não o que a criança está comendo ou a quantidade.
Observar o que a criança comunica de forma verbal e não verbal, e disponibilizar estratégias, como por exemplo: caso se incomode com algum alimento que levou à boca e não queira engolir, oferecer um guardanapo ou o local de descarte.

-Quais medidas tomar se, eventualmente, a criança pedir para comer algo pela boca?


Caso a criança queira levar algum alimento à boca, mas ainda não tenha habilidade para consumir determinadas texturas, os pais ou cuidadores podem auxiliar oferecendo estratégias que facilitem a aproximação e o sucesso. Por exemplo: se ela demonstrar interesse em comer um bolo de cenoura com cobertura de chocolate,incentive o interesse falando que pode passar o dedo na cobertura, ou um biscoito simples que pode ser esfarelado, se estiver interessada em alguma preparação aromatizada, chame atenção aos cheiros.

-Existem alimentos que devem ser evitados nesse tipo de cenário? Ou alimentos que ajudem especificamente esse problema?


Os alimentos mais desafiadores devem ser evitados neste momento inicial, pois uma experiência negativa pode afastar a criança do momento da refeição e de outros alimentos. A fonoaudióloga poderá avaliar qual a habilidade motora oral da criança e junto à nutricionista investigar quais são as preferências sensoriais da criança para estabelecer quais alimentos podem ser ofertados e como podem ser apresentados à criança.

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  • Lívia Pinheiro, 3 anos, sendo feliz com seu botton da gastrostomia!
    Lívia Pinheiro, 3 anos, sendo feliz com seu botton da gastrostomia! Foto: Arquivo Pessoal
  • Lívia Assumpção, 3 anos, sendo feliz com seu botton da gastrostomia!
    Lívia Assumpção, 3 anos, sendo feliz com seu botton da gastrostomia! Foto: Arquivo pessoal
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