O prazer é tão diverso quanto os seres humanos. Cada indivíduo tem suas taras, seus rituais e seus desejos na cama — ou em outros lugares, quem sabe. Ainda um tabu, o sexo é um mundo em que sempre vai haver recônditos a serem descobertos. Cada um decide se prefere cruzar oceanos e descobrir novos horizontes ou permanecer onde sempre esteve. Antes de mais nada, para falar do assunto, é preciso entender o conceito de parafilias. "São comportamentos incomuns para a atividade sexual", define, sucintamente, a sexóloga Tâmara Dias.
Quem já acessou perfis 18 no Twitter ou frequentou sites de conteúdo adulto sabe bem que o que não faltam são comportamentos sexuais não convencionais por aí. "É importante frisar que a parafilia é algo muito ligado à cultura local. Aqui no Brasil, por exemplo, são até comuns pessoas com fixação por pés, a chamada podolatria. Em outras culturas, isso pode ser abominável", assinala Tâmara, que também cita o cuckold, parafilia em que o homem tem prazer em ver a parceira fazendo sexo com outra pessoa.
Já os fetiches são um tipo de parafilia, normalmente ligado a um objeto, a algo palpável. Tâmara evoca o conceito do pai da psicanálise, Sigmund Freud, para explicar melhor o fetiche: "É a substituição do todo por uma única coisa". Como exemplo, pode-se citar roupas, calçados ou partes do corpo que a pessoa precisa ter acesso para sentir o prazer sexual.
Liberdade para sentir o prazer é fundamental, mas é preciso, também, entender os limites da ousadia. "Fetiches e outras parafilias deixam de ser saudáveis quando a pessoa deixa de ter suas práticas rotineiras ou prejudica suas relações para ir atrás do prazer sexual, o que pode ser configurado como vício. Nesses casos, é recomendada a procura por um sexólogo para tratamento", alerta a terapeuta.
Liberando os fetiches
A reportagem procurou pessoas que se permitem viver seus fetiches e outras parafilias plenamente. Nada mais ideal do que uma festa cujo tema central é o prazer sexual. A Festa Lust (luxúria, em inglês), é um evento que ocorre no Conic, em Brasília a cada dois meses. Lá, o público pode ficar à vontade para vestir o que quiser (inclusive nada), viver os fetiches e até mesmo ter relações sexuais. No som, a batida forte do tecno traz o frenesi excitante necessário para a atmosfera do local.
Mônica CDzinha foi a primeira que aceitou falar um pouco de como lida com a sexualidade. CD é a abreviatura do termo crossdresser, que pode ser entendido como transformista, pessoa que incorpora elementos do sexo oposto, como roupas, maquiagens, calçados e adereços. Durante o dia, ela é um profissional liberal de 50 anos bem-sucedido, mas, à noite, gosta de encarnar a Mônica, mulher que se esbalda com vários amantes homens héteros, segundo a crossdresser. Naquela noite, o figurino escolhido foi uma roupa de freira, maquiagem carregada e uma bota de vinil preta plataforma com cano até o joelho.
"Mônica, que existe há 20 anos, é uma outra pessoa. Sendo ela, eu experimento outros papéis, pessoas e lugares. Gosto de explorar as possibilidades, do estranhamento de ser outra pessoa e de outros caras transarem comigo, eu vestida de mulher", revela. Mônica não sabe explicar bem o porquê de homens heterossexuais gostarem de ter relações com ela: "Talvez seja por causa da indefinição do meu gênero", titubeia. "Ou justamente por saber que sou um homem. Os fetiches são incontáveis. Cada ser humano tem um fetiche, é diverso." No entanto, ela é categórica ao falar dos limites do fetiche: "Se não tá divertido, não tá legal".
As amigas Natália, 22, Lore, 19, e Nix, 19, são adeptas do BDSM, sigla que denomina um conjunto de práticas consensuais envolvendo bondage e disciplina, dominação e submissão, sadomasoquismo e outros tipos de comportamento sexual humano. "Eu venho para a Lust porque curto o BDSM, cujo resumo é o prazer. Eu gosto da dor e é um momento de êxtase quando estou no ápice do prazer. Eu me sinto a melhor pessoa do mundo", confessa Natália, que sabe bem que cada pessoa tem um limite diferente.
Lore vê na Lust um momento de autoexpressão e liberdade. Para ela, o BDSM traz, além do prazer, aventura e confiança nos parceiros. "Para se entregar a alguém em relação assim, você tem que confiar muito nela, é uma entrega total", diz a jovem. "Fetiche é uma maneira de se expressar, cada pessoa é única na forma de sentir prazer. Fetiche é apenas uma generalização", defende. Lore evoca uma sigla bastante usada entre os adeptos do BDSM para falar até onde pode-se ir pelo prazer: SSC, iniciais de são, seguro e consensual.
"Uma relação dessa natureza tem mais potencial do que a sexual tradicional, porque você tem mais conexão, mais confiança", analisa Nix, que destaca o autoconhecimento como um dos benefícios do fetiche. O que não dá para ela são práticas de higiene questionável, como chuva dourada, quando o parceiro urina no outro, e chuva prateada, quando é sêmen, suor ou saliva.
As três amigas estavam vestidas a caráter para a ocasião, com espartilhos, correntes, arreios, saltos e meias-calças. Lore foi um pouco mais ousada, com os seios à mostra e piercings transversais em cada um dos mamilos.
Submissão, sim; desrespeito, nunca
Em meio à multidão de corpos expostos, beijos, toques e curiosos com as atrações que se apresentavam no palco da Festa, um casal chamava atenção. Ele usava uma máscara de cachorro, enquanto era guiado por uma coleira pela parceira, a dominadora profissional Mistress Eduarda Leal. "Ele já foi meu cliente, mas hoje é só o meu cachorrinho, meu servo integral", explica a dominatrix de 26 anos. "Ela é a minha dona", complementa Stanley, 38.
Engana-se quem acha que em uma relação de submissão é tudo liberado. Pelo contrário, antes de iniciar as sessões, uma boa conversa estabelece os limites de cada um dos envolvidos. Pode parecer paradoxal, mas é uma dinâmica que exige muito respeito. "A nossa relação envolve a prática do sadomasoquismo e negociamos tudo dentro do SSC (são, seguro e consensual)", detalha Eduarda. "Durante esse ano em que vivemos dessa forma, ela nunca passou dos limites", garante o cachorrinho. A prática de encarnar um animal dentro de uma relação é chamada de petplay.
Durante a conversa com a reportagem, foi possível ver como Stanley é obediente. Ao ser perguntado se poderia dar o nome verdadeiro para a matéria, ele olha para a dona, que balança o indicador em negativa. "Não", respondeu de imediato. Todos os personagens desta reportagem têm nomes fictícios, profissional ou artístico.
"Eu me entendi sádica e fetichista, mas isso é só uma parte de como manifesto minha liberdade sexual. Hoje, vivo do fetiche, do masoquismo e do BDSM — sigla que denomina um conjunto de práticas consensuais envolvendo bondage e disciplina, dominação e submissão, sadomasoquismo e outros tipos de comportamento sexual humano. Minha vida gira em torno de tudo isso. É como ganho dinheiro e minhas amizades são através disso", revela a dominatrix. Eduarda Leal (@eduardalealbsb) trabalha com isso há três anos.
Profissão
Fora do ambiente do tecno e de jogos de luz, Eduarda aceitou conversar mais um pouco sobre a profissão com calma. "Alguns chegam com a demanda de ser submisso, de entrar no jogo da hierarquia. Outros querem fetiches mais específicos. Se faz parte do que eu gosto, eu faço."
Ela conta que as sessões são de, no mínimo, uma hora. A dominatrix também trabalha com o sadomasoquismo, que envolve bondage, prática de restrição de movimento com cordas, gaiolas, coleiras, algemas, grilhões e outras ferramentas para fins eróticos. Eduarda ressalta que antes de qualquer prática sempre tem as negociações. "Depois, eu ordeno tudo dentro do que eu posso. É uma responsabilidade muito grande." A dominatrix inaugurou, há pouco tempo, um dos primeiros estúdios para práticas de BDSM de Brasília.
Eduarda não quis informar qual o valor de cada sessão, mas adiantou que está na casa dos quatro dígitos, o que revela algo sobre o perfil da sua clientela. "Todos eles estão em posição de poder, como empresários e advogados, com grandes responsabilidades nas mãos. Eles me procuram para desopilar de tudo. Eles querem entregar o controle da vida para mim durante as sessões."
Eu, repórter
O que vi na Lust:
"Respeitando o compromisso que o profissional do jornalismo tem com a verdade, devo começar confessando ao leitor que não foi a minha primeira vez na festa. Mas a missão profissional me impeliu a viver a experiência de uma maneira diferente, a começar pelo figurino. No lugar de roupas que deixam o corpo mais à mostra, camisa social de listras finas vermelhas horizontais, calça jeans e uma bota.
Antes de entrar no ambiente, os desavisados podem não ter a menor ideia do que será descortinado logo mais. Após a entrada, a primeira parada é no guarda-volumes, onde você se livra das vestimentas socialmente aceitas e mostra ao que verdadeiramente veio. Jockstraps, correntes, arreios, peças de pelúcia, fios dentais ou mesmo nada são os mais comuns. Máscaras, espartilhos, meias-calças, saltos e trajes de látex e couro também.
Depois de arrancar a casca da moralidade, é hora de conferir os ambientes da festa. No pavimento superior, a pista de dança ferve. O eletrônico, as luzes e os corpos quase ou completamente nus inebriam. Perto do bar, fica o palco onde se apresentam as atrações da noite. A primeira que cheguei a ver foi uma moça levando uns tapas no bumbum de outros rapazes. Outra foi de fantasia inspirada na Carmen Miranda, que, aos poucos, foi sendo retirada até deixar os fartos seios da artista de fora. Também tinha o homem que despejava óleo sobre o corpo completamente nu.
Para os pudicos, o mais chocante pode ter sido a cena de sexo explícito. Três homens fizeram sexo na frente de todos os presentes. Chamou a atenção o fato de as atrações não serem anunciadas por algum mestre de cerimônia. De repente, você se depara com algo inusitado em cima do palco. Assim mesmo, sem anúncios.
Explorado o pavimento superior, hora de descer as escadas. A escuridão prevalece em boa parte do recinto. A pouca iluminação vem das sinalizações luminosas indicando as saídas e os banheiros. É ali onde tudo verdadeiramente pode acontecer. Talvez a baixa visibilidade deixe os lusters mais desinibidos para realizar os desejos da carne sem a vergonha de ser observado. Na chamada dark room (sala escura, em inglês), é possível ver a silhueta dos corpos se movimentando na penumbra. Excitante ou assustador? Ambos.
A ideia de ir a uma festa como a Lust pode deixar o leitor apreensivo, ou mesmo com medo. O que eu posso dizer é que na minha experiência, que envolve as três edições em que já estive, nunca fui desrespeitado ou coagido a fazer algo que não queria. No mais, o evento proporciona cenas e interações que dificilmente você terá acesso em outros lugares e festas convencionais. Só pela curiosidade já vale a noite."
50 tons de cinza
Quando foi lançado, em 2011, o primeiro livro da trilogia 50 tons de cinza, da autora inglesa Erika Leonard James, causou o maior burburinho e logo virou best-seller mundial e chegou a vender mais de dez milhões de exemplares nas seis primeiras semanas. Não demorou muito para a história da inocente estudante Anastasia Steele e o bilionário bonitão Christian Grey serem adaptados para o cinema. No enredo, interpretado na telona por Dakota Johnson (Anastasia) e James Dornan (Grey), a jovem mergulha de cabeça numa relação nem um pouco convencional e descobre os prazeres do sadomasoquismo, tornando-se o objeto de submissão do enigmático empresário.
Glossário
— Podolatria: interesse ou excitação sexual provocada pelos pés.
— BDSM: sigla que denomina um conjunto de práticas consensuais envolvendo bondage e disciplina, dominação e submissão, sadomasoquismo e outros tipos de comportamento sexual humano.
— Bondage: restrição de movimentos com cordas, correntes, gaiolas e outros acessórios.
— Crossdresser: pessoa que incorpora elementos da expressão do gênero oposto; transformismo.
— SSC: termo usado entre os adeptos do BDSM para designar "são, seguro e consensual", regras básicas para a prática.
— Petplay: uma forma de encenação na qual pelo menos um dos participantes desempenha papel com características animais.
— Darkroom: do inglês, sala escura. Espaço, geralmente em eventos festivos, com pouca ou nenhuma luminosidade, destinada para práticas sexuais.
— Cuckold: prática do parceiro que gosta de ver a companheira mantendo relações sexuais com outros homens.
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