Imagine conhecer alguém e desenvolver uma expectativa sobre um futuro relacionamento. A possibilidade de conseguir sucesso no amor e abraçar a chance de uma vida a dois, com claras atitudes de que as intenções são iguais para ambos. Até que, de repente, uma das pessoas some, desaparece sem motivos ou sem dar explicações aparentes, deixando um buraco e um vazio enorme para quem ficou. Para esse tipo de comportamento existe um nome, que se chama ghosting, termo que vem do inglês — ghost —, que traduzindo significa fantasma.
No entanto, para entender esse rompimento abrupto, é preciso ir um pouco mais fundo. Quais os motivos que fazem uma pessoa especial sumir? O neurocientista e mestre em psicologia Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues explica que o ghosting é uma definição de namoro coloquial relativamente nova, que se refere a encerrar diálogos com alguém.
"Cortar a comunicação poupa o indivíduo de confrontos. É mais conveniente, de acordo com a personalidade de grande parte das pessoas, poupar do que assumir responsabilidades ou de se engajar no trabalho emocional da empatia", pontua o especialista. No que diz respeito a esse pensamento, atualmente, graças às relações descartáveis e líquidas, é muito mais fácil desaparecer sem deixar rastros do que se posicionar para um novo relacionamento, já que, para muitos, há sempre uma pessoa melhor do que a outra disponível por aí.
Dois lados da moeda
Para Gustavo Couto (nome fictício), 28 anos, essa realidade é presente das duas formas. O jovem, além de "dar" ghosting — ser aquele que desaparece — também é o abandonado da relação. Em grande parte das vezes, entretanto, o desinteresse vem do servidor público. O início das conversas, segundo ele, surge por meio da internet. Maneira mais fácil de se introduzir a alguém, desenvolvendo afetos e carinho. Pois bem, é lá onde começa, e também onde termina.
"Geralmente conheço as pessoas por aplicativos ou redes sociais: Instagram ou Tinder. Já aconteceu, uma vez, de eu estar conversando com uma pessoa, por uma ou duas semanas, até que a gente decidiu sair para se encontrar. Quando saímos, a pessoa era muito diferente daquilo que ela apresentava nas fotos. A conversa foi muito legal, o encontro foi super legal. Mas a gente cria aquela expectativa que, na realidade, não foi cumprida", relata.
Apesar desse desânimo em ir em frente com os relacionamentos, as dificuldades e os problemas internos também ganham força numa construção afetiva menos sólida e enraizada em castelos de areia. Autoestima baixa, insegurança consigo mesmo, fatores que aparecem como reais fantasmas sempre que Gustavo tenta se envolver emocionalmente com alguém. Essa busca por um laço mais duradouro se perde, fazendo com que ele suma sem dar explicações, já que é mais fácil ir embora do que fazer o outro entendê-lo.
Esse debate, obviamente, é tema nas terapias em que faz. Consciente do quanto isso pode maltratar alguém, o servidor público garante que deseja abandonar essa postura. "Eu sei como é, já estive do outro lado. A gente cria um monte de cenários e começa a se culpar. E quase nunca é sobre a gente. Tenho trabalhado nisso recentemente, para ser bem direto com a pessoa", ressalta Gustavo.
"Amor líquido"
No passado, Zygmunt Bauman, um dos sociólogos mais importantes da história apontou a fragilidade em desenvolver afetos e amores que duram. Para definir essa ideia, ele trouxe um nome — "amor líquido" —, que seria basicamente o amor até segundo aviso. Pois esse sentimento se perderia, dada a inconstância das coisas, das pessoas e dos momentos.
Atrelado a esse pensamento, nada mais justo do que correlacionar o assunto ao jeito mais usado de se envolver com alguém no mundo contemporâneo: as redes sociais. Simone Cursina de Arruda, psicóloga especialista em término de relacionamento, afirma que o padrão de interações rápidas e fáceis que veio pelas redes sociais ou aplicativos de relacionamento ajudou nesses rompimentos abruptos, como é o caso do ghosting.
"Hoje a pessoa tem mais opções, então a troca é mais rápida. E sumir começou a ser algo considerado normal, só não para quem está envolvido achando que estavam indo bem", ressalta a profissional. Essas atitudes, contudo, tornaram-se uma espécie de padrão. As trocas superficiais transformaram-se em uma cultura que não agrega, adaptada por aqueles que gostam da facilidade e abraçam o comum. O match, quase sempre, não é concluído, pois nunca há satisfação aparente.
Esse descontentamento parte de qual gênero? Para a psicóloga, não existe um grupo que esteja mais intrínseco na causa. Porém, ela aponta que ambos sempre designam a culpa para o outro lado. "Se você perguntar para as mulheres, elas vão falar que é mais frequente entre os homens. Só que isso tem virado um padrão de comportamento de qualquer pessoa", detalha.
Jeito de ser
Dar ghosting é a forma como Luize Silva (nome fictício), 21, lida com seus vínculos afetivos. Quase sempre o desânimo em continuar interagindo perpassa sobre, simplesmente, a falta de interesse no outro ou no que ele pode proporcionar. "Nunca tive relacionamentos longos justamente por isso, ninguém nunca se mostrou tão interessante a ponto de me fazer ter vontade de estar em uma relação. E como não são relações sérias, ao meu ver, eu não tenho que ter grandes justificativas para me afastar, eu só vou gradualmente me afastando", conta a maquiadora.
Todavia, aqueles com quem ela conversa, vez ou outra, buscam uma resposta para o desaparecimento. Procuram preencher o vazio atrás de possíveis erros que tenham cometido ou se fizeram algo que machucou Luize. Ela refuta dizendo que não, colocando a responsabilidade sobre as coisas nas quais sente — ou não sente.
Mesmo sabendo que se posicionar desse modo não é o correto, a maquiadora confessa que não procura mudar. Isso, como descrito por ela, não é algo que a incomoda o suficiente. "Sei que não é muito certo, mas também não vejo como algo absurdamente errado. Como dito antes, não são relações sérias ao ponto de ter que justificar o motivo do meu afastamento", detalha a jovem.
Como superar?
Uma resposta para esse questionamento, talvez, seja a mais almejada por quem é deixado em uma relação. E o pior: algumas vezes, parece ser mais difícil superar algo que nunca existiu do que um relacionamento que de fato aconteceu. Simone Cursina de Arruda reitera que a primeira coisa para lidar com esse suposto abandono é entender que não tem a ver com você.
É normal que o sentimento de culpa e de insuficiência apareça. "É um comportamento natural, que não deveria ser, mas é o que está sendo", comenta a psicóloga. Para tentar ser feliz novamente, é preciso desencanar e acreditar que o amor pode acontecer. Enfrentar a rejeição e encarar nos olhos dessa frustração aquilo que mais lhe causa tristeza, usando isso como trampolim para interações mais reais e sólidas.
Claro que ficar desesperado não resolve, como reforça Simone. Contudo, é necessário abraçar as oportunidades que surgirão no meio do caminho, sem pressa, porque tudo passa com a calmaria. Mas, não menos importante, manter sua capacidade de se envolver intacta.
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