Enfim, carnaval! após longa pausa, folia retorna com promessa de festa e alegria

Depois de longos e dolosos anos, a folia volta como presente para aqueles que sobreviveram à pandemia. E mais que isso, para celebrar e matar a saudade do feriado que faz o brasileiro e até gringo se apaixonarem

Eduardo Fernandes

postado em 19/02/2023 06:32 / atualizado em 19/02/2023 06:35

Larissa tem no DNA o sangue da folia, já que veio da Bahia e conhece bem o carnaval de Salvador - (crédito: Yasmin Isbert/ CB / DA PRESS)

Antes da pandemia da covid-19, festejar era algo natural para o brasileiro. Mas, com o surgimento da crise sanitária que matou milhares de pessoas e obrigou todos a se isolarem, épocas felizes foram deixadas de lado. Após três anos — e duas folias —, a vida volta à normalidade. E, para celebrar o alívio e arrancar o peso dos ombros, o carnaval está aí, com sua mesma leveza e a capacidade de entregar sorrisos e brilho.

Blocos de rua, samba, frevo, pagode e as pessoas que nos preenchem o coração estão de volta. Fazia tempo que fevereiro não era tão aguardado. Para registrar esse retorno emblemático, a Revista do Correio dedica este domingo de Momo para contar histórias dos foliões apaixonados que, depois da pausa, estão prontos para cair na brincadeira.

Tempo de ser feliz

Um desses bonitos relatos de retorno ao carnaval vem da empresária Beatriz Luca, 26 anos. Para ela, não existe nenhum outro feriado capaz de despertar nas pessoas o que a folia desperta. "Este é o momento de a gente conhecer outras pessoas, ficar muito doido, curtir a vida, beijar muitas bocas e ser feliz", diverte-se.

São dias convidativos e que atraem até o mais introvertido dos indivíduos — não há quem diga não para os blocos de rua. Assim enxerga Beatriz, que confessa ter vivido dias tristes desde 2020, último ano de blocos de rua. Por isso, para ela, a comemoração deste ano deve ser em dobro, para compensar a dura pausa. E enxerga que é necessário festejar com harmonia. "Eu me senti meio órfã sem o carnaval, agora quero aproveitar o tempo e curtir esse atraso", conta.

Com esse objetivo em mente, a empresária mal sabe em quantas folias vai conseguir comparecer. Entretanto, a ideia é muito clara: curtir no máximo de regiões que puder. Com uma programação variada, ela diz que não pode deixar de ir nos diversos eventos espalhados pela cidade. Colocando pra jogo, é claro, suas roupas mais coloridas. Fantasias que sempre fizeram parte do seu traje rumo às ruas. Em 2023, obviamente, deve ser igual. "Até coloquei um cabelo diferente para poder curtir esse momento como ele deve ser vivido. Este ano é justamente para botar nossa personalidade para fora."

Beatriz Luca adora o carnaval e está empolgada para a volta da folia (foto: Fotos: Yasmin Isbert/ CB/ DA PRESS)

Sabor europeu

É bem verdade que o Brasil recebe, nesta época, estrangeiros dos mais diversos lugares. O carnaval é capaz de atrair o mundo inteiro, que chega com os olhos atônitos para a beleza que o brasileiro transmite durante fevereiro. E na capital do país, essa história não seria diferente. Há três anos, o francês Tristan Samuel, 36, pousava em território nacional.

Diretamente das maravilhas de Paris, ele veio para morar em Brasília. E não somente para isso, mas, sobretudo, para viver o carnaval. Infelizmente, ele, que é casado com Beatriz Luca, deu azar de chegar justo no ano em que a pandemia assolava o mundo. "Eu cheguei ao Brasil e não consegui viver uma folia. Este vai ser o meu primeiro carnaval, estou muito ansioso para curtir", anseia.

Por gostar muito da cultura e do samba, ele espera saborear a folia dos bloquinhos não somente do Distrito Federal, mas do Rio de Janeiro também. A animação é tão grande que decidiu pintar o cabelo de rosa, especificamente para as duas semanas de folia. Na semana pré-carnavalesca, o francês desfrutou da festa candanga antes de partir para a Cidade Maravilhosa com a companheira, onde passa o feriadão.

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  O francês Tristan Samuel veio ao Brasil a trabalho em 2020 Yasmin Isbert/ CB/ DA PRESS

Sangue nordestino

E quando se fala em carnaval, é impossível não se lembrar daquele sotaque arretado que é fácil de encontrar em Brasília. Espalhado por todas as cidades, o Nordeste é referência quando o assunto é carnaval e também enche a vida de mais cor em fevereiro. Da Bahia para a capital federal, Larissa Teixeira, 29 anos, diz que a folia está em seu sangue.

Esse desejo pela festa é hereditário, já que a paixão começou em casa, com a família. Esses últimos anos, especialmente para ela e os parentes, foram deprimentes. A vendedora descreve que ir às ruas depois de tanto tempo é como "estar renascendo das cinzas". Empolgada, Larissa quer participar de todos os blocos, sem retirar a hipérbole de sua afirmação.

O desejo dela é como o de quase todo mundo, que quer reaproveitar os momentos que foram perdidos, além de esquecer as dores que ficaram no passado. "Tudo isso é muito estranho, sabe? Eu quero o carnaval logo porque ele é muito bom, ter ele de volta, enfim, a sensação é maravilhosa." E esse é o sentimento que Beatriz deve buscar — mais felicidade.

Fantasiando-se ou não, algo que Larissa sempre costuma fazer, a curtição deve ser a mesma. Ela garante que não vai se prender a isso, pelo menos neste ano. O importante é matar a saudade dos blocos que ia antes da pandemia, como o Divinas Tetas e o Bloco do Amor. Para 2023, ela espera não voltar para casa sem os sapatos, experiências que vêm de outros carnavais. "É que eu sempre curti demais", diverte-se. 

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  Larissa tem no DNA o sangue da folia, já que veio da Bahia e conhece bem o carnaval de Salvador Yasmin Isbert/ CB / DA PRESS

Do bloco para a vida

E falando de outros carnavais, engana-se quem vê esta época como uma leva de relacionamentos casuais e muitos beijos aleatórios nos bloquinhos. Existem aqueles que encontram, no meio da multidão, amores para a vida inteira. É o caso de Emanuela Parente Nascimento, 43 anos, e de seu quase marido, Fábio Braga, 44. Nesta Quarta-feira de Cinzas, o casal completa 10 anos juntos. Os dois se conheceram em meados de dezembro de 2012.

Em uma decisão conjunta, passaram o carnaval de 2013 curtindo todas as folias da cidade. E no último dia de festa, Emanuela foi surpreendida com o pedido de namoro no meio da avenida. "Não lembro as palavras ditas, mas foi uma proposta para fazer dessa vida todo dia um carnaval", relembra a terapeuta.

Desde então, ambos vivem esse ciclo intensamente. Por isso, ficar sem festejar trouxe uma imensa dor ao casal, como relata Emanuela. "Foram dois anos chorando da janela. Para mim, foi tristeza total. Agora, eu estou com sangue no olho", brinca. Essa gana para voltar a sorrir no meio de conhecidos e desconhecidos é como tirar da garganta um nó de quem sobreviveu, apesar de tudo o que foi vivido.

Poder celebrar e estar novamente no meio da multidão é como se fosse um presente, de acordo com ela. Para quem veio de uma família em que a folia é tradição — a tia e alguns parentes são super carnavalescos —, retornar é encaixar a vida de volta nos trilhos. Em casa, por exemplo, ela guarda as fantasias que acumulou durante a última década. Um acervo de memórias, impossíveis de serem jogadas fora, deixadas em um armário, na garagem de onde reside.

Já que as coisas voltam com o tom de esperança de antes, Emanuela destaca que é preciso deixar as tristezas de lado, pelo menos agora. Guardar as preocupações em uma gaveta trancada, e sair por aí para festejar mesmo. Algo que ela certamente fará com o companheiro, repetindo lembranças de outrora. "Todo ano saíamos, perdíamos roupas, perdíamos a cabeça e morríamos de rir. Sempre foi uma grande aventura."

12/02/2023 Crédito: Carlos Vieira/CB. Carnaval 2023. Bloco SESC no Samba. Na Foto Fabio Braga e Manuela Parente. (foto: Carlos Vieira/CB)

Todo carnaval tem seu fim?

Para essa resposta, a pergunta é sempre não. Parafraseando a música da banda Los Hermanos, nenhum carnaval tem fim. Principalmente quando se é jovem demais e ainda há várias folias para conhecer e eternizar no coração. É o caso de Juliana Melo, que mesmo aos 26 anos já foi em mais blocos do que muita gente por aí.

A paixão, segundo ela, vem desde bem pequena, já que ia para a folia ao lado dos familiares. "Eu sempre fui muito fascinada por carnaval porque os meus pais sempre me levavam. Desde então, comecei a gostar bastante", recorda-se. Neste ano, a programação está feita, e ela garante ir ao máximo de bloquinhos que conseguir.

A falta que o carnaval fez nesses dois anos, certamente a afetou. Por isso, Juliana diz aguardar ansiosamente para comemorar essa volta ao lado dos amigos. Nas redes sociais, inclusive, a pedagoga dá aula de como se maquiar. E é usando dessa habilidade que ela pretende arrasar nas ruas. "A melhor parte do carnaval é a fantasia, vou confeccionar uma para cada dia", brinca a jovem.

O amor pelo carnaval pode ser até ser recente, mas nem por isso menos intensa. Guilherme Kolarik, 20 anos, é músico e frequenta as folias há pouco tempo — paixão que surgiu dois anos antes da pandemia. Entretanto, o motivo é um tanto quanto especial.

A avó do jovem era fã de carteirinha da cantora Beth Carvalho, além de ser apaixonada por samba e pelas belezas que surgem nesta data. Mas, há cerca de 10 anos, ela morreu, quando Guilherme era ainda um garoto. Um tempo depois, curtindo nas ruas, um reencontro mágico aconteceu. "No meu primeiro carnaval, acabei escutando uma das músicas da Beth e foi muito emocionante."

Abraçado nesta memória afetiva, o músico marcou presença vestido de Coringa em um bloco carnavalesco na Asa Sul. A escolha partiu graças à semelhança com o ator Heath Ledger, que interpreta o vilão no cinema. Agora, a ideia dele é continuar, nos anos seguintes, comparecendo aos muitos carnavais que estão por vir. Como forma de homenagem e diversão, para lembrar-se sempre da avó, mostrando que, realmente, nenhum carnaval tem fim, mas transborda de geração para geração.

Guilherme adora ir à folia fantasiado e, desta vez, escolheru o Coringa (foto: Yasmin Isbert/ CB/ DA PRESS)

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