Quando se fala em saúde sexual, a maioria das pessoas pensa no uso de camisinha e de métodos contraceptivos, embora sejam temas extremamente importantes, é necessário entender que os cuidados com os órgãos sexuais e reprodutivos vão muito além.
São muitos os fatores que precisam ser levados em consideração, como diversas doenças que podem acometer esses sistemas independente das relações sexuais. Daí a importância das consultas de rotina e dos checapes.
E conforme a medicina e a sociedade evoluem, aumenta, ainda que lentamente, a inclusão no sistema de saúde. O médico ginecologista e obstetra Edson Ferreira, pesquisador na área da saúde para o público LGBTQIAPN+, ressalta a importância de cuidados individualizados de acordo com as necessidades de cada uma dessas pessoas.
"Alguns fatores precisam ser levados em consideração quando se fala sobre contracepção para o público LGBTQIAPN+ , como identidade de gênero, orientação sexual, parcerias e práticas sexuais", comenta.
Além de abordar a necessidade de sexo seguro, com o intuito de evitar infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e gravidezes indesejadas, Edson explica que os profissionais de saúde precisam levar em conta fatores comportamentais e de tratamentos, que acabam impactando ainda mais a vida desse público.
Entre os principais obstáculos no que diz respeito a saúde da população LGBTQIAPN+ estão as questões culturais. As demandas são bastante variáveis, considerando as diferentes identidade de gênero com mulheres e homens trans e cis, as diferentes orientações sexuais, o momento de vida. As dúvidas da adolescência são diferentes das que surgem na vida adulta, o mesmo vale para a proximidade da menopausa. Cada indivíduo merece um cuidado personalizado de acordo com suas necessidades.
"Para começar, a própria pessoa precisa reconhecer que precisa de cuidados específicos e buscar orientação no serviço de saúde. Depois, é necessário encontrar um serviço de saúde alinhado aos seus valores e expectativas, com profissionais disponíveis para essa escuta mais ativa e empática", aconselha Edson.
O médico explica ainda que a falta de informação e até mesmo de empatia e preparo de alguns profissionais de saúde pode inibir essas pessoas de se abrir nas consultas, tirar as dúvidas que encontram e mencionar aspectos específicos de sua saúde, envolvendo seus tratamentos e particularidades.
No caso da população trans, o homem trans pode se sentir intimidado ao entrar na sala de espera de uma clínica ginecológica e ficar ao lado de mulheres cis. "Isso pode gerar situações de desconforto, o que acaba fazendo com que ele evite agendar essas consultas e, consequentemente, não tenha tanto acesso às informações necessárias para a sua saúde reprodutiva", explica.
O mesmo vale para mulheres trans, que apesar de não frequentarem os consultórios ginecológicos, podem passar por situações de constrangimento no atendimento médico, ao não terem sua identidade validada.
As principais queixas dos homens trans estão relacionadas à menstruação. "Ela, normalmente, não é muito bem-vinda. Maneiras de suprimir a menstruação são um pedido recorrente nas consultas", destaca o médico.
Os principais cuidados específicos para as mulheres trans estão relacionados aos cuidados com as mamas, a utilização de hormônios podem trazer a sensação de desconforto e é necessário um rastreio cuidadoso quando se fala em câncer de mama.
Edson chama atenção ainda para o fato de que a falta de métodos de contracepção e de proteção contra ISTs voltados para essas populações são um grande obstáculo. "Quando falamos do sexo de pessoas com os mesmos órgãos sexuais, não existe um método desenhado e criado de forma específica. O que acontece é uma adaptação ou improvisação de dispositivos criados para a relação heteronormativa".
A contracepção
Quando falamos nos cuidados de contracepção na comunidade LGBTQIAPN+, os maiores desafios envolvem homens trans e mulheres bissexuais.
No caso dos homens trans, a maior fonte de desinformação envolve o tratamento com testosterona.
O tratamento hormonal para homens trans não é o suficiente para evitar a gravidez, mesmo que não haja menstruação.
Homens trans podem precisar de anticoncepção, a depender de com quem se relacionam. "Alguns estudos mostram que homens trans têm taxas de gravidez não planejada próximas à população cis", alerta Edson.
O médico menciona um estudo clínico global feito com 231 adolescentes e jovens adultos transgêneros, que revelou que 40% não usavam método anticoncepcional e 54% descontinuaram seu método contraceptivo assim que pararam de menstruar.
Existem ainda estudos iniciais que mostram que 20% das gestações em homens trans não são planejadas.
Entre os métodos mais utilizados estavam os contraceptivos injetáveis (21%), pílula combinada (15%), pílula somente de progestagênio (15%) e DIU (6%).
"O DIU, inclusive, é um método que tem ganhado cada vez adeptos. Por funcionar sozinho no corpo de quem o usa, ele não precisa de lembretes diários e, por isso, traz mais conforto, tranquilidade e segurança", afirma Edson.
PALAVRA DO ESPECIALISTA:
Quais são os principais desafios encontrados no cuidado com a saúde da população LGBTQIAPN+
Sem dúvidas, o principal problema é a comunicação. A interação entre quem atende essas pessoas e os indivíduos da comunidade. Existe muito receio de um lado e de outro, os pacientes já chegam em uma consulta com traumas, medo de não terem o nome social respeitado, se não serem tratados como quem são. E embora ainda exista sim muito preconceito e falta de empatia e sensibilidade por parte de alguns profissionais da saúde, há também aqueles que acabam ferindo os pacientes por acidente, por falta de hábito, por desinformação.
E como melhorar essa situação, sanar esse problema da desinformação?
Precisamos investir na comunicação, o tema precisa se tornar rotina, recorrente. Precisamos falar cada vez mais sobre a forma de abordar a saúde dessa parcela da população. É necessário que essa conversa seja comum e que todos os profissionais de saúde, desde quem atende o paciente no balcão até o os médicos, enfermeiros e tantos outros estejam preparados. Eventos, cursos, palestras e protocolos da área de saúde são formas de preparar esses profissionais para acolher e cuidar desses pacientes como de todos os outros. Respeito é a palavra de ordem. Eu mesma, tomo todos os cuidados para respeitar esses pacientes e atender suas demandas. É possível que por hábito, um profissional use um pronome equivocado, por exemplo, e nesse momento cabe pedir desculpas, reconhecer que isso pode ferir o outro e prestar mais atenção.
O que os pacientes da comunidade podem fazer para garantir os cuidados com a própria saúde?
No caso do serviço público, é importante não desistir caso não se sinta confortável ou bem atendido. Não desista de receber o atendimento que merece, busque outra unidade de saúde ou vá em outro turno ou dia, com um profissional diferente. Nos casos particulares ou de convênios, pesquise os profissionais, veja as redes sociais e escolha alguém alinhado com as suas demandas e até mesmo com valores semelhantes, isso faz com que você se sinta mais confortável na consulta.
Ilza Maria Urbano Monteiro, presidente da Comissão Especialidade Anticoncepção da Febrasgo
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