Um exemplo de esperança e muitas lutas. Para celebrar os 35 anos do seu primeiro transplante de medula óssea, completados em 2022, o Hospital Israelita Albert Einstein reuniu, em livro, o relato de 35 dos mais de 2 mil pacientes que, ao longo desse período, passsaram por procedimentos únicos em centros de transplantes e terapia celular no país, com qualidade reconhecida pela Foundation for Acreditation of CellTherapy (Fact).
O livro, lançada no ano passado, junta-se a outro, publicado há cinco anos, com o depoimento de outros 30 outros pacientes. As obras contam a história de pessoas que foram salvas e tiveram as vidas transformadas, compartilhando afetos e sentimentos, tanto de familiares quanto daqueles que são responsáveis pelo atendimento. Nas duas ocasiões, a iniciativa contou com apoio da jornalista Dad Squarisi, editora de Opinião do Correio, que também precisou passar por dois procedimentos na medula.
A primeira experiência, em 2016, resultou no volume um do livro, intitulado de A vida e seus valores. Depois de entrevistar e editar o testemunho de 30 pessoas, com cada um trazendo sua percepção e olhar de como o renascimento foi proporcionado por meio do transplante de medula óssea, Dad Squarisi acredita que a obra traz uma mensagem de recomeço. “Palavras de otimismo e conforto. As pessoas se veem frente a frente com a morte, por isso, cada uma traz a visão do caminho que fizeram para chegar até o transplante.”
Emoções e respostas diferentes. Cada paciente é único e, com ele, vem a sua história. Em 2021, Dad retornou ao Albert Einstein para um novo transplante. Essa segunda experiência, que culminou, em 2022, nos 35 anos desde o primeiro procedimento no hospital, contou com uma nova remessa de esperança, registrada o volume dois da obra, chamado de Desafios. Desta vez, somente uma personagem se repete — a jornalista. Mesmo assim, ela é clara ao dizer que o seu relato não é o mesmo. Confira algumas dessas emocionantes histórias
Laços de irmãos
O nascimento é algo mágico e lindo, principalmente quando se está à espera da primeira filha. Em 2013, Juliana Sena recebeu nos braços o amor em estado puro. Giovana Sena veio ao mundo enrolada em um afeto incondicional e uma felicidade imensa. Mas, mesmo que a alegria estivesse presente, a dor apareceu para fazer parte da festa. Em casa, uma ligação do hospital com o resultado do teste do pezinho levou toda a família a uma queda de emoção abrupta.
O diagnóstico atestava que a pequena, possivelmente, era portadora de anemia falciforme, doença que atinge os glóbulos vermelhos do sangue, impedindo o transporte de oxigênio correto para os órgãos do corpo. Depois da iminente tristeza, a busca para a cura surgiu em meio a pesquisas e ao acompanhamento, bem de perto, do desenvolvimento da enfermidade.
Após consultas em diversos lugares, os pais da pequena acharam uma saída, porém inusitada. Para curar Giovana, era necessário que ela tivesse um irmão 100% compatível. Mas o casal não tinha outro filho. EA solução seria gerar outra criança por meio da fertilização in vitro.
A notícia, recebida com muita alegria, deu início à jornada para realizar o procedimento. A mãe, Juliana, confessou no livro que estava empolgada para alcançar não somente o sonho de curar a filha, mas, também, de ter outro filho. Seis tentativas de fertilização frustradas. Giovana com conseguintes crises e necessidades de internação em razão da doença. Porém, não há nada que pare o amor de uma mãe. Na sétima tentativa, enfim, o milagre aconteceu.
Em 7 de novembro de 2016, Matheus, o menino com nome de anjo, nasceu para salvar a irmã. Apenas o sangue do cordão umbilical foi suficiente para levar à tão sonhada cura. Para receber a transfusão, Giovana precisou ficar dias internada. Hoje, seis anos depois, ela está completamente curada, praticando esportes e ganhando medalhas. E além dos troféus, a nova vida. Uma boa vida.
"Lembre-se de viver"
"Memento mori". A frase em latim, que significa "lembre-se que você também vai morrer", acompanhou a trajetória de Luigi de Matos Modolo. Um mês antes da pior notícia de sua vida, o jovem, com uma tromboflebite, já se preparava para o diagnóstico positivo para leucemia. Medo e vontade de ser curado. As sensações se misturavam e se encontravam ao mesmo tempo. Mas o desejo de se ver livre da doença sobressaía-se.
Medicamentos complexos e o mental abalado. O amor dos familiares, neste momento, foi fundamental para que o psicológico não ficasse ainda mais abalado. A chance de dar certo, de não dar, todas essas confusões atormentavam Luigi. Mas, quando surgiu a oportunidade de realizar o transplante, a ideia foi implantada na cabeça com muita convicção.
Ao lado do pai, a confiança se estabeleceu, também, junto à equipe médica. Passado o procedimento, o pós-transplante apareceu com muitas complicações, que foram revertidas graças à atuação de muitos profissionais. Choro, alegria, tristeza e raiva. Durante o processo, essas foram as principais sensações que moraram dentro do peito do transplantado Luigi.
Além de Memento Mori, outra expressão do latim fez parte dessa jornada de obstáculos: memento vivere, que significa “lembre-se de viver”. Alia-se ao olhar face a face com a morte, comentada pelo paciente, mas que foi atravessada pela crença e a força em dias melhores.
Diagnóstico difícil e raro
Entre peregrinações em consultórios de dermatologistas para investigar uma coceira invisível, João Mesquita tentou de todas as maneiras tratar o que ele chamava de “comichões insuportáveis”. De uma hora para outra, em algum momento de 2011, essa rotina infernal começou a se integrar à vida do paciente. Nas pernas, coxas, costas e até mesmo nas nádegas. A intensidade das coceiras eram tremendas e sempre sem nenhum resultado nos exames realizados. Para aliviar os momentos de suplício, ele teve de recorrer a injeções de cortisona na veia. Mais de cinco anos em lutas diárias até, finalmente, encontrar uma dermatologista que conseguisse atendê-lo.
Em dezembro de 2015, a profissional decidiu fazer uma biópsia em João. Pouco tempo depois, o resultado saiu: micose fungoide. O nome, apesar de estranho, desenhava o perigoso e conhecido cenário, um raro tipo de linfoma, denominado de Não Hodgkin das células. Mesmo com o diagnóstico assustador, o alívio foi maior que o medo. Afinal, a resposta para o motivo que o atormentava era tudo o que ele queria e buscava. Enfim, começou o tratamento. Sessões de Puva — banho de luz na pele — foi a opção imediata. Entretanto, a técnica não causou melhoras, mas, sim, piora no quadro.
Tudo isso fez com que João largasse o que estava fazendo e caísse de paraquedas no Hospital Albert Einstein. Lá, foi aconselhado a viajar para os Estados Unidos com o intuito de confirmar o resultado e saber as alternativas para tratamento. Em Nova York, descobriu provas ainda mais raras — chamado de síndrome Sézary, uma derivação ainda mais grave do primeiro resultado foi descoberta. Ao perguntar sobre as chances de continuar vivo, ouviu do médico que não havia estatística que pudesse constatar a probabilidade de morte ou não. Ainda longe do Brasil, por meio de uma consulta com a médica Larissa Geskin, soube que, possivelmente, teria chances de se recuperar, mesmo com 61 anos.
Com isso, voltou para a terra natal e passou a fazer fotoferese no Einstein, aos cuidados do doutor Nelson Hamerschlak, coordenador do programa de oncologia, hematologia e transplantes de medula óssea do Hospital. Cada sessão levava de quatro a cinco horas. E, mesmo durante o processo, as coceiras não davam paz. Tentativas frustradas usando fármacos não diminuíram as coceiras.
A solução, então, foi voltar para Nova York. Descobriu que a melhor forma era o transplante de medula óssea, que aconteceu graças ao filho mais velho, 100% compatível com ele. Depois de anos sofrendo e buscando uma forma de amenizar tamanha dor, em 31 de julho de 2018 o procedimento aconteceu. Um mês se passou e a alta do hospital veio, voltando para casa agradecido à equipe que tratou de cuidá-lo e devolver uma nova vida a João.
Saiba Mais
Palavra de especialista
"O transplante de medula óssea é um procedimento complexo. Vai desde o planejamento, a quimioterapia e/ou a radioterapia para abrir caminho para a nova medula, infusão das novas células e recuperação. No entanto, costumo dizer que o transplante não acaba quando termina. Durante todo o processo, há que haver sinergia entre equipe médica, multiprofissional, familiares e pacientes.
Essa sinergia e dedicação mútuas geram humanização, muito importante em função do prolongado tempo de internação, entre 30 e 40 dias.
A ideia do livro festejando inicialmente os 30 anos de transplante do Einstein foi de Dad Squarisi uma das editoras do Correio Braziliense que foi transplantada. Convidamos, há cinco anos, 30 pacientes para dar depoimentos. Este ano (2022), fizemos 35 anos e repetimos com depoimentos de 35 pacientes. A tônica, nos dois anos, é a revalorização da vida."
Nelson Hamerschlak é coordenador do programa de oncologia, hematologia e transplantes de medula óssea do Hospital Israelita Albert Einstein
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